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SITUAÇÃO CRÍTICA

Queimadas aumentam em até 80 vezes a concentração de poluentes no ar da Amazônia

Dados de monitoramento do governo federal reforçam o perigo à saúde pública com a dispersão da fumaça das queimadas pelo país

10 de setembro de 2024
Marco Britto para Um Só Planeta
7 min. de leitura
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Fogo na região de Apiau, a cerca de 120 quilômetros da capital de Roraima, Boa Vista. — Foto: MARIE HIPPENMEYER/AFP via Getty Images

Em meio aos incêndios florestais que castigam o sul da Amazônia e espalham fumaça por quase todo o país, a concentração de material particulado na atmosfera da região da floresta aumentou até 80 vezes, atingindo um pico de concentração entre os dias 27 e 30 de agosto. Os dados são do monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

A concentração de material particulado fino (MP 2.5), que são as partículas em suspensão na atmosfera, aumenta todos os anos na estação seca. Enquanto na época das chuvas a concentração em média é de 1 ug/m3 (microgramas por metro cúbico), na estação seca esse índice varia entre 5 e 7 ug/m3.

Nas últimas semanas, o céu do Brasil vem sendo coberto por fumaça, resultado de queimadas recordes que atingem várias partes do país. E a nuvem de material particulado e monóxido de carbono ainda deverá chegar até Buenos Aires, na Argentina, e Montevidéu, no Uruguai, nos próximos dias. O país passa pela maior seca registrada em sua história recente, apontam dados do governo federal.

As condições precoces de risco de fogo fizeram com que os sinais das queimadas na região amazônica começassem a ser captados já em meados de julho e em quantidades superiores à média registrada para a estação seca. “Estamos observando cerca de 10 ug/m3 de MP2.5, um pouco acima da média tipicamente observada na estação seca”, descreve a especialista em aerossóis e transporte de longa distância, Luciana Rizzo, que trabalha no Observatório da Torre Alta, estrutura de pesquisa do governo federal coordenada pelo Inpa.

Segundo a pesquisadora, em agosto foram registrados picos. Entre 10 e 15 de agosto, as concentrações médias atingiram 60 ug/m3. O número é 60 vezes mais alto do observado na estação chuvosa e ao menos dez vezes mais alto do que a média nas estações secas.

Entre 27 e 30 do mesmo mês houve novos registros de concentrações, com média diária de 80 ug/m3.

Segundo a pesquisadora, ainda não é possível apontar com precisão a causa no aumento da concentração de partículas, mas os incêndios são uma origem provável. “Isso pode estar relacionado a um possível aumento dos focos de queimadas em toda a Amazônia, ou ainda à presença de focos de queimadas mais próximos à torre. Quanto mais perto for a frente de queimadas, mais altas serão as concentrações”, explica Rizzo.

O monitoramento de MP 2.5 é realizado por equipamentos instalados no alto da torre. O complexo está instalado no meio da floresta, a cerca de 150 km ao norte de Manaus, na Estação Científica de Uatumã, uma área de reserva distante da rota de cidades ou de atividades econômicas. Há três torres, sendo que a torre principal, com 325 metros de altura, capta a circulação de partículas em uma zona de influência acima de 400 km.

Riscos à saúde humana

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que, para condições saudáveis à saúde humana, o MP2.5 seja inferior a 15 ug/m3, em média, durante 24 horas. Altas concentrações desse material particulado podem agravar ou aumentar o risco de desenvolver doenças cardiorrespiratórias.

O impacto pode ser maior em áreas urbanas, onde a fumaça das queimadas se soma às emissões de veículos e de outras atividades. Para a floresta, a concentração desse material pode ter impactos sobre os ecossistemas, alterando propriedades das nuvens e a quantidade de luz solar que atinge a superfície da Terra.

“É importante entender que na torre as concentrações de vários poluentes aumentam bastante na estação seca comparada a estação chuvosa. O motivo desse aumento nas concentrações é a fumaça de queimadas que se espalha por toda a Amazônia. Nos arredores da torre não costuma ocorrer grandes eventos de queimada, mas a torre capta a fumaça que vem de outras partes da Amazônia”, explica Rizzo.

Fogo atinge áreas naturais

As queimadas que têm atingido os principais biomas brasileiros nos últimos dois meses, em sua maior parte, não estão ocorrendo em áreas desmatadas recentemente, mas em áreas de floresta primária, locais de vegetação nativa com grande diversidade biológica, de acordo com novos dados do Sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgados pelo WWF-Brasil.

Áreas de vegetação primária registraram 53% dos incêndios na Amazônia no último mês, o pior agosto em área queimada registrado no bioma desde 2012, quando iniciaram-se os monitoramentos compilados pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Em 2024, a floresta já passa de 5 milhões de hectares queimados em área acumulada, um território correspondente à Costa Rica.

“O recorde de focos de calor registrado em agosto na Amazônia teve uma distribuição desigual, com mais da metade deles concentrados em áreas de vegetação nativa primária e apenas 13% em áreas recentemente desmatadas. A combinação da alteração climática provocada pelo aquecimento global com a degradação ambiental criou um cenário favorável ao uso criminoso do fogo para uma conversão da floresta que provavelmente será detectada em mapeamentos futuros sobre a área devastada na Amazônia brasileira”, afirma Mariana Napolitano, diretora de estratégia do WWF-Brasil.

Desmatamento cai, mas seca vira combustível do fogo

Apesar do aumento das queimadas, o desmatamento caiu em agosto na Amazônia. Entre os dias 1 e 30, foram desmatados 501 km2, uma redução de 11% em comparação ao mesmo período em 2023.

Estudo conjunto de Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, afirma que no ano passado, apesar da redução de 50% no desmatamento na Amazônia, a pior seca em 125 anos aumentou o fogo em outras áreas do bioma, elevando a área queimada total em 36% sobre 2022.

“Tivemos a redução do desmatamento e da área queimada nos municípios do chamado arco do desmatamento, mas houve um aumento no restante do bioma. A gente sempre pensa que reduzir o desmatamento vai ajudar a reduzir o fogo, mas os resultados deste estudo demonstram claramente os efeitos das condições climáticas nesse processo”, destaca Ane Alencar, diretora de ciências do Ipam e uma das autoras da nota publicada em junho.

Fonte: Um Só Planeta

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