Parece inacreditável mas é mesmo verdade: existe um regulamento da tauromaquia, aprovado na AR e publicado em Diário da República, que determina como devem ser torturados os touros nos vários espetáculos feitos a partir do seu sofrimento.
Foi recentemente aprovado, a pedido do lóbi tauromáquico e com forte apoio do CDS-PP, um novo Regulamento do Espetáculo Tauromáquico (RET). Parece inacreditável mas é mesmo verdade: existe um regulamento da tauromaquia, aprovado em Assembleia da República e publicado em Diário da República, que determina como devem ser torturados os touros nos vários espetáculos feitos a partir do seu sofrimento.
Desde que a ex-Ministra da Cultura Gabriela Canavilhas introduziu uma secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura que a tortura de touros é considerada uma forma de expressão cultural. Mas é uma forma de cultura especial, porque precisa de um regulamento. Não há um regulamento para o teatro, ou para a música ou para o cinema. Alguém imagina o absurdo de um inspetor da Inspeção Geral de Atividades Culturais interromper um concerto porque as notas tocadas não estão de acordo com um regulamento do espetáculo musical?
O RET existe porque os empresários tauromáquicos sabem que o seu negócio depende do seu enquadramento enquanto expressão cultural e património nacional para sobreviver. Sem este enquadramento, a tourada aparece imediatamente como o que é: um espetáculo baseado no sofrimento de um animal. Por isso os representantes da tourada têm lugar reservado no Conselho Nacional de Cultura, por isso tantas autarquias declararam a tourada património imaterial do município e por isso um novo regulamento é publicado em Diário da República.
Mas há outra novidade na aprovação deste regulamento. Na sua elaboração participaram, ao lado de representantes do negócio tauromáquico, representantes da Plataforma Basta de Touradas, um movimento criado no seguimento da reunião conseguida com Passos Coelho aquando da iniciativa governamental “O meu movimento”. Esta plataforma, que diz representar várias entidades de defesa dos animais sem nunca especificar quais, deu o seu aval a um regulamento que apresenta a tauromaquia como “parte integrante do património da cultura popular portuguesa”[1],conseguindo em troca uma alínea no regulamento que determina a obrigatoriedade de matar o touro num prazo máximo de cinco horas após a tourada [2].
Como é evidente, a estratégia da plataforma foi polémica entre ativistas anti-touradas, tal como foi polémica a sua participação no programa “Prós e Contras” dedicado à tourada, no qual se definiram como “reformistas” e expressaram a sua vontade de colaborar com o lóbi das touradas para “melhorar o bem-estar dos touros”. Curiosamente, a plataforma parece não compreender que a sua estratégia colaboracionista está em profunda contradição com o abolicionismo que dizem defender.
Quem quiser defender a aprovação do novo regulamento da tauromaquia pela plataforma poderá sempre argumentar que a luta se faz passo a passo e que não podemos ser extremistas e defender o “tudo ou nada”. Claro que sim, mas há que distinguir passos na direção certa e passos na direção errada. Acabar com os subsídios públicos às touradas com uma campanha baseada na defesa dos direitos dos animais, enfrentando o poder dos empresários tauromáquicos, seria um passo na direção certa. Colaborar com os empresários tauromáquicos para aprovar um regulamento que legitima a tauromaquia como património nacional é um passo na direção errada, porque enfraquece a causa anti-tourada e fortalece o lóbi da tauromaquia.
A aprovação de um regulamento que determina, com uma precisão própria de um psicopata, como se pode torturar um touro numa tourada, foi mais um momento negro para a causa anti-touradas. Que os empresários tauromáquicos se congratulem com o novo RET, dizendo que vai de encontro às suas “preocupações e necessidades”, mostra bem o que está em causa [3]
[1] Decreto-Lei n.º 89/2014, pode ser visto aqui.
[2] O comunicado pode ser visto aqui.
[3] “Novo Regulamento do Espetáculo Tauromáquico satisfaz setor”, pode ser visto aqui.
*Este artigo foi escrito, originalmente, em português europeu e foi mantida em seus padrões linguísticos e ortográficos, em respeito a nossos leitores.
Sobre o Autor:
Ricardo Coelho é economista, especializado em Economia Ecológica
Fonte: Esquerda