Cerca de 131 mil toneladas de antibióticos são usadas pela indústria pecuária global todos os anos. A prática, comum no setor, faz com que os animais, como bois, frangos e porcos, fiquem mais resistentes à doenças e cresçam mais rapidamente. Além disso, os torna menos vulneráveis ao estresse gerado pelo confinamento em cubículos superpopulados, algumas vezes, sem condições sanitárias adequadas. Estudos apontam que a cadeia de suínos é a que mais utiliza antibióticos.
Um novo levantamento inédito realizado pela organização Proteção Animal Mundial em cinco países – Canadá, Brasil, Espanha, Estados Unidos e Tailândia – analisou o impacto da pecuária industrial intensiva na resistência antimicrobiana. Durante a elaboração do estudo foram recolhidas amostras da água de rios e solos de locais próximos a fazendas de cinco cidades paranaenses: Toledo, Castro, Carambeí, Piraí do Sul e Palotina. O Paraná é segundo maior polo produtor de suínos do país e o Brasil o quarto do mundo.
A análise revelou a presença preocupante de genes resistentes a antibióticos críticos para a saúde humana, como é o caso da cefalosporina, da ciprofloxacina e da penicilina.
“Como os animais não metabolizam cerca de 70% dos antibióticos administrados, uma grande quantidade dessas substâncias pode passar para o dejeto animal (urina e fezes), chegando ao ambiente. As bactérias chegam a sobreviver de 2 a 12 meses10 em dejetos não tratados de animais de produção. E, pior, mesmo quando o manejo de resíduos suínos inclui tecnologias avançadas, como digestores anaeróbicos para decomposição e tratamento, nem antibióticos, nem as bactérias multirresistentes são eliminados. Isto pode criar condições favoráveis para que bactérias multirresistentes se desenvolvam e sejam disseminadas”, explicam os especialistas ouvidos pela organização.
Há décadas a Organização Mundial de Saúde já alerta sobre os riscos provocados pela administração de antibióticos sem necessidade. Quando há demasiado ou mau uso dessas substâncias, as bactérias para as quais elas foram desenvolvidas para combater, podem ficar ainda mais fortes e imunes a elas, o que hoje chama-se de “superbactérias”. Com isso, o tratamento de infecções bacterianas faz-se mais difícil, prolongado e com maiores chances de tornar-se fatal para o paciente.
De acordo com dados do Centro para a Prevenção e o Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), só nos Estados Unidos, cerca de 35 mil pessoas morrem por ano porque foram contaminadas com bactérias resistentes a antibióticos. No mundo todo, esse número chega a 700 mil vítimas.
Por esta razão, a OMS recomenda que antibióticos não sejam usados rotineiramente para prevenir doenças em animais de fazenda. Apesar disso, segundo a Proteção Animal Mundial, “a prática continua generalizada em sistemas industriais intensivos, com até 75% dos antibióticos do mundo sendo usados em animais de fazenda”.
Todavia, em alguns países, governos já estão impondo restrições a isso. O relatório cita, por exemplo, proibições existentes do uso de antibióticos para prevenir doenças em grupos de animais em países como a Dinamarca, Finlândia, Suécia, Noruega, Islândia e Holanda. Na Suíça, passou-se a monitorar resíduos de antibióticos em rios e lagos. E a partir de 2022, a União Europeia irá banir o uso rotineiro de antibióticos em animais de criação com a meta de reduzir a venda desses medicamentos em 50% até 2030. “Outra decisão foi que animais vivos e produtos animais importados para a UE tampouco poderão receber antibióticos para promover crescimento rápido”, afirma o estudo.
“Muito além de tratar enfermidades, os antibióticos são comumente utilizados para evitar doenças causadas por problemas no manejo e altos níveis de estresse sofridos por animais em confinamento extremo”, afirma Daniel Cruz, gerente de Bem-Estar Animal da Proteção Animal Mundial. “Isso é preocupante, pois, nesse caso, os antibióticos são utilizados não só para tratamento de infecções reais e presentes (uso terapêutico), mas também para tentar prevenir doenças de forma massiva (uso preventivo ou profilático) e até mesmo para promover o crescimento dos animais. Essa administração exagerada e irresponsável contribui para aumentar o processo natural de seleção dos microrganismos e causa o aparecimento de gerações de bactérias multirresistentes”, ressalta.
Ou seja, isso precisa mudar, através de uma legislação clara no Brasil, que seja acompanhada de uma fiscalização eficaz. Para o bem estar não apenas dos animais, mas também, da nossa população, especialmente aquela que vive próximo a fazendas que criam animais.
Fonte: Conexão Planeta