Novas pesquisas revelam que as populações de aves na América do Norte estão em declínio mais acelerado justamente nas regiões onde antes eram mais numerosas, aumentando o temor de um colapso ecológico em áreas antes consideradas protegidas.
Uma análise de quase 500 espécies de aves no continente mostrou que três quartos estão diminuindo em suas áreas de distribuição, com dois terços apresentando reduções significativas.
O estudo, publicado na revista Science, indica que os antigos redutos de aves não são mais seguros, especialmente em pastagens, zonas áridas e no Ártico.
Em um dos usos mais ambiciosos de dados de ciência cidadã até hoje, pesquisadores do Cornell Lab of Ornithology utilizaram observações do eBird, um aplicativo popular entre observadores de aves, para modelar mudanças entre 2007 e 2021. A precisão dos dados permitiu rastrear variações em segmentos de 27 km² (10 milhas²), revelando quedas drásticas em áreas onde, menos de duas décadas atrás, as aves prosperavam.
“Já sabíamos há anos que muitas espécies de aves na América do Norte estavam em declínio. Com este estudo, buscamos entender com muito mais detalhe onde elas estão diminuindo e onde podem estar aumentando. Em vez de apenas ver uma tendência geral, queríamos saber exatamente onde isso está acontecendo”, explicou Alison Johnston, líder da pesquisa e diretora do Centro de Pesquisa em Modelagem Ecológica e Ambiental da Universidade de St Andrews, no Reino Unido.
“A principal descoberta ecológica é que os locais onde essas espécies costumavam prosperar, onde o ambiente era ideal para elas, são agora os lugares onde estão sofrendo mais”, disse ela.
Os pesquisadores afirmam que mais estudos são necessários para explicar as causas por trás dessas mudanças, muitas delas dramáticas – em algumas regiões, as populações caíram mais de 10% ao ano. Aquecimento global e alterações de habitat são as principais hipóteses, mas Johnston admite que ainda não há certeza.
“A forma como interpreto esse resultado é que ele reflete mudanças profundas em nosso mundo. O fato de que os locais que antes eram redutos para as aves, com muitos recursos e ambientes favoráveis, são agora onde elas mais declinam, sugere que estamos vendo transformações fundamentais no meio ambiente. As aves são como o ‘canário na mina de carvão'”, afirmou.
A pesquisa se soma a uma série recente de estudos que documentam declínios acentuados de aves mesmo em reservas naturais e áreas protegidas.
A equipe da Universidade Cornell já havia desenvolvido métodos para converter observações de ciência cidadã (como as do eBird) em dados confiáveis para monitorar mudanças populacionais. Os autores do estudo incluíram apenas resultados que passaram por rigorosos controles de qualidade.
A professora Amanda Rodewald, coautora do estudo, disse que essa abordagem permitirá ações de conservação mais direcionadas:
“Esse tipo de informação em escala local, mas com abrangência geográfica ampla, era o que faltava para tomarmos decisões inteligentes de conservação. Esses dados nos dão uma nova lente para detectar e diagnosticar declínios populacionais e reagir de forma estratégica, precisa e flexível. Isso muda o jogo para a conservação.”
Ian Burfield, coordenador científico global da BirdLife (que não participou do estudo), elogiou a pesquisa e destacou a necessidade de mais investigações:
“As aves da América do Norte estão entre os poucos grupos taxonômicos e regiões com dados suficientes para essa abordagem. Isso reforça a urgência de coletar mais dados de campo, tanto por meio de monitoramento formal quanto de ciência cidadã, especialmente nos trópicos, onde a biodiversidade é mais rica.”
Traduzido de The Guardian.