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BIODIVERSIDADE

Quando a motosserra mata animais: perda de vegetação é fatal para a fauna

Desmatamento que afeta diretamente a diversidade de animais avança em cidades que ainda são consideradas mais preservadas no sertão mineiro de Guimarães Rosa

18 de julho de 2024
Mateus Parreiras e Luiz Ribeiro
5 min. de leitura
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Foto: Flávio Ubaid/Gustavo Malaco/Projeto Bicudo/divulgação

As florestas são de importância crucial para a proteção da biodiversidade e para a mitigação das mudanças climáticas, como destaca o artigo “Medindo o status e as mudanças da biodiversidade florestal globalmente”, fonte dos estudos da Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Centro de Monitoramento da Conservação Mundial (Pnuma-CWMC) e Global Forest Watch (GFW), que ajuda a entender os riscos atuais da fauna em diversos locais, como o sertão de Guimarães Rosa.

“Os biomas florestais do mundo são crucialmente importantes para a biodiversidade terrestre, mas as crescentes demandas da humanidade por recursos têm levado à remoção de florestas naturais para a agricultura e à degradação das paisagens florestais por meio da caça e extração de madeira, fragmentação, poluição e outros impactos humanos. Essas pressões estão afetando a biodiversidade das florestas, já que muitas espécies sensíveis dependem de paisagens florestais intactas e de florestas primárias”, aponta o estudo.

Em Januária, segunda maior detentora de espécies da fauna do sertão mineiro, com 5.301 registradas, há vários casos de desmates e incêndios em áreas de alta integridade de biodiversidade. No distrito de Pandeiros, uma faixa de mata em várzea com lagoas marginais que são berçários de peixes do Rio São Francisco, próximo à barra do Rio Pardo, perdeu 84 hectares da chamada floresta seca entre 2019 a 2023.

Outra ilha de biodiversidade íntegra entre a BR-135, nascentes de córregos e o Rio São Francisco, a 5,5 quilômetros do perímetro urbano de Januária, perdeu 45 ha de floresta seca e cerrado, deixando o solo arenoso exposto. Na vizinha Itacarambi, um somatório de 2.700 ha de cobertura arbórea de floresta seca se perdeu no período, sobretudo em 2022. A mata fica nas cabeceiras das áreas de abastecimento de afluentes do Ribeirão São Thiago, afluente do Rio São Francisco. Uma devastação que dizima hábitat e espécies da fauna, de insetos a mamíferos.

As espécies mais ameaçadas

Duas espécies de animais do sertão de Guimarães Rosa se destacam entre na atual lista de fauna ameaçada elaborada pelo Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) de Minas Gerais, que conta cerca de 267 espécies, sendo 113 aves, das quais 51 estão criticamente em perigo. Entre as aves ameaçadas estão o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) e o bicudo (Sporophila maximiliani).

Trabalhos de organizações não-governamentais, de ambientalistas e do poder público procuram manter a preservação dessas espécies contra as muitas pressões que sofrem. Um deles é o “Projeto Bicudo”, na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Porto dos Caranguejos, em Januária, no Norte de Minas.

O bicudo é um pássaro que, além de perder hábitat para o desmatamento, queimadas e outras culturas, é caçado por colecionadores e traficantes por ter um canto considerado bonito e melodioso, e que foi quase extinto na década de 1980. Atualmente, é considerado na categoria mais alta de ameaça de extinção (criticamente ameaçado), segundo o Ministério de Meio Ambiente.

Muito dessa situação se deve à cobiça de passarinheiros clandestinos: o valor de um bicudo capturado na natureza no início dos anos 1970 chegava a ser de um carro zero. Segundo o biólogo Gustavo Malacco, a RPPN foi escolhida pela identificação de várias aves que habitam a região e que são visadas pelo tráfico, como o curió e o trinca-ferro. “Nas comunidades de entorno, e com exceção dos habitantes mais idosos, ninguém mais conhecia o bicudo”, relata. Hoje, uma das fontes de animais para a reintrodução em meio natural são as parcerias com criadores legalizados que preservam bicudos em cativeiro por todo o Brasil.

Na RPPN, além das 245 espécies de aves, já foram registradas 26 de mamíferos de médio e grande portes, dois primatas, sete morcegos e 20 anuros. Dessas, 21 espécies são consideradas ameaçadas de extinção, com destaque para a onça-pintada e o bicudo. A proximidade da RPPN com o Rio Carinhanha, importante afluente do Rio São Francisco, reforça a sua importância para a proteção dos recursos hídricos e da fauna.

“Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas no chão” – “Grande sertão: veredas”, João Guimarães Rosa

Fiscalização e proteção

O Sisema informa que acompanha o projeto da RPPN Porto dos Caranguejos e participa, por meio do Instituto Estadual de Florestas (IEF), do Projeto Pró-Espécies: Todos contra a Extinção, coordenando a elaboração e execução do Plano de Ação Territorial (PAT) para proteção de espécies ameaçadas de extinção nos territórios do Espinhaço Mineiro e Veredas Goyas-Geraes.

A primeira ação inclui a região Norte, envolvendo municípios como Francisco Sá e Grão Mogol. Já o PAT Goyas-Geraes abrange a região Nordeste e contempla 15 cidades, entre elas Formoso, Unaí e Paracatu. “O estado também participa dos Planos de Ação Nacional (PAN), coordenados pelo governo federal, com ações que visam à proteção e à conservação de espécies ameaçadas”, informa, elencando projetos de proteção de pequenos mamíferos, aves da caatinga, do cerrado e pantanal e de insetos polinizadores.

O estado sustenta ainda que promove fiscalizações para proteção da fauna, coordenadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Também integrante do Sisema, o IEF apoia programas de conservação por meio de Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), muitas vezes, destinando espécimes para mantenedores com fins científicos e projetos de reintrodução de espécies nativas em risco de extinção.

Fonte: Estado de Minas

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