Preservar vários fragmentos pequenos de habitats ou poucos fragmentos grandes? Conhecido pela sigla SLOSS, do inglês Single Large Or Several Small (um único grande ou vários pequenos, em tradução livre), o debate sobre conservação foi tema de uma publicação na revista Nature, que buscou fornecer uma síntese global da discussão. Com dados de 4.006 espécies de vertebrados, invertebrados e plantas em 37 locais pelo mundo, o trabalho comparou as diferenças de biodiversidade entre paisagens contínuas e fragmentadas.
Participaram do trabalho Thiago Gonçalves-Souza, da Universidade de Michigan, além de pesquisadores de 27 instituições dos Estados Unidos, Brasil, Alemanha, Reino Unido, Argentina, Austrália, Suíça e México, incluindo a USP.
Para comparação, investigou-se a diversidade alfa (α), beta (β) e gama (γ) desses locais. A alfa se refere ao número de espécies em uma mancha de hábitat, enquanto a beta se refere a como a composição de espécies muda entre duas áreas de hábitat; já a gama, à biodiversidade em toda uma paisagem. Em média, paisagens fragmentadas apresentaram 13,6% menos espécies em uma escala dos fragmentos e 12,1% menos espécies na de paisagens. A fragmentação diminuiu o número de espécies em todos os grupos taxonômicos e o aumento na diversidade entre duas áreas não compensou a perda de diversidade na escala de paisagem.
“Os resultados vêm para dizer que precisamos ter as maiores florestas possíveis e imagináveis que pudermos.” – Thiago Gonçalves-Souza
Ao Jornal da USP, Gonçalves-Souza afirma que a perda e a fragmentação do hábitat conduzem frequentemente ao declínio do número de espécies localmente, mas a forma como os efeitos da fragmentação mudam na escala de paisagem foi seu interesse. O suposto resgate da diversidade γ (gama) pelo aumento da diversidade β (beta) foi cuidadosamente testado e contestado, o que priorizou paisagens contínuas e grandes florestas para conservação. Apesar disso, o pesquisador alega que “quando não temos fragmentos é pior que termos pequenos. Os fragmentos pequenos têm muita importância. Mas, para conservar a biodiversidade, se tem uma área maior, por favor, protejam”.
Desafios metodológicos
Para analisar as diferenças entre as diversidades alfa, beta e gama o pesquisador inicialmente utilizou uma base de dados chamada FragSat, de fragmentos florestais no mundo inteiro em que pesquisadores coletaram dados de diferentes organismos para entender como respondem à perda de floresta. Porém, havia uma limitação sobre a informação do que se tinha ao redor da floresta. Mais de 90 pesquisadores foram contatados um a um por Gonçalves-Souza para criar a LandFrag, base de dados compilada pelo pesquisador que solucionava esse problema anterior. No total, 121 estudos foram compilados.
Desses 121, ele compilou 37 estudos que comparavam grandes fragmentos florestais com pequenos fragmentos em uma sub-base de dados criada para atender às demandas das pesquisas. “Então, chegamos a um subconjunto fundamental, decidido em conjunto com os principais especialistas, que exigia a participação no artigo de todos que forneciam os dados, pois, sem esses dados, ele não existiria”, afirma o pesquisador. Após a coleta de todas essas informações, o pesquisador formatou os dados para perguntas que não tinham sido feitas pelos pesquisadores iniciais e eram de seu interesse nesse estudo.
Apesar dos desafios logísticos de contatar cada pesquidador, a metodologia também precisou ser alinhada devido à diversidade dos dados coletados. Um dos primeiros problemas apresentados foi o do esforço amostral ao comparar regiões maiores e menores; ou seja, as coletas em pontos diferentes em regiões menores cobrem com maior “esforço” que em regiões maiores em que os pontos de coleta são mais distantes uns dos outros. Uma rarefação – método estatístico de reamostragem – foi feita para permitir a comparação.
Outra complicação foi uma preocupação com a fidelidade dos números da diversidade β (beta) devido à questão espacial. Conforme o pesquisador, fragmentos pequenos por possuírem grandes distâncias entre si também ocupam um espaço maior. Ele dá o exemplo da distância entre o Ibirapuera e a Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, no Butantã, e depois para o próximo fragmento. “Eu só fiz o cálculo dos fragmentos que eram um próximo do outro, ao invés de colocar fragmentos muito distantes um dos outros”, explica.
Outra variável levada em conta foi a antiguidade da fragmentação e seus efeitos nas diversidades alfa, beta e gama. Como muitos fragmentos tinham pouca documentação sobre sua degradação, foram categorizados em desmatados nos últimos 40 anos ou a mais de 100 anos. O resultado observado foi o mesmo para as duas categorias: as áreas grandes ou contínuas têm mais espécies do que as áreas menores fragmentadas. Apesar de parecer uma conclusão lógica, ela vai contra uma lógica que enxerga a fragmentação de forma mais positiva.
Efeito de borda e espécies generalistas
“A ideia é que, quando se fragmenta uma floresta, criam-se novos hábitats com diferentes qualidades e composições de espécies. Com diferentes fragmentos abrigando diferentes espécies, mesmo em pequeno número, a paisagem como um todo ganharia em diversidade”, informa Gonçalves-Souza. Apesar dessa perspectiva, o estudo comprova a falta de ganho na diversidade da paisagem.
Adriano Chiarello, coautor do estudo e professor no Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP aponta ainda para a rápida degradação da qualidade dos hábitats fragmentados devido ao “efeito de borda”. Este consiste no aumento da exposição ao vento, temperatura, ressecamento, invasão de espécies exóticas, entre outros fatores que podem se agravar com as mudanças climáticas.
“As 26 espécies de mamíferos que ficaram no nordeste de São Paulo são generalistas. As específicas já foram extintas, pois dependem ou de ambientes mais especializados ou de grandes maciços florestais.” – Adriano Chiarello
Apesar de voltar aos ecossistemas originais não ser uma proposta viável, ele chama atenção para o Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/2012). O artigo 12 do código define a necessidade de manutenção da Reserva Legal dentro das propriedades rurais com os porcentuais mínimos de vegetação nativa que devem ser preservados. Já o artigo 3º, inciso II, define as Áreas de Preservação Permanente (APPs), que também devem ser protegidas mesmo dentro de propriedades privadas, como margens de rios, encostas e topos de morros.
Esses mecanismos visam a criar conexões funcionais entre os fragmentos para preservação da biodiversidade. Com o avanço da fronteira agrícola sobre a densa floresta amazônica e a devastação apontada em regiões de Mata Atlântica, o papel desses instrumentos jurídicos é fundamental para proteger áreas críticas, pois “quão mais complexo o maciço florestal, mais drástico é o efeito da fragmentação”, alerta Chiarello.
O trabalho Species turnover does not rescue biodiversity in fragmented landscapes está disponível neste link.
Fonte: Jornal da USP