Tentando fugir do fogo que atinge o Pantanal nos últimos meses, vários animais se machucaram e muitos não sobreviveram. A cada dia as estatísticas aumentam e as equipes locais encontram indivíduos que precisam de resgate.
No total, o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ) já registrou mais de 2.25 milhões de hectares consumidos pelo fogo em todo Pantanal desde janeiro.
O Grupo de Resgate Técnico Animal Cerrado Pantanal (Gretap) já socorreu, apenas nesse ano, onze animais, sendo duas onças-pintadas, uma anta, cinco tamanduás, um tatu, dois veados e dois filhotes de gato-palheiro.
Outras instituições, como o Onçafari, também se dedicam a esse tipo de trabalho. No dia 4 de agosto, uma anta filhote foi resgatada em Miranda, no Mato Grosso do Sul, com queimaduras nas patas.
Melancia, a anta filhote.
“Estávamos transportando uma onça-pintada que conseguimos salvar do fogo sem nenhum ferimento, quando olhamos para o lado da estrada e vimos uma anta filhote, de cerca de 6 meses, deitada no único lugar um pouco mais úmido que tinha depois do fogo destruir tudo”, conta Mário Haberfeld, fundador do Onçafari.
De acordo com ele, uma pessoa da equipe ficou no local observando de longe para ver se a mãe aparecia, mas depois de duas horas nada aconteceu e a filhote não fazia nenhum tipo de barulho, comportamento que seria comum se tivesse outra anta por perto.
Quando a equipe decidiu se aproximar, conseguiu perceber que a filhote estava abatida, muito fraca e desidratada, além de ter as quatro patas queimadas. Ela foi apelidada de Melancia, porque filhotes de anta possuem pintas na pelagem, e não sobreviveria por muito mais tempo no local.
“Levamos ela para o nosso centro de reabilitação e no primeiro dia ficou muito assustada, mas logo no segundo começou a se soltar, comer bem e ficar em pé. Agora, estamos fazendo vários tratamentos nas patas, até com transplante de pele de tilápia e estamos confiantes na recuperação”, diz Mário.
A veterinária de resgate técnico animal Daniely Ayabe Curcio explica que o uso da pele de tilápia como alternativa para Xenoenxerto em animais que sofreram queimaduras é altamente viável, uma vez que é de fácil aplicação e manutenção, favorecendo o manejo das feridas.
“A pele de tilápia possui diversas propriedades que influenciam em uma recuperação local mais rápida, a adesão da pele na ferida proporciona uma barreira evitando uma contaminação externa. Dentre tantas qualidades, o preparo da pele de tilápia só pode ser realizada por profissionais capacitados, uma vez que ela também pode se tornar um problema, instalando na ferida patógenos que comprometem a ferida e saúde do animal”, Daniely Ayabe Curcio, médica veterinária.
Ainda não há previsão de soltura da Melancia, já que a anta é muito jovem para sobreviver sozinha na natureza, mas assim que estiver saudável, mais velha e apta a se virar, o animal voltará para o seu hábitat natural. Um dia depois do resgate da Melancia, a equipe do Onçafari encontrou uma onça-pintada na mesma região precisando de ajuda.
Itapira, a onça-pintada
Itapira é uma onça conhecida na região, já que é monitorada pelo Onçafari, em Miranda, MS, desde que nasceu, há um ano e meio.
“Ela é filha da Iza, que junto com a Fera, foram as primeiras onças-pintadas do mundo a serem reintroduzidas com sucesso, o que aconteceu há nove anos”, conta Mário.
Segundo ele, Itapira chamou a atenção dos pesquisadores, porque estava em uma manilha sem se mexer, em uma posição estranha. Os profissionais colocaram água perto, mas ela não saía da mesma posição.
“Esperamos um dia e resolvemos anestesiar e fazer o resgate. Ainda bem, porque as quatro patas estavam com queimaduras de segundo grau e ela tinha ferimentos bem graves, tanto que devido a complexidade do estado de saúde ela foi encaminhada para o Instituto de Preservação e Defesa de Felídeos da Fauna Silvestre do Brasil em Processo de Extinção (Nex)”, conta.
Depois de uma viagem de 22 horas, Itapira chegou no Instituto no Município de Corumbá de Goiás, em Goiás. Ela havia perdido sete quilos e não se alimentava há cinco dias.
“Estava muito desidratada e anêmica, com sinais de infecção. Entramos no mesmo dia com o nosso protocolo de cuidados específicos para queimaduras, dentre eles, a ozônioterapia e o organismo dela começou a responder de forma positiva já no segundo dia, quando ela voltou a se alimentar. A cada curativo (que acontece dia sim, dia não) os ferimentos estão melhores e o processo cicatricial das patas excelente”, relata a Daniela Gianni, coordenadora de projetos da Nex.
Ela comenta que o objetivo é conseguir recuperar as condições físicas totais da Itapira o mais breve possível para que ela possa voltar para o Pantanal.
Armandinho, o tamanduá-bandeira idoso
Outro animal resgatado foi um tamanduá-bandeira, também em Miranda, na última segunda-feira, 21, pelo Instituto Tamanduá. O indivíduo foi apelidado de Armandinho e levado para a sede da Ong em Aquidauana, no Mato Grosso do Sul.
Ele, que já tem por volta de 15 anos, foi encontrado com as quatro patas queimadas, mesmo semanas depois do último foco de incêndio na cidade.
“Armandinho é um tamanduá muito grande e forte, mas está muito magro pesando 27 quilos, quando devia pesar uns 35. As queimaduras causaram exposição óssea nos pés, mas estamos fazendo diversos tratamentos, inclusive, usando pele de tilápia nas patas para poder ajudar na cicatrização. A gente tem muita fé que ele vai ficar bem”, comenta a médica veterinária Flávia Miranda, presidente Fundadora do Instituto Tamanduá.
Ela explica que os tamanduás-bandeira são a espécie símbolo do PREVFOGO, que é a brigada de incêndio do Ibama, já que é o animal mais acometido pelas queimadas, porque possui um pelo muito grosso e inflamável.
“Não temos como mensurar ainda se as queimadas de 2020 afetaram mais ou menos animais que a de agora, mas em termos de resgate, nesse ano estamos resgatando mais e alguns infelizmente não sobreviveram”, finaliza Miranda.
Mapa do Fogo
Apesar do fogo no Pantanal ter dado uma trégua no final de semana por conta da mudança climática e a chegada de uma leve frente fria, nos próximos dias a situação volta a ficar extrema com o tempo novamente seco que aumenta as chances de novas queimadas, de acordo com Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ.
Os dados e mapas do fogo são divulgados constantemente pelo IBAMA no Plano de Ação do Incidente , que influencia diretamente no deslocamento e planejamento de diversos profissionais envolvidos no controle das queimadas.
“Ainda estamos nos períodos críticos, infelizmente até outubro é 100% de atenção e nós do GRETAP estaremos em alerta até dezembro. Junto com as equipes do IBAMA, estamos catalogando os resgates e os estragos do fogo, trabalhando 24 horas cobrindo as regiões afetadas”, diz a Prof. Dra. Paula Helena Santa Rita coordenadora operacional do GRETAP MS.
Fonte: G1