Um dos princípios do pensamento racional é basear as crenças nas evidências: se uma nova prova contradiz um pensamento anterior, a opinião deve mudar para incluir as novas informações. Essa habilidade, essencial para o método científico, é considerada uma característica exclusiva dos humanos – mas isso talvez esteja para mudar.
Um novo e emblemático estudo publicado na revista Science testou se os chimpanzés, nossos parentes mais próximos, conseguem avaliar as evidências de forma racional para chegar a conclusões mais precisas. Os resultados indicam que esses primatas possuem uma “metacognição” – ou seja, conseguem “pensar sobre o próprio pensamento”, avaliando os fatos disponíveis para verificar se seus planos são os melhores possíveis.
Para chegar a essa conclusão, cientistas da Universidade da Califórnia em Berkeley e outros colegas estudaram dezenas de animais que vivem no Santuário de Chimpanzés da Ilha Ngamba, em Uganda.
O teste era simples: os chimpanzés tinham que decidir entre duas caixas, das quais só uma tinha uma maçã como recompensa. Os cientistas, então, apresentaram uma pista sobre a resposta correta. Havia dois tipos de dica: na primeira, os pesquisadores balançavam a caixa, para mostrar, com o barulho, que havia algo lá dentro. Isso, no entanto, era considerado uma evidência “fraca”, já que não necessariamente era um alimento (no caso, era uma bola de madeira).
O segundo tipo de dica era do tipo “forte”: cientistas revelavam para os chimpanzés uma das faces da caixa que continha um pedaço feito de vidro, permitindo que os animais vissem um pedaço da maçã ali dentro.
No teste, os pesquisadores apresentaram apenas uma das pistas para o chimpanzé e deixaram o animal escolher. Depois, mostravam a outra evidência e permitiam que o primata mudasse sua escolha, caso quisesse.
Os chimpanzés que tiveram acesso à pista forte (o painel de vidro revelador) quase sempre escolhiam a caixa certa na primeira etapa. Depois, quando os pesquisadores balançavam a outra caixa, permaneciam com sua escolha original. Isso demonstra que eles sabiam diferenciar uma evidência forte (a visão da maçã) de uma evidência fraca (o som da segunda caixa).
Já os chimpanzés que tiveram o barulho como primeira pista escolhiam essa caixa na etapa inicial. No entanto, quando os cientistas mostraram a evidência forte da outra caixa para eles, mudaram sua decisão à luz da informação mais contundente.
Os resultados indicam que os chimpanzés não só são capazes de tomar decisões baseadas em evidências como também mudam de opinião quando são apresentados a novas provas, uma habilidade essencial do pensamento racional.
Para avaliar os animais mais a fundo, os cientistas repensaram os experimentos. Em um teste, os chimpanzés só conseguiam ver restos da fruta através do painel de vidro; diante disso, eles passaram a preferir a caixa barulhenta, porque consideraram o barulho uma evidência mais forte do que a visão das migalhas.
Os pesquisadores usaram modelos computacionais para analisar os dados sobre as decisões dos chimpanzés, para checar se as escolhas corretas não estavam sendo apenas fruto do acaso, do instinto ou do viés da atualidade (isto é, se eles não estavam apenas seguindo as últimas pistas recebidas). Os resultados mostraram que, de fato, parece haver racionalidade na jogada.
“Esse tipo de raciocínio flexível é algo que costumamos associar a crianças de 4 anos. Foi emocionante mostrar que os chimpanzés também conseguem fazer isso”, diz Emily Sanford, pesquisadora em Psicologia da Universidade da Califórnia em Berkeley e uma das autoras do estudo.
O estudo desafia nossas noções simplistas do que é “racionalidade” e se esta é uma habilidade exclusivamente humana. “A diferença entre humanos e chimpanzés não é um salto categórico. É mais como um espectro contínuo”, diz Sanford.
Agora, a equipe quer repetir o experimento, de forma adaptada, com crianças entre 2 e 4 anos, para comparar o nível de pensamento racional delas com o dos chimpanzés. No futuro, os cientistas também pretendem estudar outras espécies de primatas, para entender como as habilidades de raciocínio mudam na árvore evolutiva do grupo.
“Eles [os animais] podem não saber o que é ciência, mas navegam em ambientes complexos com estratégias inteligentes e adaptativas”, diz Sanford. “E isso é algo em que vale a pena prestar atenção.”
Fonte: SuperInteressante