EnglishEspañolPortuguês

DESMATAMENTO

Quantidade de bois no Acre já é quatro vezes maior que o número de habitantes

Dados oficiais mostram que o número de bovinos chegou a 3,8 milhões no Acre, um aumento de 8,3% em 2020 em relação ao ano anterior

4 de fevereiro de 2022
Sarah Brown
7 min. de leitura
A-
A+
Foto: Ilustração l Pixabay
  • A indústria pecuária é um dos principais motores da economia do Acre e se alinha com os objetivos do estado de promover e expandir o desenvolvimento agrícola na região.
  • Em 2021, o Acre entrou chegou a figurar no terceiro lugar no ranking dos estados que mais destruíram a Amazônia no ano passado; a taxa de desmatamento é a maior em 18 anos.
  • Especialistas afirmam que, a menos que soluções sustentáveis sejam incentivadas e implementadas, o crescimento do gado do Acre não é sustentável e levará a mais desmatamento na Amazônia.

Com cerca de 80% de suas florestas ainda intocadas, o Acre é um dos estados menos desmatados da Amazônia brasileira. Apesar de representar apenas 1,7% da superfície terrestre do Brasil, é de grande importância ecológica, pois está numa zona de transição entre a planície amazônica e os Andes, com biodiversidade de ambas as regiões.

Contudo, nas últimas três décadas, a pecuária tem se tornado uma grande ameaça para as florestas do Acre. O rebanho já supera em quatro vezes a população humana do estado.

Em 1990, a população do Acre era de 400 mil habitantes, com um número quase idêntico de cabeças de gado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2020 a população humana cresceu para quase 900 mil, enquanto o número de cabeças de gado registrou o recorde de 3,8 milhões.

De acordo com o IBGE, o número de bovinos em 2020 apresentou o maior aumento (8,3%) em relação ao ano anterior dentre todos os nove estados que compõem a Amazônia Legal. O número também é muito maior se comparado ao território nacional: a quantidade de cabeças de gado na Amazônia cresceu 4,2% em média, enquanto que no resto do país o aumento total foi de 1,5%.

Um relatório do sistema de análise de dados do estado afirma que o “potencial econômico dos recursos naturais do estado é imensurável” em termos de madeira, frutas e plantas medicinais. No entanto, é o gado que desempenha um papel fundamental na economia. Enquanto os produtos de madeira contribuíram com 38,7% para as exportações totais do estado em 2020, a carne e seus derivados foram responsáveis por 28,3%, de acordo com dados do governo do Acre.

“A economia no Acre está centrada na agropecuária, especialmente na criação de gado”, disse por telefone à Mongabay Eduardo Mitke, médico veterinário e professor da Universidade Federal do Acre. “Há pouco valor econômico nas frutas, e a indústria da borracha acabou. O milho e a soja têm crescido nos últimos dois ou três anos, mas o motor econômico mais forte no setor do agronegócio é, sem dúvida, a pecuária”.

A capital do estado, Rio Branco, tem o maior número de cabeças de gado do Acre, com 14% do total. O município de Sena Madureira é o segundo, com cerca de 365 mil. Apresentando 236 km²  de perda florestal em agosto de 2021 (15% do total registrado em toda a Amazônia), o Acre entrou pela primeira vez em terceiro lugar no ranking dos estados que mais destruíram a Amazônia no ano passado, de acordo com dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Apenas dois municípios, Sena Madureira e Feijó, contabilizaram 40% do desmatamento do estado.

Vários fatores alimentaram o crescimento da indústria de gado no Acre, incluindo um aumento da demanda internacional por carne e derivados, especialmente da China, de acordo com dados do IBGE. Mitke disse que a produtividade na indústria pecuária brasileira também aumentou 150% nos últimos 30 anos, permitindo que as fazendas crescessem seus rebanhos. “Há uma revolução tecnológica. É lenta, mas é uma revolução”, disse. “Com tecnologia melhorada, somos capazes de aumentar o número de animais por hectare, o que significa que podemos fornecer uma solução mais sustentável”.

Rômulo Batista, ativista do Greenpeace Amazônia, disse que outro fator a ser considerado é a prática de apropriação de terras, em que grupos ocupam e exploram áreas públicas de forma irregular e depois as reivindicam como propriedade privada. “Infelizmente, é cada vez mais comum ter gado na Amazônia como uma tentativa de validar a propriedade rural”, disse ele à Mongabay. “[Os grileiros] colocam gado no território que tomaram para dizer que há algum tipo de produção agrícola lá, numa tentativa de legalizá-lo.”

Menos floresta, mais gado

Ativistas têm levantado preocupações sobre a ligação entre a crescente indústria de gado e o desmatamento. “De toda a área desmatada na Amazônia brasileira que não voltou a crescer como vegetação secundária, 90% dela é algum tipo de pasto usado para o gado atualmente”, disse Batista, do Greenpeace. “Estamos vendo a destruição da Amazônia, uma floresta com a maior biodiversidade do mundo, para colocar lá duas espécies: capim e gado”.

Dados da plataforma Mapbiomas, uma rede de ONGs, universidades e empresas tecnológicas mostra que a perda das florestas do Acre nos últimos 10 anos está fortemente relacionada ao aumento anual de terras destinadas ao gado (veja o gráfico abaixo). Em 2020, 84.925 hectares foram desmatados no Acre; neste mesmo ano, as terras destinadas ao gado e à pecuária no estado aumentaram em uma quantidade quase idêntica: 84.735 hectares, segundo os dados do Mapbiomas.

Vários estudos indicam que a indústria pecuária é o grande motor do desmatamento, incluindo um documento de 2013 que diz que “nos últimos anos, 48% de toda a perda de floresta tropical ocorreu no Brasil, onde a pecuária causou cerca de três quartos da destruição da floresta”.

Em 2021, com o aumento do rebanho bovino, o Acre registrou sua maior taxa de desmatamento em 18 anos, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No total, 10% da área florestal do estado foi cortada até agora, de acordo com o Imazon. “O Acre não é o estado mais desmatado da região amazônica”, disse Batista. “Mas se destaca por ser uma nova área de desmatamento. Há cinco, dez anos atrás, estávamos sempre falando dos estados de Rondônia, Mato Grosso e Pará. Agora, estamos de olho no Acre”.

O setor do agronegócio tem justificado o desmatamento de terras para dar lugar à agricultura como um fator de desenvolvimento positivo. “O desmatamento para nós é sinônimo de progresso, por mais chocante que isso seja para as pessoas”, disse o chefe da Federação Agrícola do Acre, Assuero Doca Veronez, em uma entrevista em 2020. Ele se referia à Amacro, uma zona planejada do agronegócio na divisa entre os estados do Amazonas, Acre e Rondônia – o nome é formado pelas iniciais de cada estado. A iniciativa foi renomeada no final de 2021 para a Zona de Desenvolvimento Sustentável – ZDS Abunã Madeira e reposicionada como uma iniciativa multissetorial e sustentável.

Apesar das mudanças nos objetivos centrais do projeto, Batista disse que continua preocupado com o impacto do projeto ZDS Abunã Madeira e com a forma como o “desenvolvimento” é administrado no Acre. “Sem um planejamento adequado, a pecuária e a infraestrutura causam destruição tanto cultural quanto ambiental”.

Estudos apontam que é possível aumentar a produção de gado enquanto se alivia a pressão sobre a Floresta Amazônica. “Este paradigma de expansão horizontal da agricultura sobre os ecossistemas está ultrapassado”, diz um estudo de 2020, referindo-se ao método tradicional de criação de gado comumente utilizado no Brasil, onde pequenos rebanhos pastam em vastas extensões de terra. Os estudos sugerem o uso de um método mais intensivo que aumenta a produção de forma sustentável, criando mais gado em áreas menores de terra.

O médico veterinário Eduardo Mitke disse que é “econômica, ambiental e tecnicamente viável ter gado no Acre enquanto se conserva a Amazônia”, se feito da maneira correta. Ele acrescentou que há até mesmo a oportunidade de reflorestar áreas desmatadas enquanto se aumenta a produção de gado.

Para ele, a tendência atual de crescimento do gado no Acre não é sustentável, e os agricultores carecem de assistência técnica e conhecimentos agrícolas mais conscientes. “O fazendeiro [no Acre] não sabe como se expandir sem desmatar. Precisamos mostrar a eles outras alternativas que não prejudiquem o meio ambiente”, disse Mitke. “Se não praticarmos agricultura de maneira correta, sem dúvida acabaremos destruindo a Amazônia.”

Imagem do banner: Criação de gado na Resex Chico Mendes, no Acre. Foto: Pedro Saldanha Werneck/Mídia NINJA [CC-BY-NC].

Você viu?

Ir para o topo