Lançado no último dia 18 de maio, o Projeto Biota Síntese reúne universidades públicas, secretarias estaduais e municipais do estado e do município de São Paulo e organizações da sociedade civil, visando estreitar os laços entre a ciência produzida nas universidades e a realidade do população brasileira, no que diz respeito às questões socioambientais.
Ao todo, 27 instituições compõem o projeto, que se enquadra enquanto um Centro de Ciência para o Desenvolvimento (CCD), que está sendo sediado no Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA) e mantido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
O Projeto Biota Síntese possui uma equipe multidisciplinar que se divide em cinco temáticas. São elas: agricultura e serviços ecossistêmicos; restauração e economia de base florestal; regulação de zoonoses; cidades, saúde e adaptação; e coprodução de políticas públicas.
O objetivo é que o CCD possa subsidiar, por meio da ciência, o desenvolvimento de políticas públicas socioambientais que encontrem saídas baseadas na própria natureza para os principais problemas ambientais que afetam a nossa geração. Como por exemplo, enchentes, secas, abastecimento de água, deslizamentos, doenças infecciosas e polinizadores para a agricultura sustentável.
A meta do projeto é que essas respostas possam ser aplicadas concretamente dentro de um prazo de cinco anos. Além disso, o Biota Síntese está trabalhando em conjunto com o governo do Estado de São Paulo na implementação do Plano de Ação Climática que será apresentado em novembro na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27). O plano prevê, dentre outras metas, a restauração de 1,5 milhão de hectares de florestas até o ano de 2050.
Para entender mais sobre o projeto e seus objetivos, o Brasil de Fato entrevistou Jean Paul Metzger, que é professor do Instituto de Biociências (IB) da USP e diretor do Projeto Biota Síntese.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: O que é o Projeto Biota Síntese, de onde surgiu a ideia da criação desse Centro de Ciência para o Desenvolvimento e, tendo em vista essa meta do Projeto de dar respostas concretas aos desafios colocados no âmbito socioambiental em um prazo de até 5 anos, como vocês pretendem e estão se organizando, planejando fazer esse processo que começa agora, mas que têm uma visibilidade de médio e longo prazo?
Jean Paul Metzger: A ideia do Biota Síntese, que é esse novo Centro de análises e sínteses de soluções baseadas na natureza, surgiu já há uns 3 ou 4 anos. Surgiu da vontade que a gente tinha, de um grupo de pessoas que está na FAPESP, de ter um Centro de Síntese no Estado de São Paulo. Esses Centros de Sínteses são grandes incubadoras de ideias, não necessariamente nas áreas mais aplicadas, pode ser incubadora de ideias mais acadêmicas, mais metodológicas. Enfim, é um local onde grupos interdisciplinares se reúnem, dialogam, conversam e têm novas ideias. Por isso que a gente entende que esses Centros de Sínteses são grandes incubadores de ideias.
Quando ocorreu a primeira chamada de Centros de Desenvolvimento da FAPESP, a gente procurou aliar essa ideia mais ampla que a gente tinha de um Centro de Síntese. Então pensando não apenas em ideias, mas pensando em soluções para os problemas socioambientais. Então aí a gente fez toda uma costura, digamos, de adaptar essa ideia do Centro de Síntese para um Centro de Soluções baseadas na natureza, voltados para os problemas que vão ser postos pelo governo de São Paulo e que estão relacionados, no caso da agenda que a gente combinou, com problemas na área da agricultura sustentável, com problemas na área de planejamento da restauração ecológica, do controle de zoonoses e pensar também na questão de prevenção de saúde em áreas urbanas. Então essa foi a origem, digamos, do nosso Centro, que começou em fevereiro de 2022.
De fato, esse diálogo entre a universidade e a construção de políticas públicas é uma necessidade muito concreta, para que se possa também extrapolar os muros da universidade com a ciência que é produzida lá. Dar esse retorno para sociedade é muito importante. Participam do Projeto Biota Síntese diversas secretarias estaduais e municipais de São Paulo e além desses órgãos públicos, vocês também estão se articulando entre universidades públicas: USP, Unesp, Unicamp, UFSCar, UFABC. Gostaria de saber, na sua avaliação, qual a importância dessa ação conjunta entre diversas universidades públicas e órgãos públicos para que o diálogo entre a produção do conhecimento científico e o desdobramento em políticas públicas socioambientais possa ser uma realidade num futuro próximo?
Eu estou entendendo o Centro de Síntese como uma instituição de interface, como um local seguro onde pessoas da academia, do governo e da sociedade civil possam se encontrar, trocar ideias, ter esse diálogo e trabalhar de forma colaborativa.
Para que isso dê certo a gente precisa trabalhar e pensar conjuntamente nessas soluções desde o início, com grupos pluridisciplinares e interdisciplinares, envolvendo conhecimentos e saberes que vêm da academia junto com os conhecimentos e práticas que estão no governo e na sociedade civil. Então o fato da gente ter um espaço de diálogo é fundamental para a gente conseguir fazer esse planejamento conjuntamente e de forma colaborativa.
Basicamente, o que o centro de síntese traz é um espaço de diálogo e de conversa onde todos os atores podem trazer as suas querências. A gente vai trabalhar junto com o governo, a gente vai escutar a academia, a gente vai escutar a sociedade civil, promovendo, então, novas ideias nesse sentido de soluções baseadas na natureza para problemas socioambientais do Estado de São Paulo.
E diante disso a gente procurou ter essa diversidade, essa pluralidade de atores, tanto da academia, quanto do governo e das ONG’s. A gente tem cinco universidades envolvidas e seis institutos de pesquisa, então a gente tem a academia presente na sua pluralidade com diferentes temáticas. Dentro do governo a gente tem a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, de Agricultura e Abastecimento e de Saúde e também as secretarias municipais de São Paulo, envolvidas. Também uma pluralidade de demandas e de temáticas que vão estar sendo levadas em diferentes escalas, tanto na escala estadual quanto na escala mais municipal e, em termos de ONG’s a gente também têm ONG’s de âmbito internacional, como a WWF, mas a gente tem a SOS Mata Atlântica, que possui uma agenda política muito forte aqui no Brasil.
E a gente tem o pacto de restauração da Mata Atlântica que, na realidade, já é um agrupamento de diferentes governos, ONG’s e academia, voltado para promover essa restauração da Mata Atlântica. Enfim, a gente tem uma diversidade de atores, que é um desafio lidar com tudo isso, mas também é a grande riqueza do Centro, de ter a participação dessa amplitude tão grande de atores.
E além da participação dessas instituições públicas na construção desse Projeto, é muito importante também, como o senhor já citou, a participação da sociedade civil na construção dessas políticas públicas. E aí a pergunta vêm nesse sentido: Como vocês pretendem fazer esse diálogo com as comunidades, sobretudo ouvindo as demandas dessas populações?
Então como você falou né, a gente vai trabalhar com as demandas que estarão postas para a gente. A forma de trabalhar do Centro de Síntese é muito distinta da forma acadêmica tradicional que é movida pela curiosidade dos pesquisadores ou pelas lacunas de conhecimento.
Então a gente vai, obviamente, trabalhar com essas lacunas de conhecimento, mas atrelar essas lacunas de conhecimento com as demandas prementes que estão sendo postas pelo governo, principalmente aqui no caso do governo estadual e também pela Prefeitura de São Paulo.
E aí essas demandas, como falei, elas podem ser de diferentes escalas, elas podem ser mais locais, mais regionais, mais estaduais. Em função dessas demandas, a gente tem que identificar quais são os atores pertinentes a serem escutados e a participarem do processo de co-construção de soluções. Neste momento a gente inclui a sociedade civil através de representações de ONG’s, mas nada impede que, a depender da demanda e do problema que está sendo colocado, a gente venha a conversar com comunidades mais locais.
Mas enfim, o fluxo de trabalho vai ser: olhar a demanda; em função dessa demanda, entender quais são os atores e quais são os conhecimentos que a gente tem que agrupar; por essas pessoas para trabalhar e discutir conjuntamente e, acreditamos que a partir dessas discussões, desses diálogos que devem ocorrer dentro de um espaço de confiança, que a gente consiga de fato, propor novas soluções.
Mas mudando de assunto um pouco agora, Professor: em novembro deste ano o Plano de Ação Climática, que a Biota Síntese está contribuindo na construção junto com o Estado de São Paulo, vai ser apresentado na COP-27 no Egito, que é a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. Queria perguntar para o senhor quais as perspectivas para o desenvolvimento do projeto após a apresentação nessa Conferência mundial?
Então o Estado de São Paulo fez um Plano de Ação Climática. Ele propôs recentemente esse Plano com metas muito ambiciosas de Carbono neutro. O Estado quer se tornar Carbono neutro e isso significa não apenas reduzir as emissões como também aumentar os nossos sumidouros, ou seja, a nossa capacidade de captura desse CO2 da atmosfera. E a gente teve uma demanda explícita do subsecretário de Meio Ambiente, Eduardo Trani e sua equipe, para que a gente trabalhe com o planejamento estratégico do Eixo 4 deste plano.
E este Eixo 4 é o eixo que fala explicitamente da resiliência às mudanças climáticas através de soluções baseadas na natureza, que é exatamente o foco do nosso Centro. A gente já fez uma reunião em maio e vamos fazer uma outra reunião agora em começo de junho, com grupos interdisciplinares incluindo esses três conjuntos de atores: academia, governo e ONG’s para trabalhar nesse planejamento estratégico tanto no embasamento do porquê que é importante a gente ter esse planejamento estratégico de mudanças climáticas, quanto também como que a gente consegue colocá-lo em prática. E aí olhando em particular para a meta que foi posta aí pelo programa estadual Refloresta SP, de restauração de 1,5 milhão de hectares de vegetação nativa até 2050.
Então o grande foco nosso, através da restauração, que é uma das soluções baseadas na natureza, você consegue aumentar a quantidade de sumidouros que a gente tem no estado de São Paulo. Amenizando a questão das mudanças climáticas em função de onde essas matas e essas áreas restauradas estiverem, a gente consegue lidar também com a adaptação aos eventos extremos que vão se tornar cada vez mais frequentes e intensos com as mudanças climáticas.
Então a gente quer utilizar esse reflorestamento para amenizar os problemas de enchente, de deslizamento, de abastecimento de água e da questão das ilhas de calor nas cidades. Então como que a gente consegue, através desse reflorestamento, amenizar esses problemas que vão ser acentuados com as mudanças climáticas.
Enfim, vamos trabalhar nesse planejamento de onde que é prioritário a gente restaurar. Onde a gente tem mais benefícios com menos custo e com melhor governança? Como fazer isso? Qual a melhor forma de fazer isso? Quais são os instrumentos para a gente promover essa restauração? Que tipo de floresta que a gente quer? A gente quer uma floresta multifuncional? A gente quer uma floresta que permita que o proprietário tenha, ao mesmo tempo, um ganho, além da conservação da biodiversidade? E como financiar tudo isso? Quais são os insights que a gente pode ter em termos de financiamento? Porque tudo isso tem um custo que não é baixo. Então o projeto está se debruçando nessas questões. A gente têm um deadline até final de junho para entregar para o subsecretário Eduardo Trani, algumas contribuições para esse plano estratégico do Eixo 4 do PAC. Essa demanda foi posta e a gente está lidando com ela e vai ser o grande primeiro resultado, digamos, expedito, que a gente vai ter, do Biota Síntese. Então a gente está trabalhando firmemente e positivamente para essa agenda.
Já possuem ideias, articulações ou pelo menos vontades em relação à realização do Biota Síntese, ou de projetos semelhantes em outros estados do país, para enfrentar os desafios colocados em outras regiões, em outros biomas, sobretudo com os acúmulos que o Biota Síntese já vem aglutinando aqui em São Paulo?
A gente espera, que a gente funcione como um exemplo, uma inspiração para que outras iniciativas similares ocorram em outros estados, mas como disse pra você a gente está começando. Então acho que a primeira coisa é a gente mostrar serviço, mostrar pra que a gente veio e vamos fazer isso nos próximos anos.
No âmbito nacional a gente tem uma iniciativa similar só que mais ampla, mais de cunho acadêmica, digamos assim, liderada pelo CNPq, que é o Centro de Síntese de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos que está em andamento.
Eu participo do Conselho Científico desse Centro e a gente tem sete grupos de sínteses que foram financiados na primeira chamada. Então a gente já tem uma iniciativa muito bacana, no âmbito nacional e eu acho que isso também vai se consolidar ao longo do tempo, mostrando os primeiros resultados nos próximos anos, mas o que eu vejo, só pra finalizar, é que a gente têm um potencial enorme em termos de conhecimento acadêmico, de pessoal técnico dentro do governo muito bem formado e de uma sociedade civil também muito bem organizada.
Então a gente tem todos os atributos para ter essas instituições de interface como é o Biota Síntese, que permitem criar espaços de diálogo entre esses diferentes setores para tanto apoiar políticas públicas socioambientais, quanto pra pensar de uma forma mais ampla, novos insights, novas ideias. Então a gente tem todo o potencial para que isso, de fato, ocorra e eu espero muito que o Biota Síntese, no âmbito estadual, e o Simbiose, no âmbito nacional, sirvam de exemplos, para novas iniciativas com essa mesma perspectiva. Espero que tenha dado um pequeno sabor do que será o Biota Síntese e que isso inspire outros Centros, outras pessoas para trabalharem nessa mesma direção.
Fonte: Brasil de fato