Esta semana, na sequência da publicação da Portaria nº 1226/2009, em Portugal –que proíbe aos proprietários de circos a compra e reprodução de animais selvagens e exóticos –, voltaram a estar no centro do debate público conceitos como bem-estar e saúde animal, direitos dos animais e a relação homem/animal. Mas o que se entende por estes termos? Têm os animais direito… a direitos? Que animais? Mas não somos todos, humanos incluídos, animais?
Albert Schweitzer (1875-1965), médico e filósofo alsaciano, percursor da bioética e Prêmio Nobel da Paz 1952, foi muitas vezes alvo de troça por parte dos seus contemporâneos por ter o cuidado de não pisar em insetos e evitar matar os micróbios que observava através do microscópio.
Schweitzer defendia que “tudo o que é vivo tem o direito de viver” e que “nenhum sofrimento pode ser imposto sobre coisas vivas para satisfazer o desejo dos homens”. Muitos, contudo, consideravam exagerada esta visão da “coisa viva”. Não pelo fato de o filósofo defender intransigentemente a vida, mas por valorar de igual modo formas de vida aparentemente tão díspares como a do homem e a do inseto, a do cão e a do micróbio.
Em O Cão do Filósofo, o alemão Raimond Gaita conta-nos como gastou mais de dois mil dólares em despesas veterinárias depois de Gypsy, a cadela da família, ter sido atropelada e do quanto ele e a mulher tiveram de trabalhar ainda mais para poder suportar essas despesas. E questiona-se: “Para pagar despesas médicas das crianças, venderia tudo e trabalharia até à morte se fosse necessário. Mas por um cão?” E continua: “É verdade que, se tivéssemos vendido camisas para cuidar de um peixe-dourado, alguém poderia dizer: “Por um gato ou por um cão, compreenderia. Agora por um peixe?”.
Em termos biológicos, parece não restarem dúvidas de que todos descendemos de um mesmo antepassado. Ou, como refere o biólogo José Feijó, investigador principal do Instituto Gulbenkian de Ciência, “aquilo que nos constitui não é basicamente diferente de uma bactéria, de um fungo ou de um animal”. Há 150 anos, Charles Darwin e a sua teoria evolucionista vieram afirmar isso mesmo, colocando em causa o criacionismo religioso, de raiz judaico-cristã, segundo a qual todas as espécies foram criadas por Deus.
O desenvolvimento da ciência, nomeadamente da genética com os seus estudos do DNA, faculta-nos cada vez mais provas desse antepassado comum. Se assim é, por que razão nos consideramos animais à parte, superiores? “No caso dos humanos, houve uma expansão de uma zona específica do cérebro que nos deu um tratamento diferente das emoções e mecanismos abstratos, como a liguagem e a cultura, mas isso não nos coloca numa posição à parte”, explica José Feijó.
Vítor Almada, responsável científico da Unidade de Investigação em Eco-Etologia do ISPA (Instituto Superior de Psicologia Aplicada), sublinha que “a nossa espécie é um animal entre muitos”. E recorda que há também outras espécies animais, nomeadamente os mamíferos, que “também sonham e que também pensam”. “A diferença coloca-se no tipo de pensamento.
Resta-nos ainda perguntar: os animais também sentem? Também têm sentimentos? No século XIX, nas aulas de anatomia, era comum abrirem-se os animais vivos, sem anestesia, por se considerar que estes não passavam de simples máquinas, ou seja, que os animais não tinham capacidade para sentir dor. “Dor, medo, satisfação, são situações pelas quais os animais também passam”, garante Vítor Almada. “O problema foi que, até cerca de meio século atrás, os cientistas receavam estar projetando nos animais sentimentos humanos”. Uma vez mais, também aqui a ciência, por meio da observação dos sinais exteriores dos animais, nos permite afirmar que estes são igualmente dotados da capacidade de sofrer, de sentir, de criar expectativas.
Ainda de acordo com este investigador, intituivamente, temos a ideia de que há animais mais importantes do ponto de vista moral do que outros. “Não é por acaso que já se realizaram diversas manifestações contra as touradas e a caça, mas nunca vi um protesto contra a pesca desportiva, por exemplo. E os peixes também sofrem”, afirma.
Com informações de Jornal de Notícias