Um grupo de protetores de animais denuncia mortes e desaparecimento de animais resgatados pela Prefeitura de Quatro Barras, no Paraná, e pede a abertura de um processo administrativo para apurar possíveis irregularidades que teriam sido cometidas pela diretora do Departamento de Proteção Animal, Pâmela de Oliveira.
Em um abaixo-assinado com mais de mil adesões, os protetores pedem o afastamento de Pâmela de suas funções na Secretaria Municipal Especial de Programas Estratégicos de Bem-Estar Animal de Quatro Barras. A ANDA entrou em contato com a pasta e com a assessoria de comunicação da prefeitura para solicitar um posicionamento oficial sobre o caso, mas não obteve um retorno.
O pedido de investigação por parte dos protetores ocorre meses depois de 135 cães terem sido resgatados pela prefeitura após a prisão da protetora de animais Cristiane Fortes, acusada de maus-tratos. A prisão, ocorrida em fevereiro deste ano, teve como base argumentos de que Cristiane mantinha os cães em local insalubre e de que parte deles apresentava doenças de pele. Na época, pessoas ligadas à causa animal defenderam Cristiane e argumentaram que ela auxiliava os animais dentro de suas limitações financeiras, mas não os submetia a maus-tratos, e que os cães com falhas na pelagem possuíam doenças crônicas, mas recebiam os cuidados necessários.
Em entrevista à Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA), uma das protetoras de animais envolvidas no caso questionou as ações de Pâmela de Oliveira, responsável pela denúncia que culminou na prisão de Cristiane Fortes.
“Procuramos a prefeitura, sempre recebemos respostas negativas”, afirmou a protetora, que preferiu não ser identificada por temer represálias. Segundo ela, a Prefeitura de Quatro Barras e a diretora do Departamento de Proteção Animal foram procuradas diversas vezes, mas os pedidos nunca foram atendidos. “A gente ofereceu ajuda em doações, cobertores, lares temporários para cachorros idosos.. Uma das cachorras idosas morreu”, lamentou a protetora, que disse ainda que a prefeitura se nega a permitir que os protetores vejam os animais ou obtenham informações sobre eles.
Em agosto, a administração municipal fez uma publicação na internet divulgando a campanha de adoção “Adote um Amicão”. No entanto, ainda segundo a ativista, os cachorros que eram tutelados por Cristiane Fortes permaneceram por meses sem serem divulgados para adoção. Preocupados, os protetores de animais resolveram acionar um advogado.
De acordo com a ativista, a preocupação com os cães se dava não só por não estarem sendo disponibilizados para adoção, mas também pela falta de notícias sobre eles e por descobertas feitas pelos próprios protetores que afirmam que um dos canis para onde os cães foram levados teve seu endereço omitido pela prefeitura e que mortes e fugas de animais aconteceram no local.
“Resgataram os cães, deixaram uma parte no mesmo local onde a protetora foi presa e levaram o restante para um local que não sabíamos onde era e depois descobrimos”, contou. Segundo ela, os cachorros só foram retirados desse segundo canil, improvisado em uma chácara, após o advogado contratado pelo grupo entrar em contato com a prefeitura.
Ao denunciar o caso, a protetora afirmou ainda que os cães eram mantidos em ambiente inadequado e que, após serem retirados da chácara, foram levados para o canil no qual já estava a outra parte dos cachorros resgatados, sendo o mesmo canil onde viviam antes da protetora ser presa. “Ela foi presa por insalubridade e parte dos cães continuou lá”, afirmou a ativista, que questionou ainda porque dezenas de cães sequer foram retirados do local, se era de fato insalubre, e porque os demais retornaram ao canil posteriormente.
Segundo a ativista, após a transferência dos cães, foi feita uma “reforma a toque de caixa” no canil. No entanto, uma vistoria realizada pelo Ministério Público de Curitiba, após os protetores denunciarem o caso ao órgão público, concluiu que os animais estavam à beira dos maus-tratos.
“Na data de 13 de maio de 2021, foi realizada a vistoria junto ao canil sob responsabilidade do município de Quatro Barras, localizado na Rua Vicente Vidolin, número 1707, bairro Palmitalzinho. Na ocasião a equipe técnica do CAOPMAHU foi acompanhada pelos médicos veterinários residentes do Centro de Medicina Veterinária do Coletivo da UFPR, Luiz Fernando Turozi Mausson e Caio Sperb os quais realizaram a avaliação técnica em relação as condições da qualidade de vida e nível de bem-estar dos cães alojados no canil. Também estiveram presentes na ocasião o Secretário Municipal de Meio Ambiente de Quatro Barras, os promotores de justiça Fellipe José Gehr e Roberto Tonon Junior e ao final do período da manhã o médico veterinário”, diz o relatório do MP ao qual a ANDA teve acesso.
“No período da tarde acompanhado do médico veterinário João Alcântara e dos promotores de justiça Fellipe José Gehr e Roberto Tonon Junior, foi realizada a vistoria em uma chácara localizada à Avenida Dom Pedro II (Graciosa), 8900, onde foram abrigados de forma provisória animais apreendidos em operação conjunta entre a Polícia Civil do Estado do Paraná e o Departamento de Proteção Animal do Município de Quatro Barras”, complementa.
Ao mencionar as condições da qualidade de vida e nível de bem-estar dos cães alojados no canil, o relatório indica que “os cães, apesar de se apresentarem ativos e com aparência saudável, estão em baixo nível de bem-estar, podendo progredir para situação de maus-tratos” e solicita que “alguns pontos como conforto e saúde” sejam “readequados com urgência para que essa progressão não ocorra”.
Em relação à chácara utilizada como abrigo provisório dos cachorros resgatados pela Polícia Civil do Estado do Paraná e pelo Departamento de Proteção Animal do Município de Quatro Barras, “observou-se que 16 baias anteriormente utilizadas para abrigar pássaros foram utilizadas para abrigar 52 cães”. “Os animais foram transferidos desta chácara para o canil municipal no período entre 06 e 07 de maio de 2021, e conforme informações fornecidas pela caseira da propriedade, Sra Alexandra Aparecida dos Santos, neste período ocorreram quatro óbitos de cães, devido a brigas entre eles, sendo estes animais enterrados na própria chácara”, diz o documento.
Protetores denunciam abandono de cães doentes e mortes
Os protetores de animais afirmam buscar, há meses, notícias dos mais de 100 cachorros resgatados após a prisão de Cristiane Fortes e denunciam a morte e o abandono de cachorros doentes.
“Resgatamos três animais abandonados no mato, cheio de bernes. Encontramos corpos de cachorros apodrecendo, com urubus”, disse à ANDA a ativista que integra o grupo. Segundo ela, os resgates ocorreram nas imediações da chácara para onde parte dos cães foi levada após a prisão de Cristiane.
“A gente continua sem ver os cães. Hoje a prefeitura está doando os cães e a gente continua sem poder vê-los. Eles não nos autorizam”, lamentou a ativista, que disse ter nutrido esperanças de que o caso se resolvesse após o Ministério Público de Curitiba atestar as condições inadequadas nas quais os animais eram mantidos, mas que novamente ficou desesperançosa depois que a ocorrência foi repassada para o Ministério Público da região de Quatro Barras. “Fizemos inúmeras denúncias e eles nunca fizeram nada”, criticou.
Conflito de interesses
Ao criar o abaixo-assinado, o grupo de ativistas questionou um possível conflito de interesses ao defender que não havia razões para prender Cristiane Fortes por maus-tratos, tampouco para alegar que o abrigo dos animais era insalubre e, depois, mantê-los no mesmo local.
Ao relembrar os fatos, os protetores relatam que Pâmela de Oliveira foi estagiária, há alguns anos, da protetora Cristiane Fortes, que neste ano foi denunciada pela servidora pública pelo crime de maus-tratos a animais. “No mês de fevereiro de 2021, Pâmela de Oliveira denunciou uma protetora da cidade de Quatro Barras, tendo sido ela (Pâmela) estagiária anos anteriores na Secretaria do Meio Ambiente, não relatando nenhuma irregularidade a respeito dos cuidados da protetora, que na mesma ocasião era a diretora do Departamento de Proteção Animal dessa cidade”, dizem os protetores no abaixo-assinado.
“Assim que assumiu o cargo comissionado, Pâmela fez a denúncia, levando a protetora à prisão e os 135 cães ficaram sob a tutela de Pâmela Oliveira”, completam os protetores ao relatar o que consta no boletim de ocorrência registrado à época da prisão, no qual Pâmela aparece como fiel depositária dos animais. “Aos seus cuidados animais foram mortos e, conforme relatório do Ministério Público, animais estavam à beira de maus-tratos, mais de 20 desapareceram”, afirmam os ativistas, que finalizam fazendo um apelo: “Não podemos aceitar que pessoas usem vidas inocentes de animais para assumirem cargos em prefeituras ou qualquer outra instituição. Por favor, assinem esta petição pelas vidas perdidas e mais ainda pelas que ainda estão vivas!”.
A protetora que concedeu entrevista a ANDA questiona se Pâmela de Oliveira não irá “responder pelo sumiço dos animais que ela era fiel depositaria representando a prefeitura” e pede que ela seja afastada do cargo. “Estamos fazendo um abaixo-assinado pedindo a investigação e a saída dessa moça do cargo de diretora ou qualquer outro cargo de proteção animal. Ela não representa a proteção animal. Ela não cuidou destes cães. Ela denunciou uma protetora e, anos antes, ela foi estagiária dessa protetora”, reforçou.
“Se ela foi fiel depositária e se diz protetora, se diz uma pessoa fazendo parte disso tudo para cuidar dos animais, denunciou alguém por maus-tratos, por que a omissão dela quando os animais estavam morrendo?”, questionou a protetora, que insiste em ter notícias dos animais. “Por que continuamos sem ver os animais? Por que os animais morreram? Por uma denúncia? Por um cargo? Muito triste isso”, completou.
“A gente não está disposto a esquecer isso e deixar os animais sofrendo dessa maneira”, concluiu.
Cachorro se torna símbolo de luta por justiça
Chiquinho Justiça, esse é o nome de um dos cachorros que eram tutelados por Cristiane Fortes e que agora se tornou símbolo da luta dos protetores da região, que afirmam buscar justiça para o caso e defendem que a prisão de Cristiane foi injusta e condenou os cães a sofrimento.
Ao conceder entrevista à ANDA, a protetora de animais expôs fotos de Chiquinho feliz e bem cuidado (confira abaixo) como forma de agradecer às pessoas que estão aderindo à petição online. Junto das imagens, há um recado escrito em primeira pessoa, como se estivesse na voz do cachorro.
“Sou Chiquinho Justiça e vim agradecer a todos que assinaram nossa petição! Sou um sobrevivente desta triste história. Minha protetora foi presa injustamente, ela nos amava e infelizmente tinha poucos recursos, mesmo assim nos cuidou. Fui retirado por protetores dias antes da apreensão de meus amiguinhos, por isso estou vivo e bem! Muitos morreram. Por eles e pelos que se foram vamos lutar por justiça! Muito obrigado”, diz o recado.
Para conferir o abaixo-assinado, clique aqui.