Ritmo de adaptação de florestas é mais lento que o necessário para fazer frente à crise climática
Árvores de grande porte e madeira densa são as mais afetadas; pesquisas recentes alertam para a possibilidade de empobrecimento radical dos biomas
28 de março de 2025
José Tadeu Arantes
6 min. de leitura
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Área de floresta amazônica desmatada entre Santarém e Uruará, no Pará. Foto: Lalo de Almeida/Folhapress
A crise climática está afetando as florestas tropicais de maneira acelerada, enquanto os processos ecológicos que regem sua adaptação ocorrem em ritmo muito mais lento.
Os estudos indicam que as florestas estão mudando, sim, mas não na velocidade necessária para acompanhar o ritmo do aquecimento global.
“O que estamos vendo é que as florestas tropicais das Américas estão tentando se adaptar às mudanças climáticas, mas de forma bem mais lenta do que esperaríamos”, diz Jesús Aguirre-Gutiérrez, professor da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e primeiro autor dos dois artigos.
Gutiérrez informa que a crise climática está levando as florestas tropicais a mudarem sua composição, com um aumento de espécies decíduas, aquelas que perdem as folhas na estação seca.
“Essas espécies têm uma vantagem em períodos de menor precipitação e temperaturas elevadas, pois podem reduzir a perda de água nesse contexto. No entanto, mesmo essa adaptação não está ocorrendo com rapidez suficiente para acompanhar a transformação do clima.”
Os dados revelam que espécies de grande porte, que desempenham papel fundamental na estrutura da floresta e na captura de carbono, estão sendo substituídas por espécies menores e de menor densidade.
“Observamos que as espécies que se regeneram com maior facilidade não são as de grande porte e de madeira mais densa, mas sim aquelas com maior plasticidade adaptativa. Isso reduz a capacidade de estocagem de carbono da floresta e pode afetar os modelos climáticos, já que a capacidade fotossintética será menor no futuro”, afirma Carlos Alfredo Joly, professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), coordenador da BPBES (Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) e coautor dos dois artigos.
Monitoramento contínuo
Os estudos foram possíveis graças a décadas de monitoramento ecológico, utilizando parcelas permanentes de um hectare cada em diferentes regiões tropicais. As informações foram complementadas por imagens de satélite.
“Os dados que utilizamos no artigo da Science vêm de parcelas distribuídas do México ao sul do Brasil”, conta Aguirre-Gutiérrez. “São 415 parcelas e foram necessários muitos anos para coletar essas informações. Agora, com imagens de satélite e modelagem, podemos expandir essa análise para outras regiões tropicais, como a África e a Ásia, onde os dados de campo são mais escassos.”
Essa abordagem permitiu mapear atributos funcionais das florestas tropicais, como a morfologia e a química das folhas, a estrutura da vegetação e a presença de espécies decíduas.
“No estudo da Nature, utilizamos modelagem com dados do satélite Sentinel-2 da Agência Espacial Europeia, que nos permitiu criar mapas da distribuição desses atributos nos trópicos”, destaca Aguirre-Gutiérrez. “Isso nos dá uma visão detalhada de como as florestas estão mudando e nos ajuda a projetar cenários futuros.”
As pesquisas apontaram que as mudanças nas florestas tropicais podem levar à perda de biodiversidade e a um empobrecimento estrutural desses biomas.
“Espécies de grande porte, como jatobás, ipês, perobas e jequitibás, estão desaparecendo porque não conseguem acompanhar as mudanças climáticas”, alerta Joly.
“Na Amazônia, árvores icônicas como a castanheira-do-pará e as copaíbas também estão em risco. Além de seu valor próprio, como fontes de alimentos e medicamentos, essas espécies são fundamentais para a captura de carbono e a manutenção da biodiversidade.”
A transição para florestas dominadas por espécies mais adaptáveis pode ter implicações profundas. “Constatamos que as florestas estão se tornando mais suscetíveis à mortalidade em larga escala”, comenta Simone Aparecida Vieira, pesquisadora do Nepam (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais) da Unicamp e integrante da coordenação do Programa Biota-Fapesp.
“Isso compromete funções ecossistêmicas essenciais, como a regulação do ciclo do carbono e da precipitação. O colapso florestal pode aumentar o carbono na atmosfera e reduzir a formação de chuvas, intensificando ainda mais a crise climática.”
Diante desse cenário, a conservação e a restauração das florestas tropicais tornam-se ainda mais urgentes. No entanto, simplesmente proteger áreas degradadas, apostando no processo de sucessão, pode não ser suficiente.
“Se uma área degradada for protegida, as espécies nobres reaparecerão espontaneamente no processo natural de regeneração? A resposta curta é não”, afirma Joly. “Experimentos de restauração mostram que essas espécies apresentam uma taxa de mortalidade alta, mesmo quando plantadas. Elas crescem lentamente e são vulneráveis a eventos extremos.”
Além disso, a fragmentação das florestas dificulta a regeneração. “A perda de conectividade entre fragmentos florestais leva ao empobrecimento da biodiversidade”, explica o pesquisador. “Em áreas isoladas, a dispersão de sementes por animais como cutias, pacas e macacos fica comprometida, dificultando a regeneração de espécies vegetais importantes.”
Uma das soluções propostas é a regeneração natural assistida (“assisted natural regeneration”), que consiste no plantio de espécies adaptadas às novas condições climáticas.
“Com os dados que temos, podemos identificar quais espécies nativas estão mais bem adaptadas ao clima atual e priorizar seu plantio”, sugere Aguirre-Gutiérrez. “Isso pode aumentar as chances de sucesso dos programas de reflorestamento.”
Apesar dos avanços tecnológicos no monitoramento das florestas, os pesquisadores enfatizam que o trabalho de campo continua sendo indispensável. “A gente tem de continuar investindo em trabalho de campo, colocando recursos para que pesquisadores no México, no Brasil e em outros países possam coletar dados”, destaca Aguirre-Gutiérrez.
“Não podemos fazer tudo apenas com satélites. Precisamos de dados de campo para validar e aprimorar os modelos.”
As descobertas desses estudos reforçam a necessidade de políticas públicas voltadas para a conservação das florestas tropicais, aliando ciência, tecnologia e principalmente ações concretas para mitigar os impactos das mudanças climáticas.
“A ecologia tem mostrado cenários cada vez mais preocupantes”, conclui Vieira. “Se não agirmos agora, as florestas tropicais podem perder sua função ecológica antes que consigam se adaptar ao novo clima.”
Os estudos receberam apoio da Fapesp por meio de cinco projetos.