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PROTEÇÃO

Projeto de lei quer proibir comércio de animais silvestres no Brasil

Os deputados federais Nilto Tatto (PT-SP) e Duda Salabert (PDT-MG) são autores da proposta que tramita na Câmara dos Deputados.

4 de junho de 2024
Isabella Baroni
7 min. de leitura
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Foto: Leonardo Ramos | Wikimedia Commons

Proibir o comércio de animais silvestres de espécies nativas e exóticas no Brasil. Essa é a proposta do projeto de lei nº 1.045/2024 de autoria dos deputados federais Nilto Tatto (PT-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), que desde 1º de abril está em análise na Câmara dos Deputados.

Em sua justificativa, o projeto de cinco artigo destaca que o comércio de animais silvestres gera consequências negativas para o bem-estar animal, a saúde pública e a proteção da biodiversidade. A medida, de acordo com o texto do projeto, também ajudaria a combater o tráfico de fauna.

Nilto Tatto destaca-se por sua atuação na área ambiental há mais de três décadas, sendo fundador do Instituto Socioambiental (ISA), em 1994. Em 2014, foi eleito deputado federal por São Paulo e em 2017 presidiu a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara Federal. Como relator, recomendou o arquivamento do projeto de lei nº 6.268/2016 (conhecido como PL da Caça), que pretendia liberar a caça no Brasil. O deputado é o atual coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara dos Deputados.

Duda Salabert é professora de literatura e se elegeu vereadora em Belo Horizonte no ano de 2020. Tornou-se deputada federal por Minas Gerais em 2022. É presidenta da ONG Transvest, que oferece cursos educacionais a pessoas transgênero e travestis. Ele e Erika Hilton são as primeiras deputadas federais transgêneros do país.

Fauna News entrevistou Nilto Tatto sobre o projeto de lei.

Fauna News – No texto do projeto de lei, é evidenciado que a proibição afetará os criadouros comerciais que atuam no mercado de bichos de estimação. Quais foram as motivações que o levaram a apresentar essa proposta?
Nilto Tatto – O texto do projeto de lei Silvestre Não é Pet proíbe a comercialização de animais silvestres nativos e exóticos no Brasil, independentemente de quem esteja comercializando, e não apenas os criadouros comerciais. Esta lei não se aplicaria apenas às instituições de pesquisa, educação ou conservação que necessitem de animais silvestres para fins científicos, educativos ou de preservação, desde que devidamente autorizadas pelos órgãos competentes.

O que nos motivou foi a possibilidade de diminuir ou, em alguns casos, acabar com o sofrimento animal e, ao mesmo tempo, garantir a preservação de espécies e o equilíbrio ambiental. A exploração comercial traz graves consequências para o bem-estar dos animais silvestres, que, ao contrário de cães e gatos, não foram domesticados. Animais silvestres têm necessidades muito específicas, de acordo com sua espécie e a região de onde vem, que não podem ser atendidas em ambiente doméstico.

Além disso, o convívio de um indivíduo com outros da mesma espécie é fundamental para seu próprio desenvolvimento. O isolamento e o confinamento causam enormes transtornos psicológicos, problemas de saúde e de comportamento, causando automutilação e até morte de alguns animais em alguns casos. Para se ter uma ideia, cerca de 80% das araras e papagaios criados em domicílios humanos, arrancam suas próprias penas por estresse crônico. Proibir a comercialização também pode ser uma forma de inibir o contrabando, que representa uma das principais ameaças à fauna brasileira. Tudo isso sem falar dos animais que são adquiridos e depois abandonados, via de regra em locais inadequados, quando não insalubres.

Fauna News – O projeto cria uma proibição para uma atividade que existe legalmente. Em caso de aprovação e sanção presidencial, como o senhor acha que deve ser a transição para que criadouros comerciais legalizados e ativos encerrem suas atividades ou migrem para outra categoria de criação?
Nilto Tatto – Sempre que há a sanção de projetos como esse deve haver um período de tempo para que os comerciantes se adaptem. Penso que esse processo deva ser debatido com honestidade e transparência junto às partes envolvidas.

Fauna News – Após a apresentação do projeto para tramitação, o senhor recebeu algum tipo de pressão dos criadores comerciais?
Nilto Tatto – Desde meu primeiro mandato, quando apresentei relatório contrário ao PL da Caça, tenho recebido críticas e eventualmente até ameaças, veladas ou não. Foi assim também quando protocolei o projeto que proíbe a criação doméstica de pássaros em gaiolas ou a propositura que acaba com os clubes de tiro e com o direito de caçadores, atiradores e caçadores possuírem armas de fogo.

No caso da proibição da comercialização de animais silvestres, como nos outros também, é difícil saber se aqueles que enviam as críticas são de fato criadores, pessoas dispostas a um debate sério sobre uma questão realmente importante ou apenas gente que não simpatiza com o campo progressista e usa qualquer desculpa para nos atacar. As redes sociais se tornaram um ambiente muito fértil para o discurso de ódio, para a propagação de mentiras e até para a perseguição. Por isso é importante encontrar sempre os espaços mais adequados e qualificados para o debate.

Fauna News – Por que o senhor é contra a criação de animais silvestres como bichos de estimação?
Nilto Tatto – Sou absolutamente contra. Vou citar aqui o exemplo dos cães, que ao lado dos gatos são os animais que melhor se adaptaram ao ambiente doméstico. Para que você chegue em casa hoje e o seu cão o receba abanando o rabo e pulando no seu colo, para que você olhe nos olhos do seu pet e tenha a impressão de que ele entende tudo que você diz, foram milhares de anos de adaptação. Isso não se deu do dia para a noite e nem ao longo de uma, duas ou três gerações.

Por outro lado, os animais silvestres, mesmo aqueles que já nasceram em cativeiro, ainda conservam características de animais selvagens, sofrem com o isolamento dos seus semelhantes e com a privação de seu hábitat. A criação doméstica de animais silvestres também representa grave ameaça à conservação das espécies. Sou contra o sofrimento animal e grande defensor da nossa sociobiodiversidade, portanto não poderia ser favorável à criação de animais silvestres como bichos de estimação.

Fauna News – Desde 1967, com a lei nº 5.197, é permitido que criadouros reproduzam e vendam animais silvestres. O senhor considera que a existência dessa permissão pelo Estado leva as pessoas a acharem que não há problemas em criar animal silvestre como pet, reforçando um hábito que persiste por gerações na sociedade?
Nilto Tatto – Com certeza. Muita gente lava suas mãos quando percebe que seus atos, por mais degradantes que sejam, não são crimes previstos em lei. É quase um álibi para seguirem com essas práticas desumanas.

Fauna News – O senhor considera que a comercialização legalizada de animais silvestres para fins de estimação é um incentivo ao tráfico de fauna? Por quê?
Nilto Tatto – Não é a comercialização legalizada que incentiva o tráfico, mas a ideia de que uma pessoa possa ter um animal silvestre em casa. Precisamos lembrar que hoje, os comerciantes legalizados não estão cometendo crimes segundo nosso ordenamento jurídico, mas indiretamente promovem o sofrimento de um número enorme de seres vivos.

Na medida em que o Estado brasileiro assumir a grave ameaça para a conservação das espécies e o grave sofrimento que os animais silvestres enfrentam no ambiente doméstico, não poderemos mais admitir a comercialização desses indivíduos. Este projeto entende que a proibição da comercialização também tornará mais fácil a fiscalização e o controle sobre traficantes e contrabandistas, por exemplo.

Fauna News – Em 2019, o senhor apresentou um projeto de lei (PL 1.487) que buscava proibir a criação de pássaros em gaiolas ou viveiros. Esse projeto, em sua tramitação, sofreu modificações como a inclusão da permissão da “captura de pássaros na natureza mediante prévia autorização da autoridade competente.” Ou seja, houve uma completa alteração no espírito da proposta e tal mudança está tramitando pela Câmara dos Deputados, com chance de ser aprovada. O senhor acha que o novo projeto de lei corre o mesmo risco, já que, com a última eleição houve alterações na composição da casa legislativa?
Nilto Tatto – Dada a composição cada vez mais reacionária do Congresso, esse é um risco que correm todos os projetos apresentados pelo campo progressista. A direita e a extrema direita têm maioria na Câmara e no Senado e o cuidado com a vida, seja ela humana ou não, não está na pauta deles. É claro que nós temos nossas estratégias e sabemos fazer esse enfrentamento, mas nesses casos a melhor ferramenta é a organização da sociedade civil e a pressão popular, de fora para dentro. Só a exposição pública de suas contradições é capaz de fazer deputados ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária, por exemplo, mudar seus votos, porque temem algum prejuízo às suas imagens e a consequente perda de eleitores.

Fonte: Fauna News

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