Quando as pessoas se alimentam de animais, normalmente elas não consideram que estão se alimentando de algo que foi alguém; e este alguém teve olhos para testemunhar o mundo sob uma ótica não muito auspiciosa; um mundo que pode ser visceralmente injusto e violento com os mais vulneráveis.
Nós endossamos isso das mais diferentes formas, mas principalmente negando-lhes o direito à vida. Para negar esse direito, fingimos não reconhecer a capacidade não humana em sofrer e amargar as implicações de uma privação que termina somente com a morte.
No momento em que alguém leva um pedaço de carne à boca, dificilmente esse alguém vai despender tempo pensando que o bife é parte da coxa ou da traseira de um boi, por exemplo. As pessoas simplesmente comem, seguindo um hábito naturalizado. Não há contestação ou associação com a morte nem com a vida – apenas comida – a dissimulada mecânica da vida.
Definitivamente, não vejo como negar que somos estranhos se refletirmos que nos alimentamos de partes de membros de outras criaturas que, assim como nós, também fazem o que podem para evitar a morte. Afinal, o desejo de viver não é uma prerrogativa restritamente humana.