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Relativismo moral implica no dever de respeitar as culturas?

28 de outubro de 2014
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tourada

Em outra postagem, discutimos uma defesa comum do especismo que parte do relativismo moral. Oferecemos um argumento geral para se rejeitar o relativismo moral. Contudo, outras defesas do relativismo ficaram a ser discutidas. Esse artigo discute um argumento a favor do relativismo que chamarei de argumento da possibilidade do desrespeito. É um argumento muito comum nos debates, e diz o seguinte:
“Não devemos aceitar a ideia de que há verdade objetiva em ética, pois isso implica em haver justificativa para desrespeitar os indivíduos de outras sociedades, as outras culturas, as tradições, etc.. Se aceitarmos, por outro lado, a ideia de que não há verdade objetiva em ética, temos de reconhecer o dever de respeitar os membros de outras sociedades, as outras culturas, as tradições, etc. Logo, devemos aceitar o relativismo moral.”
Muitas vezes, a conclusão desse argumento é utilizada para apoiar uma defesa do especismo:
“Certo e errado são relativos à cada sociedade. Portanto, devemos respeitar a tradição de cada cultura. Já que toda e qualquer cultura usa os animais não humanos como recursos, não há, então, o dever de se respeitar os animais não humanos”.
Muitas vezes, os proponentes do argumento acima defendem que, se pensarmos que existe verdade objetiva em ética, então isso fará com que seja certo desrespeitar os indivíduos de outras sociedades, já que possuiriam crenças morais diferentes das nossas. Há pelo menos quatro problemas com esse argumento.
O primeiro, é que a questão sobre se existe ou não verdade objetiva em ética deve ser avaliada por seus próprios termos. Ou seja, do fato de que uma determinada teoria teria uma implicação desejada não mostra que essa teoria está correta, e o fato de que uma determinada teoria tem uma implicação que se deseja evitar não mostra que ela está errada. Então, mesmo que o relativismo moral tivesse a implicação desejada de haver um dever de respeitar membros de outras sociedades e o realismo moral tivesse a implicação indesejada de tornar correto desrespeitar esses membros, isso nada diz sobre se essas teorias são corretas ou incorretas.
O segundo problema é que, se existir verdade objetiva em ética, não necessariamente o código moral de nossa sociedade estará correto (aliás, muito provavelmente nenhum código, de nenhuma sociedade, estaria completamente correto). Assim sendo, se existir verdade objetiva em ética, muito provavelmente nós teremos de mudar muita coisa também. Assim sendo, não faz sentido afirmar que, se houver verdade objetiva em ética, então estaria correto fazer com que o mundo inteiro adotasse o código moral predominante em nossa sociedade (muito pelo contrário, provavelmente cada sociedade teria de mudar os seus respectivos códigos morais porque nenhum deles estaria perfeito).
O terceiro problema é que, do fato de haver justificativa para discordar das crenças de alguém (e, de se constatar que algumas crenças estariam simplesmente erradas se o realismo moral for verdadeiro) não segue daí que há justificativa para se desrespeitar o portador dessas crenças. Muitas pessoas tem receio de dizer que alguns códigos morais estão errados porque pensam que isso implica em haver justificativa para não considerar os interesses dos membros de tais sociedades. Isso é falso. Do dever de respeitar alguém não segue que temos de concordar com suas crenças, ou de que todas as crenças sejam igualmente corretas. E, vice-versa: do fato de haver justificativa para rejeitar como inadequadas as visões e argumentos morais de alguém não implica que haja justificativa para desrespeitar esse alguém.
O quarto problema, o principal, é que tal objeção assume que a ética é objetiva com vistas a defender o relativismo, o que a torna auto-refutante. Isso é perceptível quando se repara que a objeção assume que desrespeitar os indivíduos é uma coisa errada. Mas, como poderia ser errada, que todos tem o dever de acatar, se não houvesse verdade objetiva em ética? Suponha que houvesse uma sociedade que afirmasse que é certo desrespeitar os indivíduos de outras sociedades. Se o relativismo for verdadeiro, então seria certo que essa sociedade fizesse isso. Para se afirmar que isso não é correto, tem-se que assumir que há verdade objetiva em ética, independentemente do que as sociedades pensam.
O relativista poderia aqui objetar, afirmando que “a regra geral é que, dentro de cada sociedade, está valendo as regras estabelecidas nessa sociedade; entre as diferentes sociedade, vale a regra geral do respeito”. Mas, novamente, está-se a assumir aqui uma verdade moral objetiva, com vistas a sustentar o relativismo (o que é, novamente, auto-refutante). Se não houvesse verdade moral objetiva, por que existiria o dever das sociedades respeitarem-se entre si e por que haveria o dever de respeitar as normas vigentes dentro de uma sociedade? O dever de respeitar outras sociedades só faz sentido se a ética for objetiva e, portanto, não pode ser utilizado como argumento a favor do relativismo moral. O dever de respeitar as normas de uma sociedade só faz sentido se for falsa a ideia de que todas as visões morais são igualmente plausíveis (pois, do contrário, seria igualmente plausível desrespeitar tais normas).
Para haver uma boa razão para se reconhecer o dever de respeitar as normas vigentes em uma determinada sociedade, o que teria-se de provar, ao invés, são coisas muito diferentes: (1) que há uma verdade objetiva em ética; (2) que a verdade objetiva é que temos de respeitar as normas vigentes em cada sociedade. É possível que a primeira afirmação tenha boas razões para se aceita, e ainda assim, a segunda não. Para um argumento de que, mesmo havendo verdade objetiva em ética, temos razões para rejeitar a ideia de que devemos respeitar toda e qualquer norma vigente em cada sociedade, clique aqui. Já as razões para se rejeitar o especismo se encontram aqui e aqui.

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