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Quatro patas, três refeições diárias, bom-moço e papai-do-Céu

1 de junho de 2011
3 min. de leitura
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Então tem que explicar para essa gente toda, com uma paciência que às vezes me foge pelos bolsos furados e desce tripas adentro, que a briga toda que eu declaro ao mundo – metaforicamente falando, senhores psicanalistas de mesa de bar – não tem a ver com gostar de cachorro ou ter pena de animais fofos o suficiente para estarem em um desenho animado. Não, meus horizontes não são tão curtos quanto pressupõem todos aqueles que não me conhecem, mas cujo veredicto está a um segundo de ser lavrado, tão logo ouvirem o começo de tudo que tenho a dizer. Não aceito a posição lacônica dos que não querem se incomodar, dos que têm medo de se envolver, dos que temem ficar malfalados, dos que precisam estar mimetizados nas ideias dos demais, para que não se sobressaiam e possam seguir em frente o ritmo de vida Playmobil com celular cheio de funções.

A concordância tácita com a exploração dos não humanos vem dessa posição de noivo-e-noiva em cima do bolo, estáticos para não saírem mal nas fotos. Depois, o choque ao ver uma foto, um banner ou um vídeo que esfregue a dor alheia no rosto de quem torce por passar despercebido.

Não, eu não posso perdoar o bom-mocismo como não-incômodo, se este mundo é áspero, pontudo, afiado, pesado e ardido para todos aqueles indivíduos que, ‘azar né?’, nasceram para correr o mundo sobre… deixa eu ver aqui o que diz o manual… QUATRO patas, por exemplo. Isso é uma falta grave e indesculpável, que torna seu usuário sujeito a toda sorte de castigos por quem carrega, estes sim, as virtudes como galões de um Sete de Setembro planetário.

Então quem vive confinado, seja no gradeado bucólico do ‘produtor rural’ – e nisso não vejo diferença entre o agronegócio e o familiar – ou mesmo na coleira comprada em pet shop, paga um débito que lá atrás, e bota lá atrás, nisso, alguns decidiram, e os bilhões posteriores aceitaram numa boa, concordando com a cabeça enquanto mandavam alguma mensagem pelo celular. Isso o fiapo de gente, porque a vasta maioria apenas reprisa os últimos capítulos das vidas anteriores, com o orgulho de ineditismo e, ora vejam, prova incontestável de sua liberdade de escolha. OK papai, agora eu penso por conta própria, diz que sim!

E repensar as três refeições diárias – isso para começo de conversa, vamos deixar claro antes que alguém aí comece a espernear antes do tempo – e ver que o ato subversivo se impõe como uma correção a um sistema que massacra vidas, ‘almas’ e escolhas. O império da morte. Os rótulos que dizem ‘deixa pra lá’, no corre-corre dos supermercados, o Autorama da vida sempre na velocidade máxima, e isso exige que os porões, lá embaixo, abaixo dos meus intestinos, como uma fossa, estejam cheios de olhos que impressionam, quando fotografados e essas imagens são distribuídas.

A beleza da natureza só poderia ser seviciada pela mão de um humano fazedor de cálculos, que projeta lá para frente o que diabos ele quer, e nesse meio-tempo tudo é combustível para ser queimado na máquina do destruidor. Isso no campo, porque a cidade estala os dedos e faz vir seus caprichos pré-pagos direto para a mesa das famílias ordeiras e tradicionais. E ninguém, em meio aos álbuns de família e conselhos de vó, será boca-suja o suficiente para dizer que um porco deveria ter liberdade, e não ser cativo, como todos ali se esforçam para parecer que não são.

A comparação ofende o bom-moço. Tira seu norte de saber bem onde pisar, o que pensar, e o que dizer quando alguém pergunta o que pensa. Mas faz sentido muita coisa que, ouvira dizer, era conversa não recomendada. Porcos, vacas, beagles na Europa, cachorros SRD na China, ratos na faculdade mais próxima, peixe na mesa dos autointitulados ‘vegetarianos’, o churrasco-festa que passa a ter cores invertidas, mesmo que isso desagrade papai, patrão, padre, político, pecuarista, pretendentes, parentes e papai-do-Céu, de uma só vez.

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