Há cerca de 30.000 anos, povos da Idade da Pedra decoraram uma caverna, hoje conhecida como Cueva de los Casares, no centro da Espanha, com imagens de humanos acasalando (as mais famosas), formas geométricas e animais. O animal esculpido mais popular é o cavalo selvagem.
A Cueva de los Casares exibe pelo menos duas dúzias de imagens de cavalos selvagens. Eventualmente, esses cavalos da época do Pleistoceno desapareceram — provavelmente abatidos para alimentação ou domesticados. Mas cerca de 10.000 anos depois, os cavalos selvagens voltaram ao centro da Espanha — desta vez para ajudar no controle de incêndios descontrolados e trazer oportunidades econômicas para uma região que enfrenta dificuldades.
Em 2023, a Rewilding Spain, parte da rede da Rewilding Europe, trouxe os primeiros 16 cavalos-de-przewalski (Equus ferus przewalskii) da França para o planalto da província de Guadalajara, na Espanha, uma das partes menos povoadas do país. Extinto na natureza outrora, o cavalo-de-przewalski é o último cavalo totalmente selvagem do mundo, geneticamente distinto de todos os cavalos domesticados. Originários da Mongólia, eles foram reintroduzidos (rewilded) em vários países da Europa.
“Foi uma sensação incrível… trazer esses animais para cá”, diz Pablo Schapira, líder da equipe da Rewilding Spain. Antes de retornar ao seu país de origem, Schapira passou doze anos na África trabalhando com a ONG African Parks, inclusive em reintroduções de espécies.
Ele diz que fazer reintroduções em seu país de origem “foi incrível porque eu não achava que fosse possível”.
Hoje, o projeto tem 35 cavalos-de-przewalski.
E não é a única espécie reintroduzida pela Rewilding Spain. A equipe também trouxe gado Taurus. Desenvolvido pelo Taurus Project, esses bovinos são feitos para serem o mais semelhantes possível aos extintos auroques (Bos primigenius) que outrora vagavam por grande parte da Europa, Ásia e Norte da África. Além do cavalo-de-przewalski e do touro Taurus, o projeto também tem vários cavalos semisselvagens.
“Em algum momento da pré-história, esses animais começaram a diminuir em número, a recuar, e a pecuária apareceu… que de certa forma substituiu seu papel”, diz Diego Rodriguez, gerente de monitoramento do projeto.
Mas no século passado, as pessoas largaram a pecuária; a população diminuiu conforme a maioria se mudou para as grandes cidades em busca de oportunidades.
Trazendo de volta a ecologia perdida para combater incêndios
Em julho de 2005, um incêndio devastador se espalhou por parte da região, queimando 13.000 hectares (mais de 32.000 acres) e matando 11 moradores que tentavam combater as chamas.
“Com a mudança climática, vamos ter cada vez mais incêndios”, diz Rodriguez.
A Rewilding Spain afirma que os cavalos-de-przewalski, os touros Taurus e os cavalos selvagens podem ajudar a regular a gravidade dos incêndios em uma era de crise climática. Mas como? Simplesmente cumprindo seus papéis ecológicos — em alguns casos, papéis perdidos há dezenas de milhares de anos.
Apesar de todos esses animais serem herbívoros, cada um deles, combinado com os veados locais, desempenha um papel único no ecossistema, criando heterogeneidade e nichos ecológicos para uma maior diversidade.
“É importante observar os papéis de todos na paisagem e ver que existem diferentes níveis e diferentes funções”, diz Schapira.
Os cavalos, por exemplo, comem quase exclusivamente grama, incluindo grama alta que muitos outros animais são incapazes de devorar, diz Schapira. Os veados, já parte da paisagem, não são capazes de comer a grama alta, mas pastam a grama curta.
“Você precisa dos cavalos para encurtar a grama”, diz Schapira, caso contrário, a grama alta se espalha, dando ao fogo uma maneira fácil de se mover pela paisagem.
Em seguida, vêm os touros Taurus. “O que o cavalo não faz, e os veados também não, é abrir as áreas”, diz Schapira.
Os touros Taurus semisselvagens podem substituir o gado doméstico que outrora esteve aqui por séculos, antes do abandono da pecuária.
“Ninguém quer continuar criando gado extensivamente porque é uma vida difícil, porque não é realmente lucrativo”, diz Schapira. “É difícil competir com os grandes pecuaristas.”
Os Taurus, maiores, mais selvagens e mais resistentes do que seus primos domesticados, comem galhos e arbustos e são capazes de derrubar pequenas árvores e cavar a terra com seus chifres.
“Eles são como uma escavadeira, sabe?” Schapira diz. Eles podem transformar uma floresta jovem em pé em savana.
Juntos, esses herbívoros criam uma paisagem multifacetada e complicada, que abriga pastagens, savana (incluindo árvores altas) e florestas montanhosas. Isso cria novos nichos para a biodiversidade, incluindo insetos, pássaros e répteis. Também cria uma paisagem mais difícil para o fogo se propagar.
“O fogo também faz parte do sistema”, diz Shapira. Mas devido a décadas de crescimento excessivo da vegetação — por falta de megafauna — e supressão de incêndios, os incêndios agora são mais intensos e muito mais perigosos do que costumavam ser. Some a mudança climática e você tem uma mistura explosiva.
Schapira diz que eles estão vendo o impacto da mudança climática aqui na temperatura: os verões ficaram mais quentes e os invernos, que são os mais frios da Espanha, também estão esquentando. Eles também estão vendo uma diminuição na chuva. Verões mais quentes e secos tornam incêndios explosivos mais prováveis.
Adicionar megaherbívoros de volta à paisagem, pelo menos, muda uma parte da equação do fogo.
“Por paisagem saudável, queremos dizer uma que não seja homogênea, que seja diversa, que possa parar um incêndio porque você tem uma pastagem aqui, um campo cultivado ali… não uma vegetação lenhosa contínua e fechada”, diz Rodriguez.
Com vários tipos de herbívoros lidando com diferentes tipos de vegetação, é menos provável que o fogo queime com tanta intensidade ou se espalhe tão longe. Ao devorar a grama alta, os cavalos criam barreiras naturais contra o fogo nas pastagens, e os touros Taurus reduzem a carga de vegetação em pé ao destruir e desbastar árvores.
Atualmente, a Rewilding Spain tem direitos de pastoreio sobre 23.000 hectares (quase 57.000 acres); sob a lei espanhola atual, os animais são considerados gado, não vida selvagem. O grupo diz esperar ter 30.000 hectares (cerca de 74.000 acres) até 2030. Mas suas ambições são muito maiores.
“O objetivo das Terras Altas Ibéricas é impactar 850.000 hectares”, diz Schapira, ou 2,1 milhões de acres, uma área cerca de um quinto do tamanho da Suíça.
Oportunidade econômica na ‘Espanha Vazia’
Além de trazer de volta a biodiversidade e mitigar incêndios, a rewilding na região tem outro objetivo: trazer oportunidade econômica para uma área conhecida como “Espanha Vazia”. Partes da região têm a densidade populacional da Sibéria, diz Rodriguez, observando que é uma das áreas menos povoadas de toda a Europa.
“Para aqueles de nós interessados em rewilding… pareceu uma boa oportunidade iniciar uma iniciativa aqui, porque essas áreas despovoadas de alguma forma se alinham com o que a rewilding pode trazer, certo? Que é impulsionar a economia por meio de iniciativas que restauram processos ecológicos perdidos”, diz Rodriguez.
Isso começou com a própria Rewilding Spain, que tem 20 funcionários, quase todos da região.
Manuel Villa, o gerente do rebanho, é um deles. Ele nasceu na área, mas trabalhou em Madri por 20 anos devido às oportunidades econômicas de lá. Agora, o projeto o trouxe de volta para casa.
“Estou encantado. De verdade. Estou relaxado, tranquilo, fazendo um trabalho… no negócio da natureza”, diz Villa à Mongabay.
O próximo passo da Rewilding Spain foi entrar em contato com comunidades e empresas locais.
“Para ter o apoio das comunidades locais, as pessoas precisam ver o benefício da rewilding. Elas precisam ver a rewilding como uma alternativa de uso da terra”, diz Schapira.
Ele acrescenta que o grupo agora tem 13 acordos com empresários locais para ecoturismo, incluindo acesso aos cavalos — a única população na Espanha — e outra vida selvagem. O grupo também está concedendo empréstimos a operadoras.
“Por enquanto, demos mais de 200.000 euros [cerca de R$ 1,2 milhão, considerando cotação aproximada] em pequenos empréstimos”, diz Schapira. “Um deles, por exemplo, foi para comprar um carro safari para que [a operadora] possa fazer um passeio safari para ver os cavalos e os touros Taurus.”
Ele acrescenta que a região fica a apenas duas horas de carro de Madri, a cidade mais populosa da Espanha.
A Rewilding Spain também está trabalhando para mudar a narrativa sobre a região, que a mídia retrata como “vazia” e fria.
“Há um enorme patrimônio cultural e ecológico [aqui] do qual as pessoas precisam se orgulhar e sobre o qual precisam saber”, diz Schapira.
Planos futuros
A Rewilding Spain tem grandes planos para a região. Atualmente, está trabalhando para aumentar a população de coelhos, para que em breve possa trazer de volta o lince-ibérico (Lynx pardinus), classificado como vulnerável na Lista Vermelha da IUCN.
“Rewilding é sobre restaurar processos ecológicos perdidos”, diz Rodriguez. “Isso pode incluir animais, plantas, inundações — como restaurar os regimes de inundação dos rios — pode incluir queimas prescritas e qualquer outro processo ecológico que ocorra naturalmente em um ecossistema sem intervenção humana.”
O grupo também está trabalhando para trazer de volta populações de abutre-preto (Aegypius monachus) e quebra-ossos (Gypaetus barbatus) para ajudar a restaurar os animais necrófagos no ecossistema. Ambos os abutres estão listados como quase ameaçados, e sua presença aqui pode ajudar a atrair mais observadores de pássaros para a região.
“Nosso objetivo futuro é que [esses animais] se tornem parte do novo normal nesses ecossistemas, para que não tenhamos que trabalhar aqui para sempre”, diz Rodriguez. “Nossa iniciativa é de longo prazo; temos financiamento comprometido por 20 anos, mas nosso objetivo é que, em algum momento, isso se torne parte da paisagem normal e possa ser mantido apenas pela população local.”
De uma pequena forma, o ecossistema já está retornando ao ilustrado pelos primeiros humanos na Cueva de los Casares. Mais uma vez, cavalos selvagens perseguem uns aos outros. Touros Taurus, substitutos dos auroques, reviram a terra com seus chifres. Em breve, com sorte, linces assombrarão as florestas e bandos de abutres circularão no céu. Não podemos voltar ao passado, mas podemos rewild.
Villa diz que nunca se cansa de ver seu rebanho de cavalos-de-przewalski.
“Eles são especiais”, diz ele. “Para mim, todos os dias que vou trabalhar é como o primeiro: a mesma emoção… Eu sempre digo: ‘Deus, eles são lindos.’ E é isso, nada mais, não consigo dizer mais.”
Traduzido de Mongabay.