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RETROSPECTIVA

Rio Grande do Sul, PEC das praias e 4 vezes que o meio ambiente brasileiro foi ameaçado em 2024

Desastres ambientais e decisões políticas colocaram o nosso mundo em risco e a saúde do planeta foi comprometida, mostrando que mudanças são necessárias para que, no próximo ano, a sustentabilidade seja prioridade, assim como o bem-estar ambiental

31 de dezembro de 2024
João Maturana
12 min. de leitura
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Combate a incêndios na Amazônia. — Foto: © MAYANGDI INZAULGARAT/IBAMA

O Brasil se uniu em 2024 para divulgar os esforços daqueles que se mobilizaram no resgate e auxílio das vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, protestar contra a PEC das Praias nas redes sociais e cobrar medidas para amenizar as queimadas no Pantanal e no Amazonas. No entanto, mais que comoção e ações em prol de mudanças dentro e fora da internet, o país precisa de políticas públicas que garantam a preservação do meio ambiente que, neste ano, foi gravemente ameaçado e comprometido.

Pensando nisso, Marie Claire elencou cinco vezes que a natureza foi posta em risco para pensarmos no futuro que queremos construir em 2025 e refletir como a história pode ajudar a impedir que mais danos sejam causados — antes que seja tarde demais.

Enchentes no Rio Grande do Sul

Em 2024, o Rio Grande do Sul viveu o maior desastre climático na história do estado. A Defesa Civil, na época, confirmou a morte de 172 pessoas e revelou que mais de 629 mil moradores foram retirados de suas casas por conta das enchentes causadas por temporais que assolaram a região. 478 dos 497 municípios gaúchos foram atingidos, chegando a impactar, de forma direta ou indireta, a vida de 2,4 milhões de pessoas — o que representa mais de um quinto da população local.

Também é importante destacar que, conforme apurou o Greenpeace Brasil, somente 0,009% da receita total do RS foi destinada para ações da Defesa Civil. De acordo com dados da Lei Orçamentária Anual em 2024, o estado investiu apenas R$ 7,6 milhões de um orçamento anual de mais de R$ 80 bilhões para o órgão. Por mais que tenha sido um desastre natural, com um nível de chuvas para além do comum, a falta de investimentos públicos em prevenção custou vidas.

De acordo com o painel Recursos para gestão de riscos e desastres, mantido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o Poder Executivo deixou de aplicar 35,5% dos recursos destinados ao programa de Gestão de Riscos e Desastres da Defesa Civil entre 2012 e 2023. O orçamento previa R$ 33,75 bilhões a serem pagos pela União ou transferidos a estados e municípios, mas apenas R$ 21,79 bilhões seguiram o seu destino conforme o planejado. Paralelo a isso, entre 1985 e 2022, o Rio Grande do Sul perdeu aproximadamente 3,5 milhões de hectares de vegetação nativa, conforme dados produzidos pelo MapBiomas obtidos pela BBC News Brasil.

O equivalente a 22% de toda cobertura vegetal original presente no estado foi substituída por lavouras de soja, silvicultura e área urbanizada. Mesmo com os órgãos públicos, empresas privadas e a própria sociedade civil se mobilizando para ajudar as vítimas da catástrofe, arrecadando fundos, salvando vidas e resgatando corpos, há danos irreparáveis, inclusive ao meio ambiente.

206,6 mil propriedades rurais do Rio Grande do Sul sofreram impactos das chuvas, de acordo com o relatório da Emater-RS. O documento também indicou que 405 municípios relataram perdas de fertilidade e solos por erosão hídrica, o que equivale a 81,5% das cidades no estado. 2,7 milhões de hectares foram atingidos.

Para se recuperar, o Rio Grande do Sul adotou diversas medidas, como o Plano Rio Grande, que pretende reconstruir o estado “com um novo olhar, adaptado e resiliente, com segurança para a população”, como revelou a secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura Marjorie Kauffmann, durante a COP29. Aliada as estratégias do Proclima2050 e ao Plano de Desenvolvimento Econômico, Inclusivo e Sustentável, ela defende que será possível entregar um estado “muito melhor do que aquele que tínhamos antes da tragédia de maio”.

No entanto, não se sabe quando — ou se — essa recuperação, de fato, será possível. A própria Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), por exemplo, estimou que o agronegócio gaúcho pode ter perdido cerca de R$ 4 bilhões por conta das enchentes e deve precisar de pelo menos uma década para normalizar o cenário.

Mais de 100% de aumento nas queimadas

Nesse mesmo ano, o Brasil chegou perto de ultrapassar a marca de 160 mil focos de incêndio, um número 104% maior em comparação ao mesmo período de 2023, conforme apurou a Agência Brasil. Para entender a dimensão, só nos primeiros sete meses do ano, mais de 5 milhões e 700 mil hectares foram queimados, com Mato Grosso, Pará, Amazonas e Tocantins liderando os focos de queimadas.

No Pantanal, por exemplo, os focos de incêndio aumentaram 1.500% de um ano para o outro no período de janeiro a 17 de junho, de acordo com o Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

De janeiro a maio, 1.276 km² sofreram com o fogo, marcando a maior devastação já registrada. No entanto, em 2024, menos de 1% dos recursos enviados por deputados e senadores para os estados tiveram como destino ações de prevenção das queimadas e controle dos incêndios. Segundo informações disponíveis no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), apenas um deputado federal empenhou medidas para o combate direto das queimadas. Amom Mandel (Cidadania-AM) enviou R$ 191,4 mil para o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo), do Ibama.

Neste ano, o trabalho dos brigadistas extinguiu ou controlou 79% dos incêndios no Pantanal. O Governo Federal, por sua vez, até pelo menos agosto deste ano, tinha 890 profissionais em ação no bioma, entre militares e equipes do Ibama e ICMBio, da Força Nacional de Segurança Pública, da Polícia Federal.

A coordenadora do laboratório ambiental Lasa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro Renata Libonati garantiu, também em entrevista à Folha, que os incêndios só ocorrem por meio de algum tipo de ignição e, no caso do Pantanal, ela é de origem humana. Por isso, é necessário evitar que isso ocorra.

Muitos dos incêndios são de origem criminosa. Uma operação da Polícia Civil do Mato Grosso prendeu, em setembro, 17 pessoas em flagrante após apurarem o caso das queimadas que assolaram o estado entre 1º de janeiro e 9 de setembro de 2024. Ainda foram instaurados 14 procedimentos para investigar queimadas em regiões de mata, floresta, lavoura e pastagem.

À Folha de S.Paulo, o presidente do Ibama afirmou que o Brasil não tinha uma estrutura de prevenção e combate aos eventos extremos à altura das mudanças climáticas em vigor. Mas, meses depois, foi sancionado o Projeto de Lei n° 1.818/2022, que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, que estabelece diretrizes para o uso do fogo em áreas rurais, com o objetivo de prevenir incêndios florestais, reduzir seus impactos e promover o uso controlado do fogo.

PEC das Praias

Outro assunto que deu o que falar foi a proposta de emenda à Constituição (PEC) para privatizar áreas à beira-mar que pertencem à União, além de regularizar o Complexo da Maré, conjunto de comunidades no Rio de Janeiro. Conhecida como PEC das Praias, a proposta chamou atenção por conta da polêmica gerada entre Luana Piovani, que criticou duramente a medida, e Neymar, que anunciou parceria com uma construtora para um condomínio na região.

De acordo com um levantamento feito pelo UOL, pelo menos 295 políticos devem ser favorecidos diretamente caso a PEC seja aprovada. Isso porque 116 vereadores, 65 prefeitos, 41 deputados estaduais e 31 federais, 31 vice-prefeitos, oito senadores, dois vice-governadores e um governador têm imóveis em áreas da União, resultando em 410 propriedades.

Acontece que com a proposta, sob a relatoria de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a alteração do domínio pleno das áreas a estados, municípios e proprietários privados implica no aumento no valor do patrimônio e pode gerar um novo meio de exploração econômica.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), revelou que não pautará este ano a proposta por não concordar com o mérito da matéria e não ver tempo hábil para o projeto ser analisado pelo plenário até o fim de 2024. Com isso, o debate segue para o próximo ano e pode trazer grandes consequências para o ecossistema praiano.

O pesquisador da Universidade Federal Fluminense e especialista em ecossistemas costeiros, Keltony Aquino, acredita que, se ela for aprovada com todos os termos presentes no documento original, pode dificultar a fiscalização contra infrações ambientais em áreas costeiras. “Hoje no Brasil há 8.400 km de costa e, atualmente, o Ministério Público não consegue monitorar todas as regiões afetadas. São terras, por exemplo, que sofrem algum impacto de perda de manguezal ou perda de faixa de costa decorrente de áreas erosivas. A especulação imobiliária em cima disso pode impedir o acesso à própria fiscalização”, contou à Carta Capital.

Ele ainda diz que é possível que ela implique em maiores riscos de degradação ambiental, visto que, por mais que seja proibida por lei, pode ser que haja construções em áreas sensíveis, retirando de forma indevida restinga, levando ao assoreamento de rios em áreas próximas. Isso geraria um forte impacto em animais como crustáceos, aves e peixes, que usam essas regiões, e comprometeria a proteção natural que elas proporcionam contra eventos climáticos extremos.

Leis flexibilizam Código Florestal e liberam maior exploração do meio ambiente

Por fim, não podemos deixar de falar de uma série de PECs e PLs que flexibilizam o Código Florestal e permitem uma maior exploração do meio ambiente que seguiram em debate no Congresso este ano. O PL 364/2019, que elimina a proteção de todos os campos nativos e outras formações não florestais, por exemplo, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em 2024 e, atualmente, aguarda deliberação do recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Se aprovado, ele irá devastar pelo menos 48 milhões de hectares de campos nativos em estados como Rio Grande do Sul e Paraná, além de comprometer 50% do Pantanal, 32% dos Pampas e 7% do Cerrado, segundo a nota técnica emitida pela SOS Mata Atlântica.

O PL 6049/2023, que altera as regras do Fundo Amazônia, por sua vez, tramita no Senado Federal e foi encaminhado para a Comissão do Meio Ambiente para, depois, seguir para a Comissão de Assuntos Econômicos. O projeto prevê que o Fundo se transforme em uma associação civil sem fins lucrativos, podendo, assim, dificultar o repasse dos recursos para a aplicação de projetos relacionados à preservação do bioma.

E a PEC n° 48, de 2023, que prevê a definição de um marco temporal para a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas na Constituição, segue no Senado Federal, agora sendo analisada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e não deve passar por outras comissões em seguida, indo direto ao plenário.

Ainda que não tenham sido definidas essas e outras medidas, 2024 marcou o avanço delas no Congresso Nacional, mostrando como é essencial ter atenção em quem você irá votar durante as eleições, sempre se informando sobre planos de governo e se eles incluem a proteção ao meio ambiente, por exemplo, e de outras causas que são importantes para você e a população de onde vive. O voto é um direito seu e precisa ser exercido com responsabilidade, seja ele para eleger uma pessoa para a presidência ou para ser vereador.

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