O gato-palheiro-pampeano (Leopardus munoai) é como uma entidade, sendo considerado um “fantasma dos pampas“. Essa aura enigmática do animal, no entanto, se dá por sua condição de espécie criticamente ameaçada de extinção, com uma população estimada em apenas 250 indivíduos adultos na natureza.
Espécie endêmica do bioma gaúcho, o felino foi registrado com vida apenas sete vezes até hoje, sendo a última delas em agosto de 2022, na vinícola da Família Salton, em Santana do Livramento (RS). A cena incomum foi captada pelos fotógrafos de vida selvagem e educadores ambientais Gustavo Arruda e Gustavo Fonseca.
A dupla avistou o animal enquanto realizava um trabalho de registro das espécies que habitam as parreiras das vinícolas Salton. “Sabíamos que estávamos indo para um dos centros de possibilidade de vê-lo, mas estávamos desacreditados. Era realmente uma agulha no palheiro”, lembra Fonseca, em entrevista a GALILEU.
Habitat reduzido
O gato-palheiro-pampeano é uma das espécies do gênero Leopardus, que ocorre desde o norte do Chile até o sul da Patagônia, passando pelo Rio Grande do Sul. Foi apenas em 2020, após pesquisas genéticas evidenciando diferenças dentro dessa população, que o grupo foi separado em cinco espécies, sendo uma delas o Leopardus munoai.
O pampa é uma área de grande atividade agrícola, o que tem afetado o habitat desses animais, sobretudo nas lavouras de soja. “Não é exatamente porque o trator vai passar por cima do animal, mas o desenvolvimento desse tipo de cultura aumenta a exposição de perigos para ele”, explica o biólogo Felipe Peters, pesquisador do projeto Felinos do Pampa.
Entre os impactos que incidem sobre a espécie, o mais visível e quantificável é o atropelamento. Outros fatores também registrados são de gatos sendo acuados por matilhas de cachorros domésticos e transmissão de doenças de felinos domésticos para os silvestres.
O gato-palheiro ainda não tem uma classificação oficial em relação à extinção, até porque são muito recentes as descobertas sobre a espécie. Mas, segundo Peters, em 2023 ela entrará na lista do Ministério do Meio Ambiente como criticamente ameaçada de extinção.
“Supomos que existam apenas 250 indivíduos de gatos-palheiros maduros na natureza, é um número extremamente baixo”, lamenta Peters. “Cada indivíduo caçado, atropelado, acuado, é uma perda significativa para essa população em uma situação tão delicada.”
Apesar do gato-palheiro ser uma raridade, existem outras três espécies de felinos do pampa: o gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi), gato-maracajá (Leopardus wiedii) e o gato-mourisco (Puma yagouaroundi). E como o bioma também faz fronteira com áreas de Mata Atlântica, é possível encontrar espécies como jaguatirica (Leopardus pardalis) e onça-parda (Puma concolor).
Convivência harmônica
O recente avistamento do gato-palheiro-pampeano (que se repetiu algumas semanas depois, a poucos quilômetros do primeiro local) é um sinal de que o manejo realizado na vinícola não está impactando negativamente a fauna.
“Quando desenvolvemos o projeto de viticultura nos pampas, buscamos compreender a fundo como funciona o manejo sustentável dessa região, de modo a preservar a fauna e flora, principalmente reduzindo o uso de agroquímicos”, conta Maurício Salton, CEO da Salton.
O gato-palheiro-pampeano pode até ser “útil” para o desenvolvimento das parreiras. É sabido que o felino preda espécies campestres, como a lebre, conhecida entre os viticultores por comer as mudas das árvores e impedi-las de crescer.
Para todos os envolvidos nesse registro raro e extraordinário, essa é também uma possibilidade de sensibilização e educação em relação aos felinos do pampa. “Foi um momento mágico e especialmente importante, porque estávamos há anos procurando uma chance de poder revelar essa espécie para o público”, celebra o fotógrafo Gustavo Fonseca.
Fonte: Galileu