EnglishEspañolPortuguês

ARTIGO

Qualidade de vida depende da biodiversidade e do clima

Proteger a biodiversidade, evitar mudanças climáticas perigosas e promover uma qualidade de vida aceitável e equitativa para todos são os desafios de três acordos globais

3 de julho de 2024
IHU
6 min. de leitura
A-
A+
Foto: Ilustração | Freepik

O artigo a seguir analisa o relatório conjunto IPBES-IPCC co-sponsored workshop report on biodiversity and climate change, da Plataforma Intergovernamental de Política Científica em Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e do Painel Intergovernamental sobre Clima Mudança (IPCC), publicado no dia 10/06/2021. O documento foi elaborado pelos 50 maiores especialistas mundiais em biodiversidade e mudanças climáticas, como apontam os autores Danielly de Paiva Magalhães e Paulo M. Buss.

No relatório, destacam-se as conexões da biodiversidade e do clima no bem-estar humano, visando justificar por que as políticas climáticas e as políticas de biodiversidade devem ser consideradas em conjunto para enfrentar o desafio de alcançar uma boa qualidade de vida para todos. “O importante e inédito informe conjunto deixa claro que ignorar essas inter-relações e estabelecer metas e políticas separadas para cada crise (clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável), como vem sendo feito, não trará soluções adequadas para qualquer delas”, escrevem.

O artigo é de Danielly de Paiva, bióloga e doutora em Química Ambiental e Magalhães Paulo M. Buss, doutor em Ciências e diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cris/Fiocruz), publicado por Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz – CCE, 01-07-2021.

Eis o artigo.

Proteger a biodiversidade, evitar mudanças climáticas perigosas e promover uma qualidade de vida aceitável e equitativa para todos são os desafios de três acordos globais: o Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB); o Acordo de Paris para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC); e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS), respectivamente. Embora cada uma dessas iniciativas tenha objetivos específicos, suas consequências e sucesso estão intimamente ligados – o fracasso em lidar conjuntamente com a dupla crise de mudança climática e declínio da biodiversidade pode comprometer a boa qualidade de vida das pessoas (IPBES, 2019).

A necessidade de considerar as inter-relações dessas três crises foi analisada no recém-lançado relatório conjunto da Plataforma Intergovernamental de Política Científica em Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e do Painel Intergovernamental sobre Clima Mudança (IPCC), intitulado IPBES-IPCC co-sponsored workshop report on biodiversity and climate change, produzido pelos 50 maiores especialistas mundiais em biodiversidade e mudanças climáticas.

O relatório explora as conexões da biodiversidade e do clima para o bem-estar humano, visando justificar por que as políticas climáticas e as políticas de biodiversidade devem ser consideradas em conjunto para enfrentar o desafio de alcançar uma boa qualidade de vida para todos. O relatório reforça que a ação das atividades humanas, como alterações no uso da terra/mar e a combustão de combustíveis fósseis, são as principais causas diretas da perda de biodiversidade e mudanças climáticas, porque altera a superfície terrestre, a química atmosférica e dos oceanos. Como sabido, o constante aumento da concentração de gases de efeito estufa desde a revolução industrial não somente causa a elevação da temperatura média da Terra, mas também altera os regimes de chuva e aumenta a frequência de eventos climáticos extremos, como enchentes, furacões, tornados, ondas de calor e queimadas. Como exemplo, nos ambientes aquáticos, as altas temperaturas diminuem a concentração de oxigênio e promovem a acidificação do ambiente – essas alterações impactam negativamente a biodiversidade, devido às modificações nas condições ótimas de sobrevivência e perda de habitats. Reciprocamente, biodiversidade tem papel fundamental nos ciclos de carbono, nitrogênio e água, e sua perda exacerba os efeitos das mudanças climáticas e torna ainda mais difícil controlá-los.

Entre os esforços citados pelo relatório para a preservação da biodiversidade e controle do aquecimento global estão: diminuição da queima de combustíveis fósseis e a substituição por energias renováveis, diminuição do desmatamento nos trópicos, conservação de ecossistemas ricos em carbono (ex: manguezais, turfeiras, savanas e pântanos), promoção de agricultura orgânica e silvicultura sustentáveis, e corte de subsídios às atividades econômicas prejudiciais ao ambiente.

As mudanças climáticas e a perda de biodiversidade representam ameaças significativas à subsistência humana, afetando a segurança alimentar e a saúde pública. Esses impactos negativos são desproporcionalmente sentidos por populações marginalizadas socialmente, politicamente, geograficamente e/ou economicamente, e aquelas que dependem da exploração de recursos naturais.

Mas qual a relação da temperatura e da biodiversidade com a qualidade de vida humana? A sociedade humana depende dos serviços que a natureza oferece. Portanto, as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade representam ameaças significativas à subsistência humana, afetando a segurança alimentar e a saúde pública. As mudanças climáticas também ameaçam os elementos básicos de que todos precisamos para uma boa saúde, como ar limpo, água potável, produção de alimentos e abrigo seguro, e minará décadas de progresso na saúde global. Esses impactos negativos são desproporcionalmente sentidos por populações marginalizadas socialmente, politicamente, geograficamente e/ou economicamente, e aquelas que dependem da exploração de recursos naturais.

pandemia de Covid-19 nos trouxe evidências concretas sobre as inter-relações da biodiversidade e as mudanças climáticas na saúde humana. A degradação e alteração ambiental, juntamente com o crescimento do comércio de animais selvagens, aproximaram a vida selvagem de animais domésticos e seres humanos, como os morcegos que carregam vírus que podem cruzar as fronteiras das espécies. A mudança climática gerou a perda de habitat que contribui para essa proximidade e também ampliou (por meio de enchentes, ondas de calor, incêndios florestais e insegurança alimentar) o sofrimento dos humanos durante a pandemia pela Covid-19.

O importante e inédito informe conjunto deixa claro que ignorar essas inter-relações e estabelecer metas e políticas separadas para cada crise (clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável), como vem sendo feito, não trará soluções adequadas para qualquer delas. As políticas que abordam simultaneamente as sinergias entre a mitigação da perda de biodiversidade e as mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que consideram seus impactos sociais, oferecem a oportunidade de maximizar os co-benefícios e ajudar a atender às aspirações de desenvolvimento de todos. A implementação de soluções bem-sucedidas e transformadoras tem implicações específicas para sua governança conjunta.

Há uma certa urgência para enfrentar esses desafios conjuntamente. Nenhuma das vinte metas de Aichi acordadas para 2020 foram totalmente alcançadas pelos países signatários – apenas 23% estavam alinhadas com as metas do plano. O Acordo de Paris tem a ambição de manter até 2030 o aumento de até 2° C dos níveis pré-industriais, com objetivo de ficar o mais próximo de 1,5° C. No entanto, a temperatura global já aumentou 1,2° C. Outras projeções sugerem que alcançaremos temporariamente 1,5° C, em um dos próximos cinco anos (WMO, 2021). Eventos catastróficos são esperados, se o aumento da temperatura for 1,5° C acima dos níveis pré-industriais, como perda de biodiversidade e perda e degradação de habitat.

De acordo com o último Relatório de Lacuna das Emissões (em inglês Emissions Gap Report 2020), publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, as atuais Contribuições Nacionalmente Determinadas (em inglês Nationally Determined Contributions – NDCs) permanecem seriamente inadequadas para atingir os objetivos climáticos do Acordo de Paris e levariam a um aumento de temperatura de 3,2° C (3,0 – 3,5 ° C) pelo final do século, com probabilidade de 66%. No melhor cenário, se todos as NDCs forem implementados e os países alcançarem suas emissões líquidas zero, as projeções até o final do século são estimadas em 2,5–2,6° C.

Essas projeções já são bastante preocupantes para a questão ambiental e, na área da saúde, as estimativas são de que, entre 2030 e 2050, as mudanças climáticas deverão causar aproximadamente 250 mil mortes adicionais por ano, de desnutrição, malária, dengue (e outras doenças transmitidas por vetores), diarreia e estresse por calor. Os custos diretos de danos à saúde (ou seja, excluindo os custos em setores determinantes da saúde, como agricultura, água e saneamento) são estimados em US$ 2 a 4 bilhões/ano, até 2030. No entanto, essas projeções não consideram os efeitos da perda da biodiversidade.

Fonte: EcoDebate

    Você viu?

    Ir para o topo