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EXCLUSÃO

Resistência e bullying: família luta por cardápio vegano em escola suas filhas e são desrespeitados 

“As meninas terminavam o almoço com fome", disse a mãe das crianças em um depoimento.

5 de março de 2025
Júlia Zanluchi
5 min. de leitura
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Noelia Estraviz, durante sua audiência no Parlamento Basco em defesa do cardápio vegano escolar. Foto: Infobae Espanha

No início de 2015, a filha mais velha de Noelia Estraviz descobriu a origem da carne que consumia diariamente. Aos quatro anos, a caçula decidiu que não queria mais comer animais, e sua mãe, que compartilhava da mesma sensibilidade, empenhou-se em respeitar a decisão das filhas. No entanto, a mudança exigia a colaboração da escola.

“Comuniquei que a criança não queria comer animais por compaixão, e a solução foi riscar todos os alimentos de origem animal do cardápio, mas sem preparar nada especial para ela”, relata Estraviz ao Infobae Espanha. Anos depois, a filha mais nova seguiu os passos da irmã, adotando também uma dieta vegana.

A família espanhola aceitou a solução inicial, mas logo percebeu que a dieta oferecida era insuficiente. “As meninas terminavam o almoço com fome. Nunca concordamos com isso, mas o cozinheiro se recusava a preparar algo diferente, e nós, pais, tínhamos que trabalhar e não podíamos levar comida de casa”, lamenta Noelia.

A diferença no cardápio acabou gerando episódios de bullying contra a filha mais velha. “Diziam a ela que faltariam vitaminas, proteínas, que ela iria morrer. Isso causou muita angústia na criança”, relembra a mãe.

Diante da situação, os pais pressionaram a escola para que oferecesse uma alternativa vegana adequada. Após uma reunião da Associação de Pais e Mestres (AMPA), a instituição concordou em fornecer um cardápio vegano. “Disseram que fazia sentido e que minhas filhas mereciam ter essa opção”, conta Estraviz.

No entanto, o compromisso durou pouco. “O cozinheiro fazia de má vontade. Alguns dias, não preparava nada; outros, servia apenas alface como substituto da proteína animal, sem valor nutricional equivalente. Raramente incluía legumes ou arroz”, relata.

Batalha judicial e bullying

Em 2021, após um longo impasse, Estraviz decidiu levar o caso às redes sociais e aos tribunais, acusando a escola de violar a Lei de Segurança Alimentar, que exige que os cardápios escolares sejam supervisionados por um nutricionista. “Como punição, retiraram o cardápio vegano no meio do ano letivo”, denuncia.

A batalha judicial teve um impacto profundo na família. “Tive que deixar de trabalhar para levar minhas filhas para almoçar em casa. No ano seguinte, como uma delas entrou no ensino médio e tinham horários diferentes, a mais velha passou o ano inteiro comendo em um tupperware no carro”, desabafa a mãe.

Enquanto isso, as meninas continuavam sofrendo bullying. Durante as atividades escolares, ouviam comentários como “vocês vão ficar sem vitaminas” ou gritos de “viva a matança de porcos” e “viva a carne”, claramente destinados a perturbá-las. “A escola tornou-se um ambiente inseguro para minhas filhas”, afirma Estraviz.

Mudança de escola e luta contínua

Finalmente, a família decidiu mudar as meninas para outra instituição, onde elas recebem um cardápio vegano adequado e não são alvo de insultos. No entanto, Noelia Estraviz decidiu continuar sua luta. “Quero seguir adiante porque acho injusto que essas táticas sejam válidas contra menores. Também quero evitar que outras crianças passem por isso”, declara.

Em 2019, ela fundou a associação Famílias Unidas por um Cardápio Vegano Escolar (FEUMVE), para apoiar outras famílias e promover a dieta vegana nas escolas espanholas.

Rejeição judicial e apelo ao Tribunal Supremo

As reivindicações de Estraviz foram rejeitadas duas vezes pela Justiça. A última decisão, da Audiência Provincial de Gipuzkoa, considerou que a escola, por ser privada, não é obrigada a oferecer um cardápio vegano ou seguir orientações nutricionais específicas, embora um documento da Conselharia de Saúde basca afirme que essa postura viola a Lei de Segurança Alimentar regional. “O relatório diz claramente que o valor nutricional da comida oferecida não foi considerado. O juiz tratou isso como um capricho de uma mãe”, critica Estraviz.

O tribunal argumentou que, apesar de não ser obrigada, a escola foi “colaborativa e compreensiva” com as solicitações da família e “se esforçou para oferecer um cardápio vegano”. Diante das dificuldades, a instituição permitiu que as meninas trouxessem comida de casa, mas sem reduzir a taxa do refeitório. Além disso, o tribunal não considerou que houvesse violação do direito à educação, pois o serviço de refeitório “não é uma atividade educativa protegida pela Constituição”.

Estraviz, no entanto, não desistiu. Ela planeja recorrer ao Tribunal Supremo, mas precisa de apoio financeiro para continuar a batalha. “Esse tipo de recurso é muito caro, e todo esse processo já me causou muitos prejuízos”, lamenta.

Reconhecimento do cardápio vegano na Espanha

Apesar das rejeições judiciais, o cardápio vegano começa a ganhar espaço na Espanha. Enquanto não há uma regulamentação nacional, duas comunidades autônomas — Catalunha e Comunidade Valenciana — já oferecem a opção em suas escolas.

Em 2018, a Generalitat Valenciana publicou um guia que recomenda alternativas nutricionais por “razões médicas, religiosas ou culturais”. Já a Catalunha, em 2020, emitiu um relatório apoiando a oferta de cardápios vegetarianos e veganos em escolas públicas e concertadas.

Organizações como a Associação Americana de Dietética defendem que dietas veganas bem planejadas são seguras e nutricionalmente adequadas para todas as fases da vida, incluindo infância e adolescência. No entanto, especialistas alertam para a necessidade de suplementação de nutrientes como vitamina B12, ômega-3 e cálcio, que podem ser deficientes nesse tipo de dieta.

Enquanto isso, a luta de Noelia Estraviz continua, não apenas por suas filhas, mas por todas as crianças que desejam uma alimentação alinhada com seus valores e necessidades.

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