Os anos de 2023 e 2024 não foram apenas marcados por recordes históricos de temperatura, mas também por alarmantes consequências para o clima global. O projeto Com-ANTAR, parte integrante do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), divulgou recentemente um novo relatório que revela impactos significativos, resultantes do degelo marinho sem precedentes observado nos últimos dois anos.
Em 2023, a Antártica registrou a menor cobertura de gelo marinho desde o início da monitoração, em 1979, um marco alarmante. Já em 2024, o degelo continuou, com a segunda menor cobertura da história, sendo que durante o inverno, a extensão máxima de gelo não formado foi 1.414.000 km² menor que a média dos mínimos anuais entre 1981 e 2010.
Conforme a publicação, esse degelo equivale a uma perda de gelo marinho do tamanho somado da França, Alemanha e Espanha. No Ártico, a situação também foi crítica, com a cobertura mínima de gelo marinho em 2024 ficando 1.994.000 km² abaixo da média, superando o território combinado de sete países: Suécia, Portugal, Noruega, Polônia, Itália, Reino Unido e Grécia.
De acordo com o professor Ronaldo Christofoletti, coordenador do relatório e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo, o relatório reforça os riscos das mudanças climáticas. “Esses dados são um alerta para a saúde do planeta. Nos últimos dois anos tivemos, além dos recordes de degelo, recordes na temperatura do ar e na temperatura do oceano. Isso mostra como o impacto das mudanças do clima tem se tornado realidade e estas alterações são a base dos desastres ambientais que temos visto em todo o mundo e no Brasil, como o ocorrido com o Rio Grande do Sul ano passado e as chuvas intensas em vários estados neste verão.”
“O desbalanço da dinâmica do gelo e temperatura reflete no desbalanço da dinâmica climática no Brasil. Além dos impactos nas comunidades, também se relaciona com o impacto no agronegócio que depende de um ciclo mais estável de chuva.” Diante desse cenário, o professor ressaltou a importância do PROANTAR na produção de conhecimento científico essencial para a adaptação climática no Brasil.
Conforme Rodrigo Goldenberg Barbosa, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), os dados apresentados no relatório destacam ainda a interdependência entre o Brasil e a Antártica. “A redução do gelo marinho pode alterar padrões climáticos e amplificar esses fenômenos. Nesse contexto, o projeto RITMOS, integrante do Programa Antártico monitora esses rios atmosféricos, que também transportam o chamado ‘carbono negro’ para a Antártica. Esse material particulado, originado em queimadas, escurece a superfície do gelo, aumentando sua capacidade de absorver calor solar e acelerando o derretimento, com implicações significativas para o equilíbrio climático global.”
Leia o relatório aqui.
O programa
Criado em 1982, o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) promove pesquisas científicas na Antártica e garante ao Brasil a posição de Membro Consultivo do Tratado da Antártica desde 1983. O programa é coordenado por diversos ministérios e envolve a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM). Suas ações estão focadas em quatro pilares principais: ciência (liderada pelo MCTI e CNPq), preservação ambiental (MMA), logística (MD) e política externa (MRE).
O projeto Com-ANTAR, liderado pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), procura conectar a ciência à sociedade, popularizando os resultados do PROANTAR e promovendo a comunicação pública da ciência. Durante a Operação Antártica de janeiro de 2025, o projeto discute com outras iniciativas temas das pesquisas em andamento.
Entre os focos estão o monitoramento dos rios aéreos que chegam à Antártica, que já registram a presença de carbono proveniente de queimadas brasileiras, além de estudos sobre a biodiversidade de musgos e microrganismos que podem atuar como bioindicadores das mudanças climáticas.
Outros projetos em destaque incluem pesquisas sobre a formação dos solos na Antártica, com implicações para a melhoria dos solos no Brasil, e a avaliação dos organismos fotossintetizantes na água do mar, essenciais para a remoção do gás carbônico da atmosfera.
Fonte: Correio Braziliense