A 20 quilômetros do Pão de Açúcar, oceano adentro, só o que se vê é céu e mar. Depois de duas horas e meia, o sossego na inalterada imensidão azul é quebrado: “baleia!”, grita um dos tripulantes. E todos correm para a proa do barco. Quase como quem dá um tchauzinho, uma jubarte exibe a imensa nadadeira peitoral. Exemplares como esse avançam a cerca de 50 metros de profundidade pela costa do Rio, em rota migratória acompanhada por pesquisadores. O encontro na superfície, no último dia 24, fez parte da primeira expedição do projeto Baleia Jubarte pela Região Sudeste. Em 36 anos de atividades, a iniciativa acompanhou o crescimento da população desses animais em águas brasileiras, de 1.500 para 25 mil indivíduos.
Mais alguns minutos de espera sob sol a pino e a festa continua: uma dupla passa perto do barco, exibindo a nadadeira dorsal. A cada temporada, tem sido cada mais comum encontrar baleias no litoral do Rio.
“O que mais nos chamou atenção foi que, em todos os dias que a gente saiu, encontramos uma média de oito baleias. Para essa região, nesse período, é muita coisa. Essa frequência é algo novo. Hoje, podemos cravar definitivamente que elas usam a costa do Rio de Janeiro como área de passagem”, explica Eduardo Camargo, coordenador-geral do projeto.
As baleias vêm para o Brasil em busca de águas quentes, já que o mar da Antártida, de onde partem, congela nessa época e elas não encontram mais alimento. Aqui a jubarte se reproduz e cria os filhotes, muitos concebidos na região costeira do Rio. De bebês cariocas da gema, no entanto, ainda não há notícia.
“A gente está muito perto de ver um filhotinho com a mãe aqui no Rio. Se não for nessa temporada, na próxima. Pode esperar”, garante um dos fundadores do projeto, Enrico Marcovaldi.
A jubarte saiu da lista oficial da fauna brasileira de animais ameaçados de extinção em 2014, mas isso não significa que o trabalho de conservação dessa espécie acabou. Quem explica é Liliane Lodi, bióloga marinha e uma das pioneiras da pesquisa com baleias e golfinhos no Brasil:
“Aumenta a população, aumentam os conflitos da interação humana. A tendência agora é ter mais casos de enredamento em redes de pesca, de colisão com embarcação e de encalhes. Nosso desafio é proporcionar um ambiente mais harmônico para os animais.”
Descanso no meio do caminho
Baleias começam a frequentar o corredor migratório do Rio em junho, mas não chegam todas de uma vez. Algumas dão as caras em julho, até em agosto, geralmente em duplas. As visitantes são jovens, de 1 a 3 anos, com 10 metros de comprimento — adultas, alcançam 16 metros, o equivalente a um prédio de cinco andares, e chegam a pesar 40 toneladas.
Especialistas observam que não são todas iguais, a começar pela cauda, a “digital” das rainhas do mar. Enquanto algumas seguem nadando sem parar, focadas, outras gostam de dar uma voltinha, passeando por águas cariocas, reconhecendo o território. Tem até as que cochilam no meio do caminho.
Tentando pensar com a “cabeça de uma baleia”, de repente, com um dia de vento mais forte, correnteza intensa, pode ser que elas descansem. Ou então, com a correnteza mais favorável, talvez fiquem mais dedicadas, para gastar menos energia. Já encontramos algumas bem paradinhas boiando. A gente acredita que estão dormindo — especula Eduardo.
Um ritual nada delicado foi observado por duas vezes pelo grupo de pesquisadores durante as expedições no Rio: uma fêmea “cortejada” por até seis machos.
“Essa foi outra surpresa da expedição no Rio”, disse Eduardo Camargo. “A fêmea é facilmente identificável, fica bem claro que tem um animal que vai à frente e outros vão seguindo. Atrás dela, os machos se alternam, um empurra o outro, pulam, batem com as nadadeiras e com a cauda. Tudo pela posição mais próxima da fêmea.”
O canto, que serve justamente para encantar a fêmea e afastar outros machos, não foi registrado no Rio. As melodias costumam ser ouvidas mais tarde na temporada, a partir do fim de julho. Em pouco mais de um mês, foram avistados 141 indivíduos desde Ilha Bela, em São Paulo, onde começou a expedição pelo Sudeste. No Rio, foram 69 animais. Após 40 dias de trabalho, os pesquisadores voltam para a base, na Bahia, e dão sequência ao monitoramento.
As baleias jubarte sobem pela costa até chegar ao Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, na Bahia, onde foram avistadas as primeiras populações, na década de 1980. Muitas acabam parindo por lá, e ficam para amamentar os bebês, até que tornem-se fortes e ganhem uma boa camada de gordura para aguentar o trajeto de volta. O caminho é longo: são 4,5 mil quilômetros.
“Depois de quatro, cinco meses só nadando, namorando e cuidando dos filhos, elas voltam para a Antártida, onde permanecem de janeiro a maio”, conta Eduardo.
Já ao pôr do sol, após oito horas em alto-mar, a equipe não aparenta cansaço.
“Eu me sinto feliz, realizado. Quanto mais tempo estiver com elas no mar, mais a gente vai poder entender e contribuir. Essas expedições são a alma do nosso projeto”, diz o especialista.
No catamarã de 12 metros que leva a equipe, alguns símbolos contam história. É o caso de uma pequena bandeira da Petrobras: desde 1996, o projeto Baleia Jubarte recebe recursos da empresa. É o mais antigo e o alvo de maior investimento na carteira do Programa Petrobras Socioambiental que, em 2022, vai receber cerca de R$ 110 milhões.
Fonte: Um Só Planeta