Enquanto o Brasil começava a conhecer alguns de seus novos governantes na noite deste domingo, 7 de outubro, na Coreia do Sul, uma reunião com cientistas e autoridades de diversos países ligadas à ONU divulgou notícias que dizem respeito a todos os brasileiros, e demais habitantes do planeta, embora poucos se deem conta.
O Acordo de Paris, assinado em 2015 na Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, traçou os objetivos a serem atingidos pelas nações para evitar que o aquecimento global chegue ao final do século abaixo dos 2°C, com uma meta ideal de 1,5°C.
Em seguida, encomendou ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) um estudo que colocasse em números o desafio de atingir a meta, e as possíveis consequências de não fazê-lo. São milhares de cientistas trabalhando de forma colaborativa, analisando os mesmos conjuntos de dados e estudos, para chegar a um consenso. Um trabalho de anos para chegar aos resultados divulgados na manhã coreana, e eles não são muito animadores.
“Uma das principais mensagens que saem deste relatório é que já estamos vendo as consequências de 1°C de aquecimento global através de condições climáticas mais extremas, aumento do nível do mar e diminuição do gelo do Ártico, entre outras mudanças”, disse Panmao Zhai, co-presidente do Grupo de Trabalho do IPCC I.
Vamos começar pelas boas notícias: é possível atingir a meta. Se começarmos a reduzir drasticamente a emissão de dióxido de carbono, o CO2, até zerar por volta de 2050, e de outros gases, como metano, talvez consigamos impedir que a temperatura global ultrapasse 1,5°C. Mas quando reduzir drasticamente não é força de expressão. Com 45% do corte já até 2030.
O problema é que estamos muito aquém do necessário. Se as emissões continuarem do jeito que estão, chegaremos a 1,5°C em 2040. Mesmo se atingidos os objetivos das nações individualmente com o Acordo de Paris, que no caso do Brasil é de reduzir 37% das emissões de carbono até 2025 e “possível” redução de 43% até 2030, chegamos ao ano 2100 acima dos 3°C.
Com o aquecimento limitado em 1,5°C, o impacto será principalmente sentido pelas populações mais pobres. A agricultura perde produtividade, acarretando aumento dos preços dos alimentos, insegurança alimentar e fome. Fortes ondas de calor e inundações costeiras podem obrigar deslocamentos de populações. Mais de 100 milhões de pessoas podem entrar para a pobreza. O número de pessoas subnutridas no mundo poderia ser de 25 milhões a menos até o final do século do que sob o aquecimento de 2°C.
“Todo aquecimento importa, especialmente a partir de 1,5°C. Aumenta o risco associado a mudanças duradouras ou irreversíveis, como a perda de alguns ecossistemas”, disse Hans-Otto Pörtner, copresidente do IPCC – grupo de trabalho II.
Problemas graves, mas que são possíveis de contornar. Basta que a humanidade queira. Mas, se chegar a 2°C, aí não vai ter muito o se que fazer. Países que são compostos por pequenas ilhas, como Tuvalu e Kiribati, vão desaparecer. A maioria das ondas de calor vai provocar sérios impactos à sociedade, com mortes, incêndios florestais e perdas de produção. Em países tropicais, como o Brasil, ondas de calor vão ocupar pelo menos metade do verão.
Poluição
Limitar a elevação da temperatura a 1,5°C, em comparação com os 2°C, pode prevenir cerca de 153 milhões de mortes prematuras por poluição do ar em todo o mundo até 2100 – cerca de 40% das mortes nos próximos 40 anos. Esse é um benefício tão grande que, em termos econômicos, pode até ser maior do que o custo total de reduzir as emissões de carbono na maioria dos principais países emissores.
À medida que as temperaturas sobem, as áreas protegidas começam a desaparecer. Em 2°C, 25% das 80.000 espécies de plantas e animais nas áreas mais ricas do mundo, como a Amazônia e Galápagos, podem enfrentar a extinção local até o final do século. Temperaturas de aquecimento podem afetar o comportamento de insetos e animais, causando um efeito cascata que afeta ecossistemas inteiros.
Sendo isso só uma pequena parte de uma longa lista de consequências que não deixam ninguém ileso. É preciso mudar, e agora, recomenda o IPCC. “Limitar o aquecimento a 1,5°C é possível dentro das leis da química e da física, mas isso exige mudanças sem precedentes”, disse Jim Skea, copresidente do IPCC – grupo de trabalho III.
Para começar, o uso de combustível fóssil deve cair rapidamente. Principalmente o carvão, que deve ser quase totalmente eliminado por volta de 2040. O uso de petróleo também precisa cair ao longo do século.
Alcançar o 1,5 °C será muito mais fácil, mais barato e menos prejudicial se os governos tomarem medidas imediatas para mudar para energia limpa. O investimento contínuo em usinas de combustível fóssil significaria que futuros cortes teriam que ser mais drásticos. Se a energia eólica e solar continuar crescendo entre 25% e 30% por ano até 2030, então pode começar a crescer mais devagar, de 4% a 5%. Assim, o setor de energia elétrica estaria completamente descarbonizado na metade do século.
A indústria, diretamente responsável por 21% das emissões globais, deve encontrar meios de cortar suas emissões até 2050, e o transporte tem de passar a ser elétrico. Se cerca de 70% dos veículos forem elétricos até 2050, as emissões globais anuais de dióxido de carbonocairiam para o equivalente a cerca de 8% das emissões totais atuais. Mas isso não basta. É preciso planejamento urbano, de modo que diversas formas de transporte, como caminhada, bicicleta, trem, bonde, ônibus, se integrem para atender de forma fácil o cidadão, além de políticas públicas que desestimulem o uso do carro.
No prato
Nossa comida também precisa mudar. O que as pessoas comem é um fator importante que determina o estado da floresta e dos solos. A produção de carne, frutos do mar, ovos e laticínios é responsável por quase 60% das emissões relacionadas aos alimentos, apesar de contribuir com apenas 37% de proteína e 18% de calorias.
Quanto mais carne, peixe, laticínios e ovos as pessoas comem, mais difícil será limitar o aquecimento a 1,5°C. Mudar o hábito de comer mais de 100 gramas de carne por dia para comer menos de 50 gramas pode reduzir as emissões da comida de uma pessoa em 35%. Mudar para uma dieta vegetariana poderia reduzir as emissões em 47%, e mudar para uma dieta vegana poderia reduzir as emissões em 60%.
Florestas
Proteger os ecossistemas e prevenir a destruição de florestas são formas importantes de reduzir as emissões de carbono. O desmatamento deve ser zerado. Como as árvores e plantas absorvem CO2, o plantio florestal em grande escala e a restauração de ecossistemas danificados, como pântanos e mangues, também são métodos potencialmente significativos de remover carbono da atmosfera e também trazem muitos benefícios, incluindo filtração melhorada de água, proteção contra inundações, saúde do solo e habitat da biodiversidade.
Atualmente o solo libera mais gases de efeito estufa do que absorve, sendo responsável por cerca de 24% das emissões. Alguns cientistas sugeriram que esse processo, chamado de “Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono” (BECCS), poderia ser uma forma relativamente barata de remover o carbono da atmosfera. Mas a tecnologia ainda está em fase de testes e o uso da BECCS em larga escala pode ter sérias conseqüências para o uso da terra e da água doce, a biodiversidade e o funcionamento dos sistemas naturais.
Passando por diversos aspectos das nossas vidas, o relatório IPCC tem o objetivo de servir de base para que governantes e idealizadores de políticas públicas pelo planeta construam uma sociedade que vá de encontro a uma economia de carbono neutro. Uma medida urgente e inadiável, embora pensar nisso seja difícil na noite em que o candidato à Presidência da República mais votado do primeiro turno das eleições, com mais de 49 milhões de votos, Jair Bolsonaro (PSL), declara abertamente sua intenção de acabar com o Ministério do Meio Ambiente, fazendo uma fusão com o Ministério da Agricultura.
Fonte: Revista Galileu