Ficam no Rio Grande do Sul os únicos refúgios de leões e lobos-marinhos de todo o litoral brasileiro. Esses mamíferos aquáticos, normalmente associados às águas geladas dos polos, fizeram da Ilha dos Lobos, em Torres, no Litoral Norte, e dos molhes de São José do Norte, no Litoral Sul, uma espécie de colônia de férias, onde descansam e se alimentam.
“São as duas áreas onde lobos e leões-marinhos são avistados vivendo livremente na natureza em mais de 8 mil quilômetros da costa brasileira”, garante o oceanólogo Kleber Grübel da Silva, do Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (Nema), ONG pioneira nas atividades de proteção da fauna marinha no Litoral Sul do estado.
As duas áreas são protegidas por lei ambiental, classificadas na categoria Refúgio da Vida Silvestre (Revis). A Ilha dos Lobos é uma unidade federal, vinculada ao Instituto Chico Mendes (ICMBio) desde 2005. Com área de 142 hectares, é a menor reserva ecológica do Brasil. Já o refúgio dos molhes foi criado em 1996 pela prefeitura de São José do Norte.
Nos dois locais, os leões e lobos-marinhos encontram águas calmas e quentes, um lugar para descansar e alimentos em abundância. Entre uma refeição e outra no mar, passam horas deitados ao sol nas rochas da Ilha dos Lobos ou nos blocos de concreto dos molhes, os tetrápodes, que funcionam como verdadeiras poltronas para eles.
Tanto o leão-marinho quanto o lobo-marinho são membros da superfamília dos pinípedes. A principal diferença entre eles é o tamanho: enquanto os leões pesam em média 350 quilos e atingem 2,8 metros de comprimento, os lobos pesam de 120 a 130 quilos e chegam a 1,8 metro. Além disso, os leões-marinhos machos, quando adultos, têm uma espécie de “juba” (daí o nome) e cabeças arredondadas. Já os lobos possuem focinhos pontudos e orelhas proeminentes, ensina Kleber.
Ambas as espécies são mamíferos carnívoros e se alimentam basicamente de peixes. Comem dezenas de quilos por dia. Segundo Kleber, a presença desses animais nesses locais é como um selo de qualidade. “Esses animais são predadores de todo da cadeia e precisam de grandes quantidades de alimentos para viver. O fato deles estarem na nossa costa é um indicador da grande riqueza da biodiversidade dos nossos mares”, analisa o oceanólogo.
Embora possam ser encontrados durante todo o ano, a presença deles no litoral gaúcho é mais forte entre os meses de setembro e novembro. É nessa época que eles deixam as colônias reprodutivas nas ilhas do Uruguai em busca de comida, para não disputarem o alimento com as fêmeas e filhotes. No Rio Grande do Sul, descansam e só saem dos refúgios para pequenas migrações alimentares. De dezembro a fevereiro, eles retornam para se reproduzir e só permanecem os animais mais velhos, que não têm forças para a viagem.
A maior população de leões e lobos-marinhos se concentra nos molhes de São José do Norte. De acordo com o pesquisador do Nema, passa dos 100 exemplares em algumas épocas do ano. Destes, cerca de 95% são leões e apenas 5% lobos. Nem mesmo todo o barulho causado durante as obras de ampliação dos molhes, realizadas entre 2008 e 2011, fez com que os animais abandonassem o local de descanso eleito por eles há anos.
Desde 1988, o Nema mantém em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o projeto Mamíferos Marinhos do Litoral Sul, cujo principal objetivo é proteger e estudar as espécies que vivem nessa região. Foi através dos estudos desenvolvidos nesse projeto que os pesquisadores descobriram a maior ameaça aos leões e lobos-marinhos do Sul: as redes de pesca e os próprios pescadores.
Como se alimentam de várias espécies de peixes, alguns de grande valor comercial, leões e lobos passaram a disputar território com os pescadores. “Mais de uma centena de barcos usa redes nessa região e outra centena usa arrastos. Esses animais aprenderam a seguir as embarcações e a pegar peixes junto a essas redes. Aí surge o conflito”, conta Kleber.
De acordo com o pesquisador, cerca de 80 exemplares das espécies são encontrados anualmente feridos ou mortos na costa gaúcha. Alguns foram vitimados pelas redes, outros pelos próprios pescadores. Kleber diz que já houve registro de matança de leões, mas que atualmente a mortalidade desses animais tem sido muito mais acidental do que intencional devido ao trabalho de educação ambiental feito junto aos pescadores e à comunidade. A completa harmonia entre homens e animais não está distante, garante ele.
Fonte: G1