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INDEFESOS E FRÁGEIS

Refúgio na Jordânia acolhe animais que são vítimas de guerras e conflitos humanos

9 de setembro de 2023
5 min. de leitura
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Foto: Reprodução | Instagram @almawa.jordan

Em 2017, a história de uma das milhões de vidas traumatizadas pelo conflito mais mortífero deste século, a Guerra da Síria, ganhou algum destaque na imprensa internacional. Dana foi resgatada em Aleppo, cidade que virou símbolo da destruição ensandecida de Bashar al-Assad, e levada, através do território turco, até a Jordânia, onde poderia recomeçar a vida.

Pouco depois que chegou, Dana deu à luz. Foi uma surpresa para todos, porque seu estado de saúde era precário e os traumas que ela sofreu antes e durante a gravidez eram inimagináveis.

A ONG que acompanhou Dana ficou apreensiva, achando que ela poderia acabar comendo o recém-nascido. Sim, comer. Esqueci de mencionar: Dana é uma leoa.

O comboio que transportou Dana levou também quatro leões, dois ursos e dois tigres. Era uma iniciativa da ONG austríaca Four Paws, parceira da Fundação Princesa Alia na reserva natural para vida selvagem Al Ma’wa (“abrigo”, em árabe), um refúgio criado na Jordânia para animais resgatados de zonas de guerra ou de traficantes.

À época, os representantes da Four Paws disseram à imprensa que o estresse da gravidez pudesse fazer com que Dana não aceitasse o filhote. “Felizmente, não foi o caso. Ela o limpou, cuidou dele, o que é um sinal claro de que ela se sente segura em Al Ma’wa.”

O projeto tem duas frentes. Uma clínica veterinária na capital jordaniana, Amã, e a reserva, na região de Jerash. A clínica, chamada New Hope, é uma unidade de quarentena e reabilitação para animais resgatados. Quando eles não podem ser enviados a seus países de origem ou liberados na natureza, ganham um novo lar em Al Ma’wa.

Foto: Reprodução | Instagram @almawa.jordan

Com 110 hectares, esse refúgio nas montanhas do nordeste da Jordânia é um dos últimos remanescentes da floresta mediterrânea no país. Pinheiros, azinheiras e medronheiros (arbusto cujo fruto parece um morango) são espécies comuns.

Não é uma área muito vasta, mas o suficiente para abrigar 70 grandes animais, que demandam espaço, como 24 leões-africanos, oito ursos-siríacos, oito lobos, dois ursos-negros-asiáticos, dois tigres-de-bengala, duas hienas-riscadas e uma hiena-malhada. Desde 2011, o santuário já abrigou cerca de 50 espécies diferentes, de guepardos a pítons-birmanesas, de crocodilos-do-nilo a babuínos.

O início

A visita de um circo egípcio à Jordânia, em 2009, foi a fagulha para a criação de Al Ma’wa. A princesa Alia Hussein, filha mais velha do lendário Hussein, o rei da Jordânia durante toda a metade do século 20, ficou abismada com os maus tratos reservados aos animais. Um filhote de leão, por exemplo, teve as garras arrancadas (depois ela descobriria que as licenças do circo eram falsificadas).

Por meio de sua fundação, a princesa se aliou à Four Paws, que atua em dez países em prol dos direitos animais. Em 2010, a clínica recebeu o primeiro paciente, uma hiena resgatada de um zoológico local.

Hoje, dos 70 habitantes permanentes da reserva, a maioria (32) veio de transações ilegais: nasceram em cativeiro e foram vendidas como bichos de estimação ou são animais nativos mantidos sem autorização (um dos lobos foi pego interceptado em uma transação no Facebook). Dezesseis vieram de zoológicos ou coleções privadas e seis foram confiscados na fronteira ou descobertos dentro do país em ações contra o tráfico animal.

Já os animais resgatados de zonas de guerra são 16. Alguns, como a leoa Dana, vieram do parque Magic World, em Aleppo. Outros, do Khan Younis, em Gaza, às vezes chamado de “pior zoológico do mundo”. Sem água, energia, comida nem profissionais capacitados (ou com o mínimo de condições para trabalhar), esses parques, como é de se imaginar, são infernais.

Scooter, uma tartaruga resgatada em Gaza, ficou paralisada por causa de uma doença musculoesquelética. Após oito meses de tratamento na Jordânia, o que incluiu hidroterapia e uma dieta específica de vitaminas, ela voltou a se mexer, com o auxílio de um skate.

O jordaniano Muhammed Muheisen, um premiado fotojornalista da “National Geographic”, frequenta há anos o santuário, acompanhando o desenvolvimento de alguns bichos, como Scooter.

Eu observo os animais deixados para trás, vítimas de conflitos que nada têm a ver com eles. Se eles não tivessem sido resgatados, provavelmente morreriam em bombardeios, fogo cruzado ou de fome

Além de estropiada, faminta e traumatizada, a maioria dos animais chega a Al Ma’wa sem nenhum histórico médico, o que complica ainda mais o trabalho dos veterinários. Dana, por exemplo, descrita no site do santuário como uma leoa calma e inteligente, não foi mantida junto de outros leões logo que chegou. É um procedimento comum quando não se tem informações da alcateia da qual o leão fazia parte.

Diferentemente de outros felinos, leões vivem em grupos sociais. Com o tempo, Dana criou vínculos e hoje forma um grupo com Kahraba e Halab, que chegaram em momentos e contextos distintos.

Mas não só de boas notícias vive Al Ma’wa. Afinal ele é um refúgio para animais que foram vítimas de abusos, não um cenário de animação infantil. Em setembro de 2017, semanas após a chegada de Dana, a Four Paws informou que Hajar, seu filhote, morreu.

Dadas as circunstâncias traumáticas na Síria e as mudanças pelas quais ela passou nos últimos meses, foi um milagre que Dana tenha cuidado imediatamente de Hajar. Estávamos confiantes de que o filhote sobreviveria, embora seu estado de saúde fosse preocupante. Infelizmente, a condição de Hajar piorou nos últimos três dias.

Quando a equipe veterinária do Al Ma’wa notou que Dana havia parado de cuidar de Hajar, ela decidiu afastá-lo da mãe e prestar-lhe cuidados médicos. Infelizmente, esses esforços não foram o suficiente. Hoje cedo, Hajar fechou os olhos para sempre.

Triste, mas faz parte, diria o filósofo. O importante é que a mensagem de Al Ma’wa está sendo levada adiante. Este ano, o Egito, o mesmo país de onde saiu o circo clandestino cujos maus tratos aos bichos instigou a princesa Alia, anunciou que irá construir uma reserva nos moldes da jordaniana.

Dá para visitar?

A reserva fica a apenas 10 quilômetros de Jerash, cidade onde ficam talvez as ruínas romanas mais espetaculares do Oriente Médio.

A visita dura cerca de uma hora e, em grupos menores de 20 pessoas, não é preciso agendar. Mais informações em: https://www.almawajordan.org/about-us/.

Fonte: UOL

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