O simples ato de lavar os cabelos com xampu, ou tomar a diária pílula anticoncepcional traz riscos aos animais. Quantidades mínimas de substâncias que compõem medicamentos de uso comum e produtos de higiene pessoal podem ser a origem de diversas alterações em animais pelo mundo, como feminilização de anfíbios e peixes e diminuição de fertilidade em ursos polares e pinguins.
São os chamados contaminantes emergentes, que têm como via principal a água. Após serem usadas ou ingeridas pelas pessoas, caem no sistema de esgoto, passam incólumes pelo sistema de tratamento, e acabam em diferentes ecossistemas.
“A gente tem mais ignorância do que certeza sobre este assunto” adverte Wilson Jardim, pesquisador do Laboratório de Química Ambiental da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A estimativa é que por ano sejam criadas 1.500 novas substâncias, o que de acordo com o professor, não dá tempo para avaliar o efeito de cada uma delas. “Estipula-se que a gente conviva com 100 mil substâncias”, diz.
Em pequenas doses
Estudos recentes, no entanto, afirmam que o hormônio sintético usado na pílula anticoncepcional (17 alfa etinilestradiol), quando atinge o ambiente seja pela urina de seres humanos ou por serem descartados pela privada, pode causar alterações na reprodução de peixes, incluindo a feminilização de machos. Assim como a ocorrência de distúrbios no sistema reprodutor de ursos-polares e pinguins devido à exposição alimentar de uma série de substâncias inibidoras endócrinas.
Outro composto que pode causar a alteração só que em anfíbios é a antrazina, herbicida largamente utilizado na agricultura.
Um contaminante recém-encontrado na costa brasileira é o TBT (tributilestanho), substância anti-incrustrante usada em casco de navios que provoca características sexuais femininas em moluscos machos.
Um bactericida chamado triclosan e encontrado em produtos de higiene pessoal, como pastas de dente, antisséptico bucal, cremes para pele, sabonetes desinfetantes, desodorantes entre outros produtos, é bastante tóxico para os organismos aquáticos, e pode se transformar em dioxinas quando exposto a luz solar.
Todas estas substâncias que são muito solúveis em água e têm ação no sistema endócrino animal. Geralmente são moléculas pequenas que têm o poder de mimetizar alguns hormônios esteróides ou da tireóide, comprometendo assim, os processos reprodutivos de várias espécies.
Sem se alarmar
“Não é uma questão de proibir, porque, proibindo, a indústria terá que substituir por outra substância que talvez não se tenha conhecimento de seus riscos. É preciso saber, mas sem se alarmar. Não é uma coisa irreversível, a gente pode intervir”, analisa Gisela Umbuzeiro bióloga do Laboratório de Ecotoxicologia e Microbiologia Ambiental, da Unicamp.
A pesquisadora lembra que já existe tecnologia para que estas substâncias sejam tratadas nas redes de esgoto, por uso de oxidativos ou por métodos que mineralizam os compostos. “O problema é que ainda são muito caros”, diz.
Wilson Jardim também concorda que não é possível apenas proibir. “Nosso saneamento é deplorável”, diz. O professor também lembra a necessidade de que as cartelas de comprimido tenham apenas a quantidade necessária de acordo com a posologia do medicamento. “Todo mundo tem antibiótico em casa sobrando, não? Um dia ele acaba no lixo ou na privada”.
Trinta anos de um problema grande e variado
Já na década de 1980 observou-se a contaminação de crocodilos no lago Apoka, na Flórida. A exposição contínua de alguns pesticidas, mesmo que em baixas concentrações, teve efeito sobre os ovos da espécie, interferindo no desenvolvimento do sistema reprodutor dos animais, tornando-os inférteis.
A feminilização de peixes em pontos de descarte de efluentes de estações de tratamento de esgoto, o aumento de tumores em peixes de áreas urbanas dos EUA e a formação disforme de larvas do mar do norte da Europa também são considerados efeitos causados pela presença de interferentes endócrinos contidos nos contaminantes.
Fonte: iG