Em noites tropicais, o coaxar dos anfíbios, grupo que inclui sapos, pererecas e rãs, compõe parte do som da floresta, uma sinfonia que sinaliza equilíbrio ecológico. Mas, a cada verão, esse coro tem se tornado menos sonoro.
Pequenos e muitas vezes esquecidos, os anfíbios são indicadores poderosos da saúde ambiental. Por causa da pele permeável e da fase de larva (girino) em algumas espécies, os anfíbios geralmente têm baixa tolerância à dessecação, radiação ultravioleta, poluição e elevação da temperatura.
O que os anfíbios revelam é alarmante: a degradação dos hábitats e as mudanças climáticas estão afetando profundamente as suas populações, reduzindo locais reprodutivos, alterando padrões de reprodução e levando diversas espécies à beira da extinção. Por isso, há uma crescente preocupação com o declínio dos anfíbios, um dos grupos mais ameaçados do planeta.
A Mata Atlântica é o bioma que abriga a maior diversidade de estratégias reprodutivas de anfíbios no mundo e contém uma das maiores concentrações de espécies endêmicas e ameaçadas desse grupo. Altamente vulneráveis, os anfíbios são ameaçados pela perda e fragmentação de habitats causadas pelo uso da terra, pelos impactos das mudanças climáticas e por doenças como a quitridiomicose. Segundo previsões, esses fatores devem causar a redução nas áreas de distribuição ou o desaparecimento de muitas espécies de anfíbios nas próximas décadas.
Mudanças no espaço e no tempo
Nosso grupo do Departamento de Ecologia (DECOL), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), junto a outros pesquisadores do Museu Nacional (MNRJ), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), tem se dedicado aos estudos dos anfíbios em áreas florestais brasileiras. Buscamos preencher lacunas críticas de conhecimento sobre a distribuição da biodiversidade, ao mesmo tempo em que investigamos e apontamos a necessidade de conservação dos habitats onde vivem esses organismos tão sensíveis à qualidade ambiental.
Recentemente, publicamos um estudo na revista científica Ecological Research, no qual avaliamos a diversidade taxonômica e funcional de anfíbios ao longo de um gradiente altitudinal na Serra dos Órgãos, no Estado do Rio de Janeiro. Esse tipo de estudo que aponta as mudanças da diversidade de anfíbios no espaço e no tempo é um campo de pesquisa que cresceu de forma exponencial nas últimas duas décadas, expandindo nossa compreensão sobre a diversidade das espécies em seus habitats ao longo do tempo.
O objetivo desse estudo foi compreender como a diversidade de anfíbios, tanto taxonômica quanto funcional, varia ao longo de um gradiente altitudinal em floresta tropical, fornecendo insights sobre os processos ecológicos que impulsionam tais mudanças.
As montanhas da Serra dos Órgãos
Nosso trabalho de campo incluiu a coleta de dados em uma área localizada na Serra dos Órgãos, que abriga um dos maiores remanescentes florestais da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro.
O trabalho foi realizado em duas unidades de conservação: a Reserva Ecológica de Guapiaçu (Regua) e o Parque Estadual dos Três Picos. O relevo da região é acidentado, e seu ponto mais alto atinge aproximadamente 2.360 m de altitude. O clima da região é quente e úmido, com precipitação anual entre 2.000 e 2.500 mm. Dados do WorldClim indicam que a temperatura média anual varia de 22°C aos 100 m de altitude até 14,4°C aos 1900 m de altitude.
A amostragem de anfíbios foi realizada em 14 pontos entre 100 e 1.900 m de altitude, com um esforço total de mil horas-pessoa de busca em 78 dias de trabalho de campo. Os animais foram detectados por meio de buscas visuais controladas por tempo de procura. As capturas foram realizadas sempre à noite, usando lanternas de cabeça.
Durante as buscas, cada observador caminhava lentamente, procurando cuidadosamente em todos os tipos de microhabitats potenciais para anfíbios, como: folhiço, que é o acúmulo de folhas no chão de uma mata; corpos d’água, como córregos e brejos; vegetação, incluindo bromélias e árvores; rochas; e troncos caídos no chão da floresta.
Este método de amostragem é reconhecido como o melhor para avaliar anfíbios em áreas da Mata Atlântica, pois permite uma busca minuciosa em quase todos os habitats disponíveis em cada local de estudo.
Importante ressaltar que a coleta foi feita após uma permissão de pesquisa previamente concedida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e por Nicholas Locke (Regua). Os espécimes coletados foram depositados na coleção de anfíbios do Museu Nacional (MNRJ), no Rio de Janeiro.
Neste estudo, registramos 2.720 indivíduos pertencentes a 63 espécies de anfíbios nas montanhas da Serra dos Órgãos. Cinco espécies compuseram quase 70% de todos os indivíduos. Houve uma diminuição significativa da diversidade taxonômica e funcional de anfíbios com o aumento da altitude. Nosso estudo também enfatiza que a distribuição das espécies de anfíbios é significativamente influenciada por fatores ambientais correlacionados com a altitude.
Nossos resultados destacam a importância das características das espécies para a compreensão dos padrões de distribuição de anfíbios ao longo de gradientes ambientais. Por exemplo, a riqueza de espécies que são restritas a riachos ao longo de todo o seu ciclo de vida diminui proporcionalmente com o aumento da elevação. Por outro lado, a proporção do número de espécies que possuem desenvolvimento direto (ou seja, dos ovos nascem pequenos sapinhos formados) é maior nos topos de montanha.
Ao todo, 84% das espécies de anfíbios registrados em nossos levantamentos são florestais, que normalmente apresentam exigências de habitat mais restritas em comparação com espécies generalistas, as quais podem viver em ambientes alterados por ação humana.
A elevada mudança da composição e das características das espécies enfatiza a importância da conservação de todo o habitat montanhoso, incluindo as maiores elevações, como os topos de montanha. No entanto, os estudos sobre as comunidades de anfíbios tropicais, especialmente espécies que vivem em áreas montanhosas, vulneráveis a impactos ambientais e climáticos, ainda são escassos, representando desafios para os esforços de conservação e manejo.
Nova espécie
Há três anos, em outro estudo, descrevemos uma nova espécie de anfíbio miniaturizado do gênero Brachycephalus proveniente também da Serra dos Órgãos, em uma altitude entre 970 e 1.200 metros acima do nível do mar. Os sapinhos desse gênero Brachycephalus são endêmicos da Mata Atlântica brasileira, onde habitam a serapilheira do solo da floresta. Espécies desse grupo são comumente conhecidas como sapos-pulga ou sapos-abóbora, dependendo de suas características fenotípicas, como tamanho do corpo e coloração da pele.
A nova espécie que descobrimos tem características morfológicas que lembram tanto os sapos-pulga quanto os sapos-abóbora, apresentando um corpo extremamente pequeno (cerca de 1 cm) e um dorso granular, com uma marca em forma de X, e uma fileira mediana de pequenos tubérculos amarelos, entre outras características.
Essa nova espécie, provavelmente, possui uma distribuição geográfica extremamente restrita, e sua descoberta reforça a importância das montanhas da Serra dos Órgãos para a conservação da biodiversidade de anfíbios da Mata Atlântica.
Com base em nossa hipótese filogenética molecular, a nova espécie aparece como espécie-irmã do clado formado pelos grupos monofiléticos Brachycephalus ephippium e Brachycephalus vertebralis.
Várias outras espécies de anfíbios foram descritas em estudos anteriores ou redescobertas na região da Serra dos Órgãos nas últimas duas décadas. Isso destaca a importância dessa região para a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica, especialmente no que diz respeito à sua fauna de anfíbios, uma das mais ricas do mundo.
A espécie que descobrimos foi batizada com o nome de Brachycephalus clarissae e é, aparentemente, mais uma espécie de montanha do gênero Brachycephalus com distribuição geográfica extremamente restrita, o que parece ser um padrão comum nesse gênero.
Este nosso estudo dá respaldo a uma pesquisa anterior que afirma que muitas espécies de anfíbios ainda permanecem desconhecidas no Brasil, considerando-se que o país abriga uma biodiversidade extraordinária, com muitas de suas regiões ainda pouco exploradas — inclusive aquelas mais estudadas, como a densamente povoada região Sudeste.
O financiamento desta pesquisa contou com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e a publicação deste artigo foi financiada pela Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Fonte: Terra