Eduardo Vélez, pesquisador do MapBiomas, relatou que o levantamento comparou as coberturas de diferentes categorias ao longo dos anos para estimar a quantidade do que foi perdido e o que ocupou o seu lugar no Rio Grande do Sul.
De acordo com ele, a diminuição da vegetação original atingiu o estado como um todo, mas quase um terço (1,3 milhões de hectares) se deu na bacia hidrográfica do Guaíba, uma das mais afetadas pela catástrofe climática atual.
“O Rio Grande do Sul tem um bioma diferente da Amazônia, por exemplo. Temos algumas florestas nativas, mas a maior perda não se deu pelo desmatamento de florestas. Essa perda se deu, na maior parte, nas formações campestres”, destacou.
As formações campestres do estado gaúcho são um tipo de vegetação adaptada ao clima subtropical local e composta, em sua maioria, por gramíneas e arbustos de pequeno porte. Pelos dados do MapBiomas, 3,3 milhões de hectares delas foram eliminados de 1985 a 2022.
Em seu lugar, foram criadas lavouras de soja, que tiveram um crescimento de 366% no período. Em 1985, o Estado tinha uma área de 1,3 milhão de hectares ocupada por essa cultura. Em 2022, subiu para 6,3 milhões de hectares.
A silvicultura (plantação de florestas novas ou manejo de florestas nativas para a sua exploração comercial) também mudou a configuração do solo do Rio Grande do Sul, mostra reportagem da BBC News Brasil. A área destinada a essa atividade passou de 79 mil hectares para 1,19 milhão de hectares, crescimento de 1.399%.
Além disso, o MapBiomas revela que houve alta de 145% nas áreas urbanizadas do Estado no período estudado. Em 1985, eram 97 mil hectares e, em 2022, subiram para 238.607.
Valério Pillar, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador de uma rede de pesquisadores sobre os campos do Sul do país, comentou, em entrevista para a BBC, que a mudança no uso da terra provavelmente aumentou o impacto negativo das chuvas.
“A vegetação nativa nas margens dos córregos, riachos e rios cria mais obstáculos para a água da chuva em seu caminho até os leitos dos rios. Esses obstáculos diminuem a velocidade do escorrimento da água e reduzem a força com que ela chega às áreas mais baixas do território, como aquelas afetadas pelas enchentes”, explicou.
Ele acrescentou que, mesmo após um rio transbordar, a vegetação original nas margens de um curso d’água funciona como um freio para a drenagem da água, diminuindo a velocidade com que atinge as áreas rio abaixo.
Esse tipo de vegetação também é importante no caso de enchentes porque aumenta a quantidade de água infiltrada no solo, o que diminui a quantidade de água disponível para inundações, e protege o solo diminuindo a quantidade de sedimentos que assoreiam os rios da região.
Bruna Winck, agrônoma e doutora em Ciências do Solo pela UFRGS, ponderou que, embora a soja cubra o solo e consuma água durante o seu crescimento, ela não tem as mesmas condições de reter água durante fortes chuvas.
“O sistema de raízes da vegetação nativa é mais diverso quanto à sua capacidade de captação de água no solo, podendo fazer isso em diferentes profundidades. Na cultura da soja, há etapas em que o solo está menos protegido, como o preparo do solo e na fase inicial de crescimento das plantas. Mesmo que haja palha sobre o solo, ela apenas favorece a infiltração de água, mas não a sua absorção”, explanou.
Os especialistas consultados pela BBC disseram que a substituição da vegetação nativa por lavouras no RS se deve ao boom no preço das commodities, no início dos anos 2000, e às decisões políticas tomadas por diferentes governos.
Apesar de a perda de vegetação poder ter contribuído para a piora das enchentes, as causas delas foram as mudanças climáticas causadas pelo homem, afirmaram Vélez, Pillar e Winck.
“Essas mudanças do clima devem-se sobretudo aos aumentos de CO₂ na atmosfera. E para reduzir isso, a única maneira é aumentar o sequestro do CO₂ pela vegetação e pelo solo”, ressaltou Winck. “Diversos estudos já mostram que as vegetações nativas são mais eficazes na captura do CO₂ e os solos sob essa vegetação geralmente estocam mais carbono.”
Em nota enviada para a BBC, a Associação dos Servidores da Sema-RS (Assema) também salientou a necessidade de recomposição da vegetação nativa do Estado: “O Governo do estado até hoje não institucionalizou as metas de recuperação de vegetação nativa previstas no Plano Nacional de recuperação de Vegetação Nativa (Planaveg), que prevê, minimamente a recuperação de 300 mil hectares de áreas degradadas no Bioma Pampa, sem contar a porção de Mata Atlântica subtropical do Rio Grande do Sul”.
Procurada, a secretaria do Meio Ambiente do RS (Sema) informou que tem diversas ações em andamento para proteção e recuperação da vegetação nativa. Uma delas é o Programa de Revitalização de Bacias Hidrográficas, criado em 2022, que prevê a recuperação de cerca de 100 hectares de matas ciliares nas bacias dos rios dos Sinos e Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Outra ação é o Programa Estadual de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg/RS).
A Sema disse ainda que vai lançar um edital para promover a conservação em áreas privadas por meio do programa de pagamento por serviços ambientais.
Fonte: Um Só Planeta