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AQUECIMENTO GLOBAL

Refúgios climáticos ganham força contra ondas de calor na Europa

De bibliotecas a parques e pátios escolares, Barcelona e Paris lideram políticas para proteger populações vulneráveis de temperaturas extremas; há também iniciativas na América Latina

19 de agosto de 2025
Priscila Carvalho
7 min. de leitura
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Entrada de local usado como refúgio climático em Barcelona. Foto: Priscila Carvalho

Sob uma temperatura de 35 ºC no fim da tarde, a recepcionista Ana Morazan, de 25 anos, tentava se abrigar em uma biblioteca no bairro de San Martin, em Barcelona, na Espanha. Diante da onda de calor que atinge a cidade e boa parte da Europa, as alternativas são lugares que oferecem conforto térmico e infraestrutura para se proteger.

O espaço é estratégico e faz parte das centenas de endereços espalhados pela cidade conhecidos como refúgios climáticos — pontos comunitários em áreas protegidas dos impactos gerados por eventos como enchentes, alagamentos, ondas de calor e deslizamentos. Embora seja uma das pioneiras na Europa, a capital da Catalunha não é a única a adotar a medida: cidades como Paris também já investem na iniciativa.

Barcelona iniciou o projeto na Espanha em 2019, com o objetivo de oferecer locais climatizados a 26 °C, com boa acessibilidade, áreas de descanso e pontos de água, destinados a reduzir a sensação térmica provocada pelo calor intenso e pela umidade. Segundo números oficiais, a expansão da rede tem sido constante: em 2020, a cidade contava com 70 refúgios; em 2021, o número subiu para 112; e, em 2023, chegou a 197. Atualmente, segundo a Prefeitura, já são 401. Um estudo feito pela Faculdade de Investigações Turísticas da Universidade de Alicante estima que a Espanha disponha atualmente de 2.122 refúgios climáticos em todo o território, ainda que não haja um registro oficial devido à falta de regulação dos espaços.

— Esses locais podem ser determinantes para salvar vidas e minimizar impactos à saúde de populações vulneráveis aos riscos climáticos — diz o arquiteto e urbanista André Turbay, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

Embora sejam bem sinalizados com placas e estejam listados no site da prefeitura, nem todos têm conhecimento sobre o que é ou como funciona um refúgio climático. A estudante Joana Larduet, de 24 anos, não sabia que a biblioteca, onde estuda inglês, era considerada um espaço para se abrigar.

— Não sabia que tinha um nome específico. Realmente, ao sair, sinto a diferença de temperatura.

Já Ana diz que descobriu a existência dos locais após o apagão de abril.

— Me dei conta depois de caminhar pelas ruas e ver placas informativas. Fui pesquisar e encontrei uma lista com um mapa mostrando cada refúgio e locais próximos de onde moro. Achei interessante porque em casa não tenho boa ventilação e se tenho algo [refúgio] perto, posso estar melhor.

Em Barcelona, o Plano Clima 2021-2030 prevê um investimento anual de € 360 milhões (R$ 2,2 bilhões) até 2030 para ações de adaptação ao clima, incluindo a criação de zonas de sombra, climatização de escolas e expansão da rede de refúgios climáticos.

Investimento europeu

Para o período entre 2021 e 2027, o programa Horizonte Europa, uma iniciativa de investigação científica da União Europeia (UE), destina 35% de seu orçamento total de € 95,5 bilhões (R$ 630 bilhões) a iniciativas ligadas ao clima. A verba é essencial em um momento em que uma nova onda de calor atinge países como PortugalGréciaItália e Espanha, causando mortes.

Em Paris, para enfrentar os efeitos causados pelas altas temperaturas, foi criado o programa “Oásis”, que transforma pátios escolares em espaços verdes acessíveis a grupos vulneráveis. Dez unidades-piloto orientam a expansão do projeto na cidade, que já enfrenta projeções de aumento na frequência e duração de temperaturas extremas.

Após as ondas de calor de 2017, a cidade desenvolveu uma série de iniciativas reconhecendo que diferentes áreas e grupos sociais apresentam fragilidades desiguais. A capital francesa criou um mapa interativo com centenas de “ilhas de frescor”, para que qualquer pessoa possa localizar rapidamente o ponto de resfriamento mais próximo.

Na Espanha, a distribuição dos refúgios climáticos varia por região. Em Barcelona, o programa Climate Shelters adaptou mais de 200 espaços públicos, garantindo que 98% da população tenha um refúgio a menos de 10 minutos de casa. O objetivo da prefeitura é que, até 2030, todos os moradores tenham um refúgio a até cinco minutos a pé, próximo a transportes públicos e centros comunitários.

Para Angélica Benatti Alvim, professora da FAU Mackenzie, a Europa não apenas abraçou a ideia, mas a tornou uma política pública urgente. A professora explica que a infraestrutura antiga de muitas cidades europeias, com edifícios projetados para reter calor, e a alta taxa de população idosa tornam o continente mais suscetível.

— O grande catalisador foram as crises recentes, como a onda de calor de 2022, que causou mais de 60 mil mortes no continente, levando cidades como Barcelona e Paris a agirem rapidamente e incorporarem os refúgios em seus planos climáticos.

Segundo Turbay, que também atua como coordenador pela PUC-PR do ClimateLabs, programa da UE para mitigação da mudança climática, outra questão importante é que os refúgios sejam centros comunitários e que contribuam para o pertencimento e senso de vizinhança local, pois, em muitos casos, a integração comunitária gera cuidado, especialmente com indivíduos mais suscetíveis como crianças e idosos. Mas o especialista avalia que a medida pode ser vista como paliativa.

— É importante observar que os refúgios são adaptações aos efeitos e riscos, porém não contribuem com a mitigação das causas da mudança climática — destaca ele, acrescentando que Barcelona e Paris são referenciais de planejamento urbano e de políticas climáticas.

Avanço na América Latina

Na América Latina, algumas cidades já apresentam experiências consolidadas. Medellín, na Colômbia, criou os “Corredores Verdes”, áreas arborizadas que reduziram a temperatura média em até 2°C. Santiago, no Chile, adaptou praças e parques com mais sombra e pontos de água para funcionarem como abrigos em dias de calor extremo.

O Brasil também começa a experimentar políticas de refúgio climático, ainda que em escala limitada. Em Belo Horizonte, a prefeitura criou, em 2024, um espaço no centro da cidade inspirado nas iniciativas europeias. Uma das principais metas do projeto é oferecer água potável gratuita à população, especialmente durante as altas temperaturas.

Segundo Alvim, no Brasil, o calor extremo é uma realidade cada vez mais intensa e frequente, mas a política ainda está em fase inicial e não tem uma escala nacional.

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