Cientistas descobriram que substâncias presentes em medicamentos de uso humano, como o calmante clobazam, estão contaminando as águas e causando mudanças alarmantes no comportamento de peixes como o salmão-do-Atlântico. O fenômeno, apelidado de “’Psycho Salmon” (algo como ‘salmões alucinados’), levanta um alerta global sobre os riscos da poluição farmacêutica para a vida marinha e, indiretamente, para a saúde humana.
O clobazam, um ansiolítico amplamente utilizado para tratar crises de ansiedade e epilepsia, foi encontrado em níveis alarmantes no cérebro de peixes selvagens expostos em rios da Europa, segundo estudo publicado na revista Science na quarta-feira (10). A pesquisa revela que os jovens salmões migratórios se tornaram mais ‘ousados’ a tomar riscos e a se desagruprar — comportamento perigoso para a espécie, que depende da movimentação em cardumes (shoaling) para se proteger de predadores durante a travessia do rio para o mar.
“Vertebrados aquáticos, como os peixes, podem ser especialmente suscetíveis porque seus cérebros compartilham muitos dos mesmos mecanismos de ação que os dos mamíferos”, dizem os autores. E acrescentam: “Nossas descobertas sugerem que até mesmo traços mínimos de medicamentos no ambiente podem alterar o comportamento animal de formas que podem influenciar sua sobrevivência e sucesso na natureza”.
O mais assustador? O estudo aponta que mais de 1000 substâncias farmacêuticas já foram detectadas em ambientes aquáticos ao redor do mundo, incluindo regiões tão remotas quanto a Antártida.
Quando ingerimos medicamentos, o corpo humano não absorve toda a substância. O que sobra é eliminado pelo organismo e, eventualmente, despejado no esgoto. Como as estações de tratamento não são capazes de remover completamente esses compostos, os resíduos químicos acabam fluindo direto para rios, lagos e mares — onde permanecem ativos por longos períodos.
“Os medicamentos se acumulam na cadeia alimentar e podem atingir até animais terrestres que se alimentam de peixes contaminados. Os impactos podem ser muito mais profundos do que imaginamos”, diz Jack Brand, pesquisador da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas e coautor do estudo, ao lado de Michael Bertram, professor de Ecotoxicologia na mesma universidade.
Comportamento alterado e sobrevivência ameaçada
Embora os salmões expostos ao clobazam tenham conseguido completar a migração rio-mar mais rapidamente, eles estão ignorando seus mecanismos naturais de autopreservação, tornando-se presas fáceis no caminho, já que demonstraram perda de comportamento coletivo — um dos principais fatores de proteção contra predadores.
“É como se os peixes estivessem sedados o tempo todo”, explica Brand. “O risco não é apenas para os ecossistemas, mas também para os humanos que consomem essas espécies contaminadas.”
Segundo o pesquisador, embora a maioria dos estudos aponte que os resíduos farmacêuticos em frutos do mar aparecem em doses mínimas, já foram registrados casos em que os níveis de contaminação eram potencialmente perigosos para crianças ou adultos que consomem peixe com frequência.
A pesquisa busca alertar governos, indústrias farmacêuticas e cidadãos sobre necessidade de ações de controle, como mais investimentos em tecnologias de tratamento de água, campanhas de descarte consciente de medicamentos vencidos e políticas públicas que controlem o impacto ambiental desses compostos. O achado se soma a outras ameaças encontradas nas águas, como antidepressivos, analgésicos e hormônios, que também afetam o comportamento animal e o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos.
Fonte: Um Só Planeta