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POLUIÇÃO

'Rochas de plástico' ameaçam ninhos de tartarugas em ilha brasileira isolada

Pesquisadores alertam para formações de resíduos plásticos que se espalham pela Ilha da Trindade e já alcançam áreas de desova

4 de novembro de 2025
Luna Almeida
5 min. de leitura
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Foto: Reprodução/Fernanda Avelar

A mais de mil quilômetros da costa do Espírito Santo, a Ilha da Trindade, ponto mais isolado do território brasileiro, tornou-se um símbolo alarmante do impacto humano sobre o planeta. Pesquisadores identificaram a formação de “rochas de plástico”, estruturas híbridas criadas pela fusão de resíduos derretidos com areia, pedras e conchas.

O fenômeno ocorre em um dos lugares mais remotos e preservados do País, ameaçando inclusive a principal área de desova da tartaruga-verde, espécie ameaçada de extinção.

A descoberta foi feita pela geóloga Fernanda Avelar, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da Western University, no Canadá, durante um trabalho de campo em 2019.

A pesquisadora relata que, ao observar uma formação que parecia uma rocha comum, percebeu que o material era composto por plástico fundido.

Desde então, o grupo de pesquisa vem monitorando o avanço dessas estruturas e suas implicações ambientais e geológicas.

Um novo tipo de rocha, feita de lixo

Fernanda explica que as chamadas “rochas de plástico”, tecnicamente denominadas plásticos aglomerados, funcionam de maneira semelhante às rochas sedimentares, mas com um elemento inédito: o plástico.

Ele atua como matriz, fundindo fragmentos geológicos, materiais biológicos e até resíduos não fundidos, como pedaços de madeira e metal.

O resultado é uma nova composição física que, além de alterar o solo da ilha, representa um registro do impacto humano na natureza.

A pesquisadora destaca que ver um material artificial se incorporando aos processos geológicos é um indicativo de que o problema da poluição plástica alcançou um ponto crítico.

Mesmo em locais protegidos e sem população permanente, os efeitos do consumo global e da má gestão dos resíduos já se fazem visíveis.

Poluição que chega de todo o mundo

Foto: Reprodução/Fernanda Avelar

O lixo encontrado na Ilha da Trindade tem origem internacional, trazido pelas correntes marítimas do Atlântico Sul. Os pesquisadores identificaram bóias, redes de pesca, cordas, fragmentos de embarcações e pequenas esferas de plástico industrial oriundas de países da Ásia, Europa e América do Norte.

Entre as praias mais afetadas estão a Praia das Tartarugas, a Praia dos Cabritos e a Praia Vermelha, áreas que concentram a maior parte do acúmulo de resíduos.

A análise mostra que boa parte do material deriva de atividades pesqueiras e de navegação, evidenciando que nem mesmo ilhas desabitadas estão a salvo da poluição oceânica.

No litoral de São Paulo, sete em cada dez tainhas pescadas possuem plásticos em seu organismo.

Risco real aos ninhos de tartarugas

A fase mais recente da pesquisa revelou um cenário ainda mais preocupante. As rochas formadas pelo plástico estão sendo encontradas enterradas nos ninhos das tartarugas-verdes, que escavam o solo da Praia das Tartarugas para colocar seus ovos.

A presença do material, misturado à areia, pode comprometer o ambiente de incubação, afetando o desenvolvimento dos filhotes e reduzindo suas chances de sobrevivência.

Fernanda Avelar explica que o material tende a se fragmentar e se dispersar com a erosão natural, o que aumenta a probabilidade de que ele permaneça soterrado e preservado nas camadas geológicas da ilha.

A longo prazo, isso pode criar um registro físico permanente do impacto humano – um verdadeiro marco do Antropoceno, a era geológica em que a ação humana se tornou força dominante sobre o planeta.

Um retrato do Antropoceno

O estudo reforça a tese de que o plástico já faz parte da história geológica da Terra. Segundo a geóloga, o fato de essas rochas estarem sendo formadas e preservadas em uma área protegida, classificada como Monumento Natural (MONA), mostra que a influência humana atingiu até os ecossistemas mais intocados.

A pesquisadora alerta que, se nada mudar na forma como o mundo lida com o lixo plástico, as gerações futuras encontrarão nos estratos do planeta um testemunho claro da poluição produzida no século XXI. Atualmente, a maioria das praias brasileiras já estão contaminadas com microplásticos.

A importância da conservação

Desde 2007, a gestão ambiental da Ilha da Trindade é responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.

A instituição mantém programas de pesquisa, limpeza e monitoramento em parceria com universidades e a Marinha do Brasil, que mantém presença permanente no local desde 1957.

As coletas e análises de resíduos seguem um protocolo científico padronizado e são realizadas nas praias mais acessíveis, como Andradas, Tartarugas e Cabritos. O material recolhido é catalogado, analisado e encaminhado para reciclagem ou incineração, enquanto os resíduos orgânicos são compostados.

Apesar dos esforços, o desafio é gigantesco. Mesmo sem moradores e com acesso restrito, a Ilha da Trindade acumula lixo de todo o planeta, evidenciando que o problema da poluição é global e sistêmico.

Um alerta em meio ao oceano

Para Fernanda Avelar, o que acontece em Trindade é um retrato do fracasso na gestão mundial dos resíduos plásticos. O fato de o lixo estar se transformando em rocha, um elemento permanente e resistente, simboliza que o impacto humano não é mais reversível apenas com medidas pontuais.

O surgimento dessas formações em uma das áreas de maior importância ecológica do Brasil, que abriga a principal zona de desova de tartarugas-verdes no Atlântico Sul, é um sinal de urgência.

A pesquisadora conclui que a ação precisa ser global, e que o controle da poluição plástica deve ser tratado como uma prioridade planetária antes que mais pedaços do mundo natural se tornem parte literal da história humana.

Fonte: Diário do Litoral

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