O escritor russo Liev Tolstói, um dos maiores nomes da literatura mundial, admitiu ao seu cunhado Stepan Behrs que durante a sua juventude um de seus passatempos preferidos era a caça. Quando serviu ao Exército Russo no Cáucaso, ele perseguiu raposas, lebres, cervos e javalis, até que começou a refletir sobre isso e permitiu que os animais vivessem sem qualquer intervenção de sua parte.
Em 1887, Behrs registrou em uma carta que “por compaixão, ele [Tolstói] desistiu abruptamente da caça, e me contou que não apenas perdeu completamente o seu desejo de caçar, como também se espantara por ter gostado disso anteriormente”, a considerando uma prática bárbara e incompatível com uma vida equilibrada, harmoniosa e respeitosa.
Em correspondência de 1893, Tolstói escreveu que os homens não deveriam causar sofrimento aos animais e fez questão de mencionar a Inglaterra como um país europeu que se destacava por uma “atitude poderosa” em contrariedade a isso – algo que ele atribuiu à força do humanitarismo inglês, que à época era defendido por pensadores e reformadores como Henry Salt, pioneiro dos direitos animais referenciado por Peter Singer na obra “Animal Liberation”, de 1975.
Porém, ao contrário dos muitos vegetarianos ingleses da época, com exceção daqueles que partilhavam da mesma perspectiva do vegetarianismo ético de Salt, Tolstói, que abdicou não apenas do consumo de todos os tipos de carne, mas também de leite, manteiga e ovos, escreveu que era preciso encontrar uma forma de reduzir a dependência humana dos animais como fonte de mão de obra no campo.
Behrs registrou que Tolstói ficou eufórico quando soube que máquinas estavam sendo desenvolvidas com esse propósito. Ele vislumbrou um cenário em que animais não sofreriam em decorrência de um esforço físico em benefício humano que custasse a redução de suas expectativas de vida.
“Pode-se regular os desejos de alguém por meio da moderação, restrição e trabalho árduo. O primeiro passo para reduzir essa dependência é não comer animais e não viajar sobre eles, mas sim a pé. E todos nós deveríamos começar a fazer isso agora”, registrou o escritor russo. Tolstói disse que, embora não tivesse abdicado do consumo de animais visando a sua saúde, ele percebeu inúmeros benefícios quando se limitou a uma alimentação frugal baseada em aveia, kasha, arroz, pão de centeio e sopas de vegetais.
“A confusão e, acima de tudo, a imbecilidade de nossas vidas, surge principalmente do constante estado de intoxicação em que a maioria das pessoas vive”, criticou Tolstói no ensaio “Por que os homens se entorpecem?”, publicado originalmente em 1890. Dois anos depois, Tolstói registrou no ensaio “O Primeiro Passo”, que o ser humano só cumpre o seu verdadeiro papel quando assume o compromisso de seguir uma sequência de realizações morais que são essenciais para o real estabelecimento da ordem no mundo, e isso inclui o respeito à vida independente de espécie, o autocontrole e a libertação de desejos que são nocivos a nós mesmos e aos outros.
Referências
R.F. Summers. Tolstoy and the natural world. The Vegetarian. The Vegetarian Society (Janeiro/fevereiro de 1987).
Troyat, Henri. Tolstoy. Grove Great Lives. First Grove Press Edition. Grove Press (2001).