Abandonar e maltratar animais é crime passível de até cinco anos de detenção, segundo a Lei Federal nº 14.064/20. De janeiro a julho deste ano, o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) resgatou 212 animais abandonados das ruas de Belém. Para promover a conscientização da população acerca do assunto, a Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) aprovou, na última terça-feira (16/08), um projeto de lei que institui a Campanha de Conscientização Contra o Abandono de Animais no Estado. A proposta agora segue para sanção do governador do Estado, Helder Barbalho. Contudo, protetores de animais e organizações não governamentais defendem que somente medidas mais rígidas são capazes de frear o abandono de cães e gatos na capital paraense.
Para o autor da matéria, deputado Dr. Galileu, o brasileiro carrega a cultura do abandono. O país hoje contabiliza, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 30 milhões de animais abandonados em todo o território federal. “Vejo animais abandonados e percebo a responsabilidade que temos sobre essa crueldade. Esse projeto cria um mês inteiro de trabalhos para a conscientização da população sobre o abandono de animais e vai possibilitar que o Governo do Estado possa fazer convênios com as prefeituras e com a iniciativa privada, para sensibilizar e dar divulgação ao tema. As pessoas precisam lembrar que um animal adotado um dia vai envelhecer e vai precisar de mais cuidados”, afirmou.
Comovido com a situação dos animais vítimas de abandono, doenças e maus-tratos, Clarion Martins, de 68 anos, tem se dedicado há mais de 15 anos a resgatar e cuidar de cães que encontra pelas ruas de Belém. Conhecido como “Didi dos Cachorros”, ele cuida de cachorros resgatados com o apoio de um triciclo. Os animais estão distribuídos na casa dele e também em um abrigo anexo, localizado no centro da capital paraense.
Há um ano, a equipe de reportagem do jornal O Liberal contou a história de superação de Martins, que passou por dificuldades para manter o trabalho de resgate em meio à pandemia. Hoje, o protetor abriga 62 cães e afirma que os desafios continuam, sobretudo porque casos de abandono são registrados diariamente.
“Imagina uma cidade com 1,5 milhão de pessoas? Todo dia tem registro de abandono. Eu recebo, em média, de 20 a 30 ligações de pessoas denunciando abandono ou falando que não querem mais os animais por diversos motivos. E tem gente que faz chantagem, diz que vai envenenar o animal, jogar na rua, que está velho e não o quer mais. O grande desafio é você deixar de recolher esses animais, como no meu caso, que resgato animais doentes. É de partir o coração quando pedem socorro para um animal abandonado, atropelado, e a gente não pode atender”, desabafa.
“Didi dos Cachorros” acredita que para combater o abandono são necessárias medidas efetivas de assistência aos animais, além de mais apoio aos abrigos e ONGs. “Não temos um hospital metropolitano, um abrigo grande para socorrer os animais. Lei não enche barriga e não paga conta. Eu estou com uma dívida de R$ 5 mil por conta do atendimento de um cachorro que está há 31 dias numa clínica veterinária. Lei também não compra remédio. Igualmente à lei que obriga a pessoa que atropela alguém no trânsito a prestar socorro, deveria ter o mesmo para os animais. Não tem ninguém para fazer isso, todo dia eu recebo pedidos de socorro para cachorros atropelados. Agora se tivesse uma lei que incentivasse as pessoas a socorrer o animal, com certeza seria diferente.”
Conscientização e fiscalização
O projeto de lei pretende alertar a população para as responsabilidades assumidas na guarda ou criação de um animal, além de divulgar os canais de denúncia de abandono de animais. Com a aprovação da proposta, ficará a cargo do Poder Executivo Estadual buscar parcerias e firmar convênios junto a entidades, empresas e demais órgãos da iniciativa privada para a execução de ações de conscientização.
Os abrigos que acolhem cães e gatos lidam de perto com o cenário do abandono animal. Exemplo disso é o abrigo Au Family, localizado no distrito de Outeiro, que hoje abriga mais de mil animais. Constantemente, cães e gatos são abandonados na porta da entidade, deixados dentro de caixas, sacos de lixo, por vezes até jogados por cima do muro que cerca o abrigo.
Para Melissa Matsunaga, voluntária do Au Family, o caminho para a diminuição no número de abandonos é a conscientização da população com relação à castração dos animais, além da execução de projetos de esterilização por parte do Poder Público para os animais de rua e pessoas de baixa renda que não têm meios de arcar com esse procedimento. “Quem tem cachorro ou gato em casa precisa se preocupar em castrar. Hoje, eu entrevisto as pessoas nas feiras de adoção e vejo que elas não têm consciência do quanto a castração é benéfica para o animal, elas ainda vêem como mutilação, e não é isso”, pontua.
A voluntária avalia que a criação de leis é importante, mas é imprescindível a instituição de meios fiscalizadores para garantir a eficiência no combate ao abandono animal. “Eu acredito que toda criação de lei em relação a isso é sempre benéfica, mas pouco funciona na prática, fica tudo na teoria. A fiscalização funciona sim, e a gente vê isso, por exemplo, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, onde atuam aqueles delegados famosos por atuar na causa animal. Aqui em Belém, infelizmente, não se tem isso; aliás, no Pará em geral. Tem a lei, mas não tem a fiscalização, nem um órgão ao qual possamos recorrer e denunciar. Hoje, pra se fazer isso, a gente precisa recorrer à internet e sair compartilhando. Só assim para sermos ouvidos, mesmo existindo órgãos que deveriam estar mais abertos, ter mais canais para receber denúncias”, acrescenta.
Atendimento
Em Belém, o Centro de Controle de Zoonoses é o órgão responsável pela assistência aos animais abandonados. O Centro resgata animais com suspeita de doença zoonótica e também através de fichas de atendimento ao público, onde exista animal atropelado ou com ferimento grave em via pública. Para obter mais informações sobre a atuação do CCZ, os interessados podem entrar em contato pelos seguintes telefones: (91) 3227-2088, (91) 3247-3001, (91) 3344-2350 e (91)3227-0355.
Atualmente, o CCZ mantém o projeto Animal Comunitário, onde cães e gatos são retirados de instituições privadas ou públicas (como universidades e empresas), praças, feiras e mercados livres, mediante solicitação para serem castrados, vacinados, microchipados e depois devolvidos ao local de origem, buscando assim, a melhoria das condições do animal no ambiente. Para solicitar o serviço do projeto “Animal Comunitário” basta entrar em contato com o CCZ pelo telefone: (91) 3344-2350 ou no e-mail [email protected].
O abandono expõe o animal ao sofrimento extremo, deixando-o em total desamparo, desprotegido da chuva, do frio, da exposição ao tempo e sujeito a agressões por outros animais, atropelamentos e maus-tratos. Vale lembrar que nem todos os animais são resgatados ou adotados.
Denúncias de maus-tratos contra animais podem ser feitas pelo número 181, que funciona 24h, ou pelo telefone da Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Animal (Demapa): 3238-1225 (horário comercial).
Fonte: O Liberal