Olhos atentos ao mar, tomado por gigantes que anunciam sua chegada com borrifos de água para cima. No mês passado, a costa fluminense virou um verdadeiro corredor de passagem para as baleias-jubarte, que seguem em direção ao Banco dos Abrolhos, no litoral baiano, para procriar. No entanto, julho trouxe uma surpresa para a imensidão azul na capital do Rio: o nascimento do primeiro filhote em águas cariocas da temporada.
A novidade trouxe ânimo para os pesquisadores do Projeto Baleia Jubarte, que monitoram, estudam e preservam a espécie desde 1988. Na história, há somente o registro de um outro filhote nascido no Rio, no ano passado. À bordo da embarcação de expedição dessa sexta-feira (5), o pequeno recebeu até mesmo um nome de batismo: Bossa Nova!
“Foi muito inesperado, a gente sempre fica numa expectativa grande de quando veremos o primeiro filhote da temporada. Aí, hoje, aconteceu! É um filhote bem pequeno, bem clarinho, bem característico de um recém-nascido. Aqui [no Rio], é muito raro ver isso. Mas isso indica que o Rio de Janeiro tem boas condições para ter o nascimento dos filhotes. Claro que é um ambiente totalmente diferente do Banco dos Abrolhos, mas se os filhotes estão nascendo aqui, então a gente pode dizer que é uma área de reprodução também”, explicou a bióloga e pesquisadora Bianca Righi, de 31 anos.
Vindas da Antártica, todo ano as baleias-jubarte seguem rumo ao Nordeste em busca das águas quentinhas para se reproduzirem e terem os filhotes. Isso acontece, segundo os pesquisadores, já que os recém-nascidos precisam de temperaturas mais elevadas para conseguir sobreviver. Entre junho e agosto, elas conseguem ser vistas no Rio de Janeiro.
Projeto e preservação
No Brasil, as jubartes foram caçadas desde 1602, chegando a deixar o grupo próximo à extinção. Somente em 1987, quando a lei federal nº 7.643 proibiu a captura e o molestamento intencional de toda espécie de cetáceo em águas jurisdicionais brasileiras, foi dado o pontapé inicial para a conservação dos mamíferos. Hoje, estima-se que há em torno de 30 mil animais da espécie. As ‘gigantes do mar’ podem atingir até 16 metros de comprimento e pesar cerca de 40 toneladas
Esse número é motivo de celebração para Enrico Marcovaldi, 61, diretor do Projeto Baleia Jubarte. Ele começou a estudar os mamíferos em 1988, durante as atividades de implantação do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. O pesquisador, que é carioca e mora há 35 anos na Bahia, descobriu uma pequena população sobrevivente de baleias-jubarte no local.
“Na época, isso foi uma descoberta muito rara, porque as baleias-jubarte estavam praticamente extintas. A partir disso, criamos o projeto dentro do Parque Marinho dos Abrolhos. Nossa primeira estimativa populacional foi no princípio da década de 90, eram de 2 mil. Agora, o último senso que a gente fez, são mais de 30 mil baleias. Provando que a população se recuperou de verdade, ocupando antigas áreas de reprodução”, conta orgulhoso.
E o projeto, que começou há 30 anos atrás, só foi se expandindo. Em 1996 nasceu o Instituto Baleia Jubarte, que passou a contar com o patrocínio da Petrobras. A parceria dura até os dias atuais.
“A Petrobras, há décadas atrás, entendeu que era importante ter um programa de apoio à promoção da biodiversidade marinha, da natureza como um todo. Então, ela estruturou patrocínios e convênios de forma a identificar parceiros na sociedade civil que pudessem apresentar um projeto de conservação de forma que gerasse um impacto a longo prazo. O Baleia Jubarte é um dos nossos primeiros projetos, e a cada ciclo a gente vai construindo uma proposta de pesquisa, de forma a garantir a conservação da espécie e de todos os serviços ecossistêmicos que estão em volta desse animal”, detalha Gregório Araújo, 39, gerente de projetos ambientais da Petrobras.
Baleias no Rio
Enrico, apaixonado pelo Rio que se mudou para a Bahia anos atrás só para se aproximar e estudar os mamíferos, agora retorna à terra natal para entender uma nova movimentação dos animais, que estão cada vez mais presentes na costa fluminense.
“Como a população cresceu muito, hoje nós temos a base de Ilhabela (São Paulo), até o norte da Bahia. Não tem um cruzeiro igual ao outro, eu fico muito feliz com isso. A maior motivação que me levou à Bahia foram as ocorrências das baleias-jubarte. E depois de tantos anos, eu volto para a minha cidade natal e vejo as baleias aqui, isso me emociona muito, aquele sentimento de dever cumprido”, declara.
O projeto lidera uma expedição de pesquisa que parte da Marina da Glória, rumo a alto-mar, para estudar os animais que navegam pelas águas do Rio durante o período de migração. Do ponto de partida até conseguir avistar o primeiro grupo de baleias, são quase 13 milhas de distância, mais de 20 km.
E como os próprios pesquisadores da embarcação gostam de falar: cada dia há uma novidade. Na expedição desta sexta-feira (5), além do bebê carioquinha, eles também presenciaram uma baleia com a cauda diferente das demais, algo nunca visto antes.
“A região ventral da cauda das baleias-jubartes possui um padrão de coloração diferente entre cada indivíduo. Então isso é como se fosse a impressão digital da gente, permite que a gente separe e individualize cada baleia. Através do acompanhamento dessas fotografias, cada vez que elas são vistas novamente, eu consigo acompanhar por onde ela passou, se ela teve filhote, quando ela teve filhote”, explica Righi.
Os pesquisadores contam que as jubartes se alimentam exclusivamente de um crustáceo chamado krill. Esse alimento costuma ficar preso no gelo da Antártica. Durante o período migratório, os mamíferos chegam a ficar cinco meses sem se alimentar. Contudo, no ano passado, a expedição flagrou uma baleia se alimentando em Arraial do Cabo, na Região dos Lagos.
“Elas precisam migrar para essas áreas mais quentes para os filhotes sobreviverem. Aí, o interessante é que quando elas estão aqui, é uma área boa para se reproduzirem, mas por outro lado, não tem alimento. Elas ficam cinco meses sem se alimentar. Quando as jubartes estão na área de alimentação, comem muito, comem duas toneladas de krill por dia, e vão aumentando sua camada de gordura. A princípio, aqui, elas não se alimentam, mas no ano passado, uma se alimentou em Arraial do Cabo, de uns peixinhos bem pequenos”, detalha a bióloga.
Apreciação e cuidados
Entre saltos e borrifos, é impossível os olhares curiosos de quem consegue contemplar, não se apaixonarem pela beleza das gigantes baleias-jubarte. Mas, para apreciar é preciso saber esperar o momento certo e tomar todos os cuidados.
Barcos de turismo devem permanecer a menos de 100 metros de distância dos mamíferos. Além disso, perseguir, com o motor ligado, por mais de 30 minutos, também não é permitido. Mergulhar e nadar com os animais é outro detalhe proibido.
“É tipo um safári, você não sabe o que vai encontrar. Você sabe que você tá na temporada delas, você sabe que elas estão em uma região, mas tudo é uma loteria. Você não vai saber o que vai encontrar, quantas vão encontrar e o que elas vão fazer. Tudo é uma surpresa! Nenhum dia é igual ao outro. É o exercício da paciência, onde você menos espera, você vê elas e elas dão um show”, finaliza Marcovaldi.
Fonte: O Dia