Há oito anos, havia quem garantisse que a palanca-negra-gigante (Hippotragus niger variani), que tem os maiores cornos entre todas os antílopes, e que só existe em Angola, estava extinta. Mas o pesquisador luso-angolano Pedro Vaz Pinto acreditou que não, que ainda haveria exemplares na natureza. Por isso foi à procura deles e conseguiu encontrá-los. Agora está envolvido num projeto para a sua conservação.
A caça durante décadas para obter troféus únicos – cornos que chegam a atingir um metro e meio de comprimento -, a guerra civil, a caça organizada para abastecer tropas e tráfico, a par de toda a desordem que os combates implicam, poderiam ter ditado o fim da emblemática espécie, menos de cem anos depois da sua descoberta, em 1916. Mas isso, felizmente, não aconteceu e, dois anos depois de iniciar a sua busca no terreno, a equipe de Pedro Vaz Pinto conseguiu finalmente fotografar uma palanca-negra-gigante. Foi a primeira imagem obtida em 20 anos, no Parque Nacional da Cangandala (PNC), perto de Malanje, 450 quilômetros a leste de Luanda, um dos dois únicos locais onde existe esta espécie nativa de Angola. O outro é a Reserva Integral do Luando (RIL), a uma centena de quilômetros para sul da Cangandala, entre Malanje e o Bié.
Mas essa primeira fotografia foi apenas o início de uma aventura que pode resultar já este ano nas primeiras crias de palanca-negra-gigante no Parque da Cangandala em muitos anos.
Pedro Vaz Pinto nasceu em Luanda, há 42 anos, e aos três foi para Portugal. Lá cresceu e estudou engenharia florestal, no Instituto Superior de Agronomia, mas África foi mais forte. “Voltar a Angola era inevitável”, diz ao DN. Voltou em 2000, ainda antes do final da guerra, como especialista em ecologia, para o Parque da Kissama. Depois a palanca-negra-gigante impôs-se. Outra inevitabilidade. “Foi como um ímã”, explica. “É um animal de uma beleza incrível, muito raro, um ícone do país”.
Como pesquisador da Universidade Católica de Angola, Pedro Vaz Pinto lançou então um projeto para avaliar o estado da espécie. Mas primeiro era preciso perceber se ela ainda existia.
Entre 2003 e 2005, o investigador e a sua equipe percorreram o parque da Cangandala, que tem 63 mil hectares, e perceberam por vestígios indiretos – excrementos e rastros de passagem – que a palanca-negra-gigante ainda andava por ali.
Em 2004, instalaram câmaras ocultas, acionadas por infravermelhos e, no ano seguinte, foram finalmente recompensados. A alegria acabaria, no entanto, por seguir-se um choque e uma sensação de incerteza.
As observações posteriores mostraram que na Cangandala não restava mais do que um grupo com nove fêmeas e nenhum macho. Por causa disso, as fêmeas há muito que estavam a cruzar-se com uma outra espécie completamente diferente, a palanca-vermelha (Hippotragus equinus), que ocorre por todo o país, e a gerar animais híbridos e subférteis.
Estes, em número de 12, suplantavam já os exemplares puros da espécie e eram a demonstração perfeita de como este animal estava à beira do fim.
“Este cruzamento da palanca- negra-gigante é uma situação extrema”, explica Pedro Vaz Pinto. “Até hoje”, adianta, “era conhecido um único caso de híbrido entre palanca-negra-vulgar e palanca-vermelha, no Parque Kruger (África do Sul) e nós identificamos 12 casos”. Sem machos na manada, as fêmeas da Cangandala só poderiam reproduzir-se dessa forma.
Era preciso agir depressa e a única hipótese era encontrar um macho na reserva de Luando e levá-lo para o parque da Cangandala. Mas, em 2008, desconhecia-se virtualmente quantas palancas-negras-gigantes haveria nos 828 mil hectares da reserva, e foi preciso lançar essa busca. Iniciou-se então uma corrida contra o tempo, para tentar salvar esta espécie criticamente ameaçada.
Em maio e junho do ano passado, a equipe coordenada por Pedro Vaz Pinto já tinha identificado na reserva de Luando as áreas potenciais da palanca-negra-gigante , mas ainda não tinha encontrado nenhuma manada. Isso acabou por acontecer em agosto. Ao longo de três semanas, os investigadores conseguiram capturar oito machos. Um deles foi transportado de helicóptero para o parque da Cangandala, os outros receberam sistemas de telemetria para serem monitorizados na natureza.
Entretanto, na Cangandala, o macho de Luando e as nove fêmeas foram isolados em 400 hectares vedados, que serão em breve alargados a três mil. As primeiras crias estarão para nascer.
“Penso que chegamos a tempo”, diz Pedro Vaz Pinto, consciente no entanto, de que o perigo ainda não passou. Ao todo, no parque e na reserva, não chegarão hoje a cem as palancas-negras-gigantes. Nos anos 1970 havia cerca de dois mil. Ou seja, de então para cá, desapareceram 95 por cento destes animais.
Fonte: DN Ciência