Embora as mudanças no clima já sejam uma realidade em todo o planeta, algumas regiões são mais susceptíveis a seus efeitos. Por volta de 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas vivem hoje em contextos considerados de grande vulnerabilidade às alterações climáticas.
A maior frequência de fenômenos meteorológicos extremos tem afetado de forma severa comunidades em regiões da África, Ásia, Américas Central e do Sul, aumentando a insegurança alimentar e hídrica nessas regiões.
Globalmente, os povos indígenas, os pequenos produtores de alimentos e as famílias de baixa renda sofrem mais com os impactos adversos do clima, de acordo com o sexto relatório de avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima).
Ainda segundo o relatório, entre 2010 e 2020, a mortalidade associada a inundações, secas e tempestades foi 15 vezes maior em regiões altamente vulneráveis, em comparação com áreas de vulnerabilidade muito baixa. Isso demonstra a enorme desigualdade na resiliência e na capacidade de resposta aos fenômenos climáticos.
Como os cientistas identificam as regiões mais vulneráveis?
De acordo com o pesquisador Victor Hugo Abreu, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), para identificar as regiões mais vulneráveis a eventos climáticos extremos é necessário fazer uma análise de risco climático detalhada, avaliando três aspectos principais: ameaça, exposição e vulnerabilidade.
A ameaça se refere à probabilidade e intensidade dos eventos, como inundações, secas ou tempestades, em uma determinada região.
A exposição analisa o grau de interação da população com esses eventos, considerando fatores como densidade populacional, localização geográfica, uso do solo e infraestrutura.
Por fim, a vulnerabilidade avalia a susceptibilidade dos sistemas expostos a danos, incluindo a sensibilidade (o grau de impacto esperado) e a capacidade adaptativa (a habilidade de responder e se adaptar).
“A análise de risco climático exige dados históricos do clima, projeções futuras, informações socioeconômicas e ambientais e o uso de ferramentas geoespaciais, como o Sistema de Informação Geográfica”, explica Victor Hugo Abreu.
“O objetivo é mapear de forma sistemática as áreas de maior risco, fundamentando políticas públicas e intervenções estruturais preventivas para reduzir impactos futuros”, completa o pesquisador.
Que regiões são mais vulneráveis atualmente?
De maneira geral, as áreas mais susceptíveis são:
- Regiões costeiras e ilhas pequenas: áreas como Ilhas Maldivas, Tuvalu e Bangladesh são extremamente vulneráveis ao aumento do nível do mar, tempestades costeiras e ciclones tropicais.
- África subsaariana: a região enfrenta secas frequentes, ondas de calor e inundações, agravadas pelo baixo nível de desenvolvimento econômico, infraestrutura precária e dependência da agricultura de subsistência.
- Sul da Ásia: países como Índia, Paquistão e Nepal experimentam regularmente inundações devastadoras, ciclones, ondas de calor e deslizamentos de terra, principalmente durante as monções (sistemas de ventos sazonais caracterizadas por mudanças regulares na direção do vento ao longo do ano, causadas principalmente pelas diferenças de temperatura e pressão entre os continentes e os oceanos adjacentes).
- Sudeste asiático: Filipinas, Vietnã e Indonésia são atingidos por ciclones tropicais, inundações, deslizamentos de terra e aumento do nível do mar.
- Ártico: Embora menos populoso, o Ártico é altamente vulnerável ao aquecimento global, com impactos como o derretimento do gelo marinho, o degelo do permafrost (tipo de solo da região que permanece congelado em baixas temperaturas) e outras alterações nos ecossistemas.
- América Central e Caribe: regiões sofrem com furacões, aumento do nível do mar e episódios extremos de seca e inundações.
- América do Sul tropical: A bacia amazônica é vulnerável a secas extremas e incêndios florestais, exacerbados pela mudança do clima e pelo desmatamento.
- Regiões áridas e semiáridas: áreas como o Sahel, Oriente Médio e partes da Austrália são atingidas por secas severas, ondas de calor e desertificação (processo de degradação ambiental que ocorre em áreas secas, áridas e semiáridas, resultando na perda da produtividade do solo e na transformação do ecossistema em um ambiente semelhante a um deserto).
Países em desenvolvimento são mais vulneráveis?
Sim, países em desenvolvimento são considerados mais vulneráveis aos efeitos da mudança do clima devido a uma combinação de fatores. Segundo Victor Abreu, aspectos socioeconômicos, geográficos e institucionais limitam sua capacidade de adaptação e de resposta a eventos climáticos extremos.
Que fatores contribuem para que uma região seja considerada vulnerável?
- Dependência de recursos naturais sensíveis ao clima: muitas economias em desenvolvimento dependem fortemente de setores como agricultura, pesca e silvicultura, que são altamente sensíveis a variações climáticas, como secas, inundações e mudanças nos padrões de chuva e temperatura.
- Baixa capacidade econômica e tecnológica: recursos financeiros e tecnológicos limitados dificultam a implementação de medidas eficazes de adaptação, como infraestrutura resiliente (infraestruturas que resistem, se adaptam e se recuperam rapidamente frente a desastres naturais, por exemplo), sistemas de monitoramento climático e tecnologias de mitigação.
- Fragilidade institucional e governança limitada: instituições menos estruturadas podem gerar dificuldades na elaboração e execução de políticas públicas para lidar com os impactos climáticos.
- Alta densidade populacional em áreas de risco: muitos países em desenvolvimento possuem populações numerosas vivendo em áreas vulneráveis, como zonas costeiras, deltas de rios e regiões de baixa altitude.
- Desigualdade social: comunidades de baixa renda têm menos recursos para se proteger ou se recuperar de desastres climáticos.
- Infraestrutura inadequada: infraestruturas precárias ou inexistentes, como saneamento básico, transporte e sistema de saúde, aumentam a exposição e dificultam a recuperação após eventos climáticos extremos.
E no Brasil, que regiões são mais vulneráveis?
Por ter uma localização tropical, o Brasil é uma das regiões mais sensíveis às mudanças do clima e um dos países que serão mais impactados por elas, segundo o pesquisador Paulo Artaxo, do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa da USP. Isso se deve principalmente ao aumento da temperatura e à redução da precipitação já registrados hoje no país.
A Amazônia e a região Norte, por exemplo, enfrentam vulnerabilidades significativas decorrentes da perda de cobertura florestal. A região é especialmente suscetível a eventos de seca, que têm crescido com o avanço da mudança do clima e da maior incidência de incêndios florestais.
“A degradação da floresta Amazônica também diminui a capacidade de retenção de carbono, exacerbando o efeito estufa”, pontua Victor Abreu. “As populações que dependem diretamente da floresta, como as comunidades indígenas e ribeirinhas, apresentam desafios maiores em decorrência da diminuição da biodiversidade, alterações no ciclo hidrológico e escassez de recursos naturais”, completa.
O professor Artaxo lembra ainda que muitas regiões na Amazônia dependem do transporte dos rios. Se eles secam, as cidades ficam isoladas, sem condições de receber comida, medicamentos e assistência adequada.
Já a região semiárida do Nordeste tem enfrentado secas mais intensas e prolongadas nos últimos anos. A mudança do clima pode resultar em uma maior escassez de água, afetando o abastecimento para consumo das populações locais e atividades como agricultura e pecuária.
Além disso, a elevação do nível do mar pode afetar áreas costeiras na região, agravando o risco de erosão e salinização de aquíferos (aumento da concentração de sais dissolvidos na água subterrânea, tornando-a inadequada para consumo humano, irrigação e outros usos).
Paulo Artaxo afirma que muitas regiões do nordeste brasileiro já vivem no limite superior de temperatura, na faixa de 41°-42°, o que geraria um impacto muito maior na saúde da população com um aumento de 4° graus do que em cidades como Estocolmo, por exemplo.
“As temperaturas elevadas e as alterações na precipitação são questões críticas. As regiões que já sofrem estresse hídrico podem se tornar inabitáveis nas próximas décadas, simplesmente por falta de água para manter atividades econômicas e os serviços para população”, alerta o pesquisador.
O restante do país está a salvo?
Não. Embora menos vulneráveis às secas, as regiões Sul e Sudeste também enfrentam riscos com o aumento de eventos extremos, como inundações e deslizamentos de terra, provocados pelo aumento da precipitação e pela maior intensidade das chuvas.
“Cidades densamente urbanizadas, como São Paulo e Rio de Janeiro, têm alta vulnerabilidade a desastres naturais por conta da ocupação irregular do solo, infraestrutura inadequada para drenagem e baixa capacidade de adaptação. O aumento da temperatura também pode afetar a saúde pública e a produção agrícola em algumas áreas”, explica Victor Hugo Abreu, da UFRJ.
No Centro-Oeste, as temperaturas elevadas e as mudanças no regime de chuvas afetam principalmente a produção agrícola, especialmente de soja e milho.
Por fim, as grandes regiões metropolitanas do litoral brasileiro, como Grande Vitória, Salvador, Recife e Fortaleza, enfrentam vulnerabilidades devido ao aumento do nível do mar. A urbanização descontrolada, o uso inadequado do solo e a baixa resiliência das infraestruturas tornam essas áreas mais suscetíveis aos impactos climáticos.
Fonte: Ecoa