A recuperação da população de peixes no Rio Piracicaba após a mortandade registrada nos últimos dias, depois de uma descarga irregular na água, pode demorar até nove anos para acontecer, o que equivale a três gerações de animais.
A estimativa foi feita pelo analista ambiental, Antonio Fernando Bruni Lucas, em entrevista à EPTV, afiliada da TV Globo.
O especialista também comentou a possibilidade de “sequestro” de oxigênio pelo poluente, as perspectivas sobre a recuperação da qualidade da água e elencou medidas que podem ser adotadas para evitar descargas irregulares no rio. Confira a entrevista abaixo:
EPTV: O que pode ter acontecido para ter essa quantidade de peixes mortos?
Antonio Fernando Bruni Lucas: O Rio Piracicaba tem uma bacia que tem muita atividade antrópica. Você tem indústria, você tem usina, você tem agro, você tem uso doméstico, usos múltiplos da água. […] Quando você tem algo que despeja algum dejeto, algum produto dentro da água, principalmente nessa época do ano onde o volume tá menor devido à escassez de chuva, você aumenta o potencial desse poluente.
Poluente você pode ter como parte produtos químicos ou orgânicos também. Muitas vezes, o vinhoto é um produtor orgânico que traz a diminuição do oxigênio dissolvido da água […], que entra no processo de respiração de peixes e outros organismos.
O relatório da Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo] é que vai poder dizer qual foi o produto. Pelo que nós vimos aí, inclusive por reportagens, provavelmente foi de uma uma usina. Se foi isso mesmo, provavelmente, vai ser matéria orgânica. Essa matéria orgânica é através de lavagem, muitas vezes, de equipamentos, e foi para dentro do rio.
Caiu dentro do rio essa matéria orgânica e foi um ”input” muito grande para o espaço ali do rio aonde começou a cair. E quando cai essa matéria orgânica, ela precisa se degradar, ela precisa se mineralizar. Então, ela vai começar a se degradar consumindo o oxigênio da água e ela vai concorrer com os peixes.
Qual seria o procedimento correto para não despejar no rio?
Eu não tenho o laudo da Cetesb e eu não conheço a a usina que possivelmente a promoveu esse evento. […] Se for o caso de matéria orgânica indo para o ambiente, fazer tanques de decantação, aeração, utilizar esse subproduto da lavagem na própria propriedade como fertilizante, se for possível.
Quando é um outro evento terá que ter filtros, situação que irá eliminar a possibilidade de lançar esse produto no meio ambiente.
Quanto tempo, em médio, o rio pode moderar para se recuperar?
Recuperar o rio nós estamos falando em qualidade de água e nós estamos falando também em saúde de peixes, e de microrganismos.
Qualidade de água, às vezes, é mais rápido porque você pode, se tiver alguma PCH [pequena central hidrelétrica] ou alguma hidrelétrica próxima, você pode abrir comportas e fazer com que o nível do rio aumente, você vai diluir esse produto. Diluindo esse produto vai cair a carga poluente dele.
Recuperação de estoques [de peixes] é uma preocupação maior porque, pelas imagens que eu vi, eram peixes adultos. Agora, nessa época do ano daqui, os peixes estão começando a desenvolver as gônadas para reproduzir no final do ano. Deve estar no estágio 2 ou 3 do desenvolvimento gonadal.
Nós vimos que tem cascudo, mandi, piapara, curimbatá, dourado. Esses peixes daí não vão mais reproduzir, morreram. Vai ter reprodução? Provavelmente vai ter reprodução sim, porque existem outros cardumes. Não matou o rio todo, não houve essa mortalidade no rio todo, mas dentro daquela faixa perdemos uma população. Essa população ia contribuir com a reprodução desse ano.
Então, essa população não contribuindo, vai fazer com que diminua os estoques. Uma nova população, para chegar, depende mais ou menos de três anos para se tornar fértil, para se tornar adulta. E, para recomposição do estoque, a gente calcula mais ou menos algo em torno de três gerações, de sete a nove anos, mais ou menos, dependendo das espécies.
[…] Existe uma tese de fazer recomposição de estoques. É uma situação extrema. Quando você não tem mais nada, aí você vai fazer o repovoamento. Eu entendo que a melhor forma é a recuperação natural. Tem estoques naturais que vão desovar, que vão fazer todo o ciclo normal de vida. Eu entendo que seja a melhor forma. Isso daí [recuperação natural] garante uma diversidade muito maior para aquele sistema.
Tivemos uma série de mortandades, em 2014, 2018, 2019, 2022 e em janeiro deste ano. Essa recorrência pode acabar com alguma espécie do rio?
Sim, porque está sendo recorrente. Então, aquela população não conseguiu nem se recuperar e já vem uma outra situação que faz o declínio daquela população. Eventos sucessivos assim trazem um potencial para perda de populações.
Então, tem que tomar muito cuidado. Precisa ter medidas que evitem esse tipo de coisas. E hoje tem tecnologia para tudo. Existe essa possibilidade. Precisa ter essa vontade de fazer essa tecnologia estar implementada para evitar esse mal maior.
O que pode ser feito pelos órgãos responsáveis?
Fiscalizações recorrentes. Mas também entendo que também precisa ter um lado educativo, orientador. Isso é muito importante, também, porque muitas vezes acontece só multa, multa, multa. Eu acho que precisa ter fiscalização, multar mesmo caso seja necessário, mas orientação também.
Cetesb e MP apuram
A Prefeitura de Piracicaba afirmou, nesta quarta-feira (10), que acionou o Ministério Público (MP-SP) para investigar a mortandade dos peixes. O MP informou que vai apurar o caso.
A administração municipal disse ainda que fará a retirada dos milhares de animais mortos das margens do rio, a partir desta quarta-feira, em ação conjunta com Polícia Ambiental, acompanhados da Cetesb e do Comitê PCJ.
A substância atingiu área de 42 quilômetros de extensão, entre o local do lançamento no ribeirão até o leito do Rio Piracicaba, na região da Rua do Porto.
Segundo a Cetesb, as mortes ocorreram após despejo irregular de resíduos agroindustriais pela Usina São José, em Rio das Pedras (SP). A companhia também investiga o caso e adiantou que, pelo crime ambiental, é prevista multa no valor de até R$ 50 milhões aos responsáveis.
A EPTV e o g1 procuraram a Usina São José S/A Açúcar e Álcool e aguardam posicionamento sobre o caso.