O abrigo público responsável por acolher temporariamente animais em situação de rua foi denunciado por suspeita de negligência e maus-tratos. Inaugurado pelo Governo do Distrito Federal por meio do programa Castra-DF, o espaço funciona desde o fim de junho deste ano. Segundo o relato de protetoras que visitaram o espaço na última segunda-feira (04/08), alguns cães apresentavam sinais de cinomose (doença viral altamente contagiosa) e estavam em baias inadequadas. Também há casos de fuga e indícios de falta de manejo ético e bem-estar básico.
O caso ganhou repercussão na última sexta-feira (08/08), quando protetores de animais divulgaram vídeos gravados no abrigo. As imagens, compartilhadas nas redes sociais, mostram cães em estado severo de desnutrição; outros, com parasitas nas patas e até nos lábios. “O espaço era conhecido por não aceitar visitas de qualquer natureza, especialmente de protetores. Mas conseguimos negociar nossa ida ao local”, conta a protetora Jana Portela Beraldo.
A visita teve como objetivo retirar três cães de uma matilha de onze, capturados durante uma operação da Secretaria de Proteção Animal do DF (Sepan-DF), que já eram monitorados por uma protetora. “Ao chegarmos ao local, vimos uma estrutura bonita e limpa, mas logo chamou a atenção a altura da cerca e das muretas da parte externa das baias destinas aos cães: eram extremamente baixas, propiciando fugas com facilidade”, aponta Jana. Alguns cachorros da matilha, conforme admitiu um funcionário do local, de fato, haviam fugido. O abrigo está localizado em uma área rural entre Brazlândia e Águas Lindas.
“Observamos que entre os sete cães de uma mesma baia, três estavam em estado de magreza extrema, com costelas aparentes, da mesma forma que a oitava cachorra da matilha, localizada na baia ao lado. Na baia dos sete cachorros, havia apenas dois comedouros (vazios) e cães de diferentes tamanhos, amontoados. Presenciamos um dos menores ser agredido por um dos maiores. Vimos, ainda, que todos os cães da matilha estavam infestados de pulgas e carrapatos, mesmo a maioria estando lá há 10 dias ou mais”, revela a protetora.
Além disso, outro ponto que chamou atenção do grupo foi observar uma baia, no meio das demais, sem qualquer tipo de proteção ou isolamento, com quatro cães com indícios de cinomose — olhos repletos de secreção e espasmos neurológicos de corpo e cabeça. Quatro dias após a visita, uma das cachorras resgatadas do abrigo testou positivo para a doença.
“Para tirar a dúvida se ela (a cachorra) porventura já teria levado a doença da rua, testamos um dos cães da mesma matilha que não foi levado pela Sepan (e poderia ter sido infectado pela doença, por ser contagiosa), e o resultado deu negativo, indicando que o contágio ocorreu no abrigo”, aponta Jana.
A expectativa, segundo as protetoras, é que os animais, hoje mantidos no abrigo, passem a receber os cuidados adequados quanto à alimentação, à saúde e ao isolamento e tratamento dos doentes. “Também seguimos aguardando pela captura dos três cães que fugiram do espaço e que, até hoje, seis dias depois, ainda não foram recuperados”, afirma. A estimativa é de que 105 animais vivam no espaço.
Fiscalização
Ana Paula de Vasconcelos, advogada especialista em direito animal e membro da Comissão de Direito Animal da OAB-DF, critica a falta de transparência do espaço que, ao restringir a visitação, impede que a fiscalização seja corretamente executada.
“Os vídeos falam por si só. Os animais estão magros, alguns, visivelmente doentes. Então, não sabemos se havia um tratamento ou não. Isso será apurado por meio de um procedimento do Ministério Público e da investigação da Polícia Civil. Caso seja comprovado o cometimento de crimes de maus tratos, os responsáveis responderão”, destaca a diretora jurídica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal.
A reportagem questionou a Secretaria de Proteção Animal (Sepan-DF) a respeito das acusações. Em resposta, a pasta informou que notificou a Organização da Sociedade Civil (OSC) OMNI Instituto de Desenvolvimento Social, responsável pela execução do projeto, para que adote, de forma imediata, providências voltadas à melhoria das condições de acolhimento e manejo dos animais no espaço utilizado.
Segundo a Sepan, o espaço utilizado é fruto de sublocação realizada pela própria OSC, com custo total de R$ 75 mil para todo o período do projeto. A equipe no local é composta por um médico-veterinário responsável técnico, dois médicos-veterinários plantonistas, dois adestradores, dois tratadores de animais e dois auxiliares de limpeza.
“Determinamos à organização responsável a adoção imediata de providências para corrigir qualquer falha e garantir o manejo adequado dos animais. A Sepan está fiscalizando de forma rigorosa e não medirá esforços para assegurar que o espaço atenda plenamente às condições exigidas de acolhimento e bem-estar”, afirma a secretária da pasta, Edilene Cerqueira.
Ao Correio, o instituto OMNI defende que os animais mostrados nos vídeos pertencem a matilhas registradas em ocorrências de ataques a pedestres e a animais silvestres. “Por não se adaptarem ao convívio em baias, esses animais permanecem soltos em um lote de 30 mil metros quadrados, onde têm espaço amplo para se exercitar e vivem de forma segura, monitorada e adaptada às suas necessidades”, argumenta a presidente da OSC, Elisângela Araújo.
O Instituto ainda afirma que partes do vídeo compartilhado com a imprensa foram manipuladas e contêm imagens que não se referem ao albergue. “Essas inserções distorcem a realidade e não representam nossas práticas. As gravações originais não foram feitas em nossas dependências”, declara.
“As acusações de maus-tratos são infundadas e serão desmentidas por meio dos protocolos que registram todos os atendimentos e procedimentos realizados. Sempre que algum animal apresenta alterações clínicas, é imediatamente isolado e encaminhado à clínica de apoio para tratamento. Todos os cães passam por avaliações diárias, exames e controles parasitários internos e externos a cada 15 dias. Todos os animais atualmente no albergue estão em período de quarentena. Nesse processo, mesmo aqueles sem sintomas, mas com testes positivos, são isolados preventivamente e tratados numa clínica veterinária”, completa a presidente.