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PUCRS promove 'Bioética em debate: Os animais'

23 de maio de 2009
7 min. de leitura
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por Marcio Bueno (da Redação)

A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, através de seu Instituto de Bioética, promoveu nos dias 19 e 20 de maio o seminário ‘Bioética em debate: Os animais’, sobre seu uso em laboratórios, e se são ou não detentores de direitos. O evento reuniu, em diversas mesas, filósofos, juristas e profissionais da Biologia, com platéia – incluindo muita gente de pé, pela grande procura – formada por universitários e profissionais de áreas tão díspares quanto Medicina, Veterinária, Filosofia e Direito, além de populares e ativistas da causa animal – o grupo Vanguarda Abolicionista aproveitou para distribuir cópias gratuitas de videos sobre vivissecção aos presentes.

Foram dois dias de discussões de alto nível, com grande volume de informação sendo transmitido. Muitas discordâncias, também. Mas o que se viu é que a questão ‘animais’ já não pode mais ser ignorada, e nem é tema para velhinhas que recolhem gatinhos da rua ou para radicais excêntricos. Homens de gravata também podem tratar do assunto, sem prejuízo para seus currículos – pelo contrário.

O primeiro dia começou com a mesa-redonda ‘O uso de animais no ensino e pesquisa’. O médico Diogo Souza defendeu a utilização dos animais na pesquisa, como ele próprio faz, argumentando que a ciência evolui a partir de uma ínfima porcentagem de animais mortos, na comparação com os demais usos que a sociedade faz dos não-humanos. “É praticamente zero, se comparado com o que a sociedade utiliza hoje em dia para alimentação, ou mesmo no caso de animais que são atropelados nas ruas, ratos que são comidos por gatos, etc”, apontou.

Uma justificativa difícil de engolir, mas que seguiu o padrão de sua exposição e contra-argumentação às perguntas da platéia e ao debate com o filósofo Carlos Naconecy – o médico vivisseccionista visivelmente ofendeu-se pessoalmente com alguns questionamentos, com direito a respostas grosseiras, evasivas ou simplesmente visando desviar a atenção da platéia. E retirou-se logo em seguida.

Carlos Naconecy tratou do desconforto por qual passam os professores da disciplina de Ética, pois o assunto ‘como lidar com os animais’ causa um obrigatório mal-estar, e geralmente os autores que tratam do tema são chamados de ‘filósofos radicais’, como forma de minimizar sua importância. Naconecy, contrário ao uso de animais, embasou seu discurso em exemplos práticos já conhecidos por quem tem alguma leitura em Filosofia, mas que provocou risinhos nos acadêmicos de Medicina que lá estavam somente visando o certificado de participação no evento.

Naconecy e Souza discordaram em praticamente todos os pontos, o que explicitou a soberba de quem acredita que, em nome da ciência, vale tudo – segundo o filósofo, o objetivo na verdade é “engordar o currículo Lattes e manter a bolsa de pesquisa”. Anamaria Feijó fez um rápido encerramento da mesa, apenas explicando a construção dos Comitês de Ética, tal como a PUCRS havia recentemente implantado. Ela esperava o dia em que não houvesse mais testes com animais, mas “reconhecia sua utilização em pesquisas de ponta”.

Em seguida, o biólogo Thales Trez ministrou palestra com exibição de slides sobres métodos alternativos tanto na educação quanto na pesquisa. Fez um apanhado histórico da utilização de animais na ciência, e sua substituição, provando o quanto o Brasil continua insistindo no atraso e em maneiras que já se provaram menos eficazes. O curioso é que Trez rebateu diversos dos argumentos apresentados momentos antes pelo vivisseccionista Diogo Souza. “Não gosto de falar sem que o oponente esteja presente, mas é que ele se retirou do evento”, lamentou o biólogo. Citou como exemplo o caso dos transplantes de fígado, levantado pelo médico, onde a maioria dos pacientes eram submetidos à cirurgia e morriam em seguida, apesar dos testes em cobaias – obrigatoriamente necessários, segundo Diogo Souza.

O segundo dia, 20, iniciou com uma longa – e longe de ser cansativa – palestra do professor de Filosofia Ricardo Timm de Souza, sobre a coisificação dos animais. Com uma clareza surpreendente, o autor fez até mesmo os não-iniciados compreenderem a problemática do animal como ‘outro’ frente ao ser humano. “Temos a capacidade de objetificar algo que está além de nosso conhecimento. A sociedade passa a usar os animais como combustível da ciência, apesar da sensibilidade destes”, explica. “Repositório especial sofrente de violência humana, eis minha definição de animal”, apontou o filósofo; “Entrei na Filosofia para combater o sofrimento, e os animais sofrem muito. O homem trata o animal como objeto, pois para ele o tempo não existe para os animais”, explicou.

Na hora do debate com o público, um dos presentes fez uma pergunta sobre o eventual sadismo daqueles que utilizam animais em experimentos científicos. Foi impossível não lembrar de uma frase proferida pelo médico Diogo Souza, na véspera – “…só uma bipolaridade extrema faria um cientista ter um animal de estimação e depois ter prazer em promover tortura no laboratório”. Pois Timm foi categórico em sua resposta. “Em uma sociedade doente, há muitos profissionais doentes que utilizam os animais sem nenhum método científico, por sadismo, sim”.

A mesa-redonda final do evento reuniu somente juristas para tratar sobre direitos animais, embora boa parte da discussão tenha resvalado para direito ambiental, confirmando a ‘coisificação’ que Ricardo Timm de Souza apresentou antes. A primeira a falar foi Renata Fortes, advogada que tem bastante vinculação com questões animais, relatando os pontos da legislação brasileira que evidenciam que os animais são sujeitos de direito, ao contrário do que muitos pensam e tentam negar.
Renata, Orci Bretanha – coordenador da mesa, Voltaire e Fernanda encerraram o evento

“A Constituição de 1988 trata de ‘dignidade humana’, mas o que é tratar os animais de forma digna? A caça amadorística aqui no RS foi proibida justamente por ser considerada contrária à dignidade humana. E não podemos dissociar os direitos animais dos deveres humanos”, relatou a especialista. Sobre a utilização de animais como cobaias, Renata bateu forte. “As universidades têm à disposição métodos substitutivos mas usam animais, e ainda tentam apresentar justificativas jurídicas para isso”.

O desembargador Voltaire Lima de Moraes, por sua vez, fez um relato histórico da evolução da legislação acerca dos animais. Convidado para defender o ponto ‘Por que os animais não têm direitos?’, frustrou os organizadores ao se revelar favorável à construção desses direitos – um moderado, com passagens pela ECO-92 e pioneiro na ecologia jurídica gaúcha. A última a falar foi a jovem professora de Direito Fernanda Medeiros, que surpreendeu ao usar termos como ‘senciente’ e ‘abolicionismo’, e se revelou bastante antenada com as novas tendências envolvendo sociedade e animais. Como havia dito Naconecy no dia anterior, “o público exige o assunto ‘ética e animais’, e a academia acaba tendo que correr atrás”.

Na rodada de perguntas da platéia para os juristas, a problemática das carroças em Porto Alegre – que haviam sido tema de audiência no Ministério Público alguns dias antes – acabou sendo levantada. Um participante argumentava que o animal era o ganha-pão do carroceiro, então não havia justificativa maior para a proibição de circulação das carroças pela cidade. Novamente, Renata Fortes bateu forte. “O carroceiro não precisa do cavalo, precisa é de uma política pública que o qualifique e lhe dê um trabalho digno. Todos aqui vemos crianças a qualquer hora do dia remexendo no lixo. Essas crianças deveriam estar na escola. É desculpa para uma preguiça generalizada”.

Um integrante da ONG Porto Alegre Melhor, presente ao evento, aproveitou para citar o caso de uma égua socorrida graças à iniciativa em conjunto com outra ONG, a Chicote Nunca Mais, mas que em seguida foi devolvida à condutora da carroça – menor de idade – por ordem judicial. “Onde está a Vara Ambiental nessa hora?”, perguntou o ativista. O desembargador Voltaire Lima de Moraes explicou que questões culturais, mais que legais, pesam na hora de avaliar o caso de um animal que é sustento de seres humanos, mesmo que tenha sofrido maus-tratos.

Terminado o evento, em dois dias com lotação esgotada, fica a conclusão de que o assunto deixa de ser tabu ou exclusividade de quem lida diretamente com o tema, em seus ambientes de acesso restrito, para ser exposto à luz da sociedade, da Imprensa, dos interessados. Ainda bem.

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