A tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) Tunga, resgatada aos três meses de vida, agora é um animal livre e reintegrado à natureza. Foi uma longa jornada para o mamífero que foi encontrado em maio de 2021, ainda filhote e sem a mãe, às margens da rodovia federal 359, na altura de Coxim (MS). Inicialmente levada para o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS), na capital do estado, onde recebeu o primeiro atendimento, Tunga foi transferida para o Instituto Tamanduá, na base mantida pela instituição no Pantanal, a 195 km de Campo Grande.
“Ela sempre foi a maior do grupo e na fase de adaptação, em que ainda estava em cativeiro, aprontava bastante. Tentava abrir os portões e destruía todos os potes de comida. Apesar de muito corajosa, no momento de ser colocada em liberdade, demorou para sair do recinto. Foram duas tentativas que não deram certo. Na terceira, optamos por deixar a porta aberta durante a noite, monitorada por uma câmera trap. Aí sim, ela saiu e nunca mais voltou”, conta Flávia Miranda, presidente do Instituto Tamanduá.
De todos os tamanduás mantidos pela entidade, Tunga foi a única que não precisou retornar para cuidados adicionais.
“Seis meses após sua soltura, ela precisou ser suplementada de forma intensiva em campo por causa de um quadro de emagrecimento e prostração sem motivo aparente. Mas se recuperou plenamente e logo em seguida foi vista brigando com outros tamanduás, sempre se comportando de forma imponente frente a qualquer desafio”, explica.
O maior desafio aconteceu no meio de 2024, quando metade da área onde habitava foi queimada pelo fogo. Ela escapou ilesa, mas com o habitat destruído pelas chamas e, consequentemente, com poucos recursos de alimentação, foi necessário suplementar a alimentação em campo. Até que a chuva trouxe os primeiros sinais de recuperação da área.
“Em dezembro de 2024, retiramos o colete, marcando o fim do monitoramento e o sucesso da reintrodução. Um dos dados que observamos é que a Tunga estabeleceu território de forma muito rápida. Ou seja, depois de um tempo que o animal é solto, ele escolhe uma área específica onde vai circular durante a vida, que pode variar de 9 km² a 25 km². E ela foi muito ágil nesse processo”, avalia.
Para a Proteção Animal Mundial, que mantém parceria com o Instituto Tamanduá, Tunga é mais um caso de sucesso de refaunação, a exemplo da onça-pintada, Xamã.
“A refaunação é o movimento inverso da defaunação e busca reestabelecer as populações de animais silvestres em vida livre, permitindo a recuperação da biodiversidade. Grandes aliados nesse processo são a restauração ambiental e a reabilitação e reintrodução de animais silvestres, que, após cuidados especializados, podem retornar à natureza e contribuir para o equilíbrio dos ecossistemas”, explica Rodrigo Gerhardt, gerente de vida silvestre da Proteção Animal Mundial.
Gerhardt chama a atenção que a história de Tunga é um reflexo sobre o impacto negativo do agronegócio na fauna silvestre.
“São vários os pontos que mostram essa correlação. O local onde ela foi encontrada, ainda filhote e separada da mãe, foi às margens de uma rodovia que se conecta à BR-163. Essa estrada que vai até o Pará foi tema do documentário “BR 163 – Progresso para quem?”, produzido também pela Proteção Animal Mundial por conta do imenso impacto ambiental decorrente do escoamento da produção agrícola, que vem dizimando animais e afetando seriamente comunidades locais”, destaca.
Outra situação enfrentada pelo tamanduá são as queimadas. Depois que o animal é resgatado do fogo pela equipe técnica e é reintroduzido à vida livre novamente, ele passa por mais um desafio que é ver o seu território queimado, o que pode induzi-lo à chamada fome cinzenta, pela falta de oferta de alimentos. “As queimadas são usadas para limpar e expandir o terreno rapidamente, seja para renovação de pastagens seja para o plantio de grãos, a exemplo de milho e soja, usados na fabricação de ração para animais criados no sistema de agricultura industrial”, explica.
Por último, Gerhardt chama a atenção para a necessidade da aprovação do projeto de lei 466/2015 – que precisa voltar a tramitar na Câmara dos Deputados – que trata da criação de passagens de fauna em rodovias.
“Não sabemos o que houve com a mãe da Tunga, mas ela pode ter sido atropelada ou ter se perdido da filha na travessia da rodovia. Por isso, é essencial que esse projeto seja aprovado. Nos Estados Unidos, as rodovias que foram adaptadas reduziram em até 90% o número de casos de atropelamentos por meio de melhorias na infraestrutura. É possível replicar no Brasil”, afirma Rodrigo.