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Roessler e os animais feitos de carne

29 de agosto de 2014
3 min. de leitura
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Henrique Luiz Roessler

O gaúcho Henrique Luiz Roessler, pioneiro do movimento ecológico brasileiro por atuar em defesa da fauna e da flora desde a década de 1930 e por fundar a primeira entidade ambientalista do Brasil em janeiro de 1955, a UPN – União Protetora da Natureza, talvez possa ser também o primeiro ativista a refletir e compartilhar sua preocupação com a situação vivida pelos animais de “consumo” para a alimentação. Nesse sentido seria na linha do que hoje definimos por bem-estarismo, pois, no contexto brasileiro de então, não seria possível que se vislumbrasse algo do tipo libertação ou abolicionismo animal, que é a não exploração sob todas as formas de nenhum animal, ainda que bem cuidado.
Em artigo publicado no Correio do Povo em 8 de fevereiro de 1963, intitulado “A Carne que Comemos”, Roessler começa a descrever a situação deplorável do gado sendo transportado ao matadouro em caminhões abarrotados, percorrendo dias de viagem sem alimentação e sem água, “prensados, sacudidos, impregnados de suas próprias dejecções, com seus membros tão entumecidos, que não podem se sustentar, menos avançar”. E aí as estocadas com varas pontiagudas que acabam ferindo os animais na hora do desembarque e o espancamento com porretes, onde frequentemente, descreve ele, fica alguma rês agonizante ou morta, porque caiu ou foi pisoteada por seus companheiros de infortúnio. Situação semelhante acontece com os caminhões superlotados de ovinos e suínos em estado de miséria e exaustão.
Em sequência, Roessler continua o texto descrevendo a situação dos animais nos matadouros, onde “se desenvolvem as mais dantescas e abomináveis cenas de matanças. (…) Entre charcos e valos de sangue e fedor e berros dos degolados em convulsões horríveis de agonia, entre montões de carne ainda palpitante e cadáveres de olhos virados pela morte (…) As vítimas são arrastadas para a sala de matanças, onde ficam espantadas pelo alarido dos morinbundos, recebem umas marteladas na cabeça e são sangrados ao tombarem”.
Sobre os cordeiros, descreve que são atadas as quatro patas e no embalo triste esperam a sua vez de morrer, instigando os leitores a imaginar o desespero das ovelhas mães ao verem diante delas os seus pequeninos e rechonchudos cordeirinhos gritando feito crianças na hora em que são degolados. Da mesma forma, sobre os porcos “que não se deixam sujeitar e recebem pontaços de faca aqui e ali (…)” esvaindo-se em sangue, debatendo-se até morrer. E quanto menor o matadouro, maior é a bestialidade dos carrascos, segundo Roessler, pois não há fiscalização e o “o povo do interior se acostuma às brutalidades”.
A preocupação em diminuir o sofrimento dos animais e com seu bem-estar fica evidente quando o ambientalista coloca que, diante da incapacidade de evitar as matanças, ao menos diminuam os indizíveis sofrimentos e pede a todas as pessoas conscientes que manifestem às autoridades e proprietários de frigoríficos seus protestos contra os requintes de perversidade e selvageria, torpeza e lentidão que prolongam o sofrimento das vítimas. Sugere o uso obrigatório da pistola de percussão mecânica e o choque elétrico, a exemplo dos matadouros estrangeiros. Por último, conclama a todos dizendo: “Não larguem o jornal com uma expressão de horror, mas sim venham auxiliar e aliviar os últimos instantes de milhões de animais sacrificados anualmente.”

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