Por Rachel Dixon
Tradução por Giovanna Chinellato (da Redação)
Eu sempre quis um cachorro. Quando criança, eu ficava olhando os classificados de filhotes no jornal, procurando pelo filhote perfeito. Eu implorava sempre para minha mãe “canino-fóbica” por um cachorro, caso ela mudasse de ideia. Isso nunca aconteceu – apesar de tê-la convencido a aceitar um hamster.
O que eu não entendia era que aqueles border collies que eu admirava no jornal – juntamente com os labradores, cocker spaniels e centenas de outras raças – eram provavelmente criados em condições deploráveis. Respeitáveis criadores de cães com pedigree raramente anunciam suas ninhadas em jornais ou na internet. A probabilidade maior é que esses cães tenham vindo de fazendas de filhotes.
As fazendas de filhotes – criadouros de grande porte – estão nas manchetes sempre que uma equipe de TV disfarçada expõe um triste caso de crueldade animal. Existe uma onda comum de alívio entre os telespectadores de que foi feita justiça.
Esse alívio, entretanto, é um engano: as exposições são só a ‘ponta do iceberg’. Entidades de defesa dos animais reportam que as fazendas de filhotes estão espalhadas por toda a Inglaterra, com uma concentração maior nos arredores de Wales.
A RSPCA estima que 50 mil filhotes de fazendas sejam importados (ou traficados) da Irlanda para o Reino Unido todo ano, sendo que na Irlanda leis para a criação de cães praticamente inexistem. Uma porcentagem significativa dos aproximadamente 8 milhões de cães do Reino Unido começou suas vidas em fazendas de filhotes.
Numa campanha lançada este mês, a entidade Dog Trust (confiança canina) apelidou essas operações de criação em larga escala de “cães de bateria”. Isso, acredita a entidade, dá uma impressão mais correta das condições de vida dos cães – e frequentemente de morte. O termo fazenda de filhote passa uma ideia um tanto bucólica de filhotinhos correndo por extensos gramados. A realidade, segundo Clarisa Baldwin do Dog Trust, é bem diferente. “Esses lugares são deprimentes: escuros, sujos e fedidos”.
As matriarcas são isoladas e recebem apenas água e comida para permanecerem vivas e procriando. Recebem pouco tratamento veterinário e nenhum exercício, estímulo ou afeto. Elas são engravidadas continuamente até se esgotarem, e, quando não têm mais utilidade, são mortas. O número de funcionários de tais locais também é completamente inadequado: uma campanha do grupo Puppy Love (Amor de Filhote) cita que, em uma fazenda de criação, apenas um funcionário é responsável por mais de 150 cães.
Cath Gillie, assistente de campo e diretora do Dog Trust, testemunhou as condições de uma fazenda de cães pessoalmente. Ela se lembra de mais de 100 cães amontoados em baias; do cheiro – uma mistura de amônia; e o barulho – contínuos latidos implorando por atenção.
“Um cachorro tentou pular de sua baia para meus braços”, ela disse. “Outros estavam nervosos demais e se amontoavam no fundo. Eles não tinham brinquedos, nem caminhas – apenas concreto”.
É difícil estimar os impactos na saúde dos cães que começam a vida em tais condições. Problemas comuns envolvem parvovírus canino, vermes, displasia, patelas deslocadas e problemas cardíacos congênitos. Clare Marklen aprendeu os riscos de saúde da maneira difícil. Ela comprou um Jack Russell em miniatura pela internet. Assim que trouxe o filhote para casa, ele ficou doente, defecando sangue e com diarreia, tendo de ser levado ao veterinário. No dia seguinte, ela encontrou o cão morto em sua caminha.
“Eu fiquei muito brava”, ela disse. “Não pelo dinheiro (£ 295 pelo filhote, fora despesas veterinárias), mas pela vida do animal.”
Marklen, como muitos outros tutores, não tinha ideia de que estava comprando um filhote criado em fazendas comerciais. O anúncio era enganador. O filhote que ela recebera não tinha nada a ver com aqueles da foto, os criadores sequer deixaram que ela visse os pais, e o filhote parecia jovem demais para ser vendido. Mas ela não podia suportar deixar um filhotinho naquele lugar imundo, com tutores largando cães no térreo e gatos no segundo andar.
É um erro que muitas pessoas cometem, dizem os ativistas. Embora bem intencionadas, acabam patrocinando o comércio e condenando mais fêmeas a vidas que não merecem ser vividas. Além de denunciar os criadouros para as autoridades locais, as pessoas devem adotar os animais – nunca comprá-los, pois não são mercadorias, e o número de bichinhos abandonados que aguardam um novo lar é grande.
Problemas físicos e de saúde correspondem a apenas um lado da moeda. Cães criados em fazendas comerciais têm sua saúde mental igualmente abalada durante suas primeiras semanas de vida e desenvolvimento. Privar um cão de contato com outros animais e humanos impede que o filhote se socialize – o que faz com que não saiba como lidar com os donos ou outros cães. Quando um filhote tenta aprender maneiras sociais em sua nova casa, as raças diferentes reagem diferente, e para alguns pode até ser tarde demais. Os cães podem se tornar agressivos, ignorar ordens dos tutores, ou o inverso, se tornarem apegados demais. Fêmeas de fazendas de filhotes tendem a rejeitar os bebês e eventualmente atacá-los.
Gillie acredita ser esta uma ironia cruel, que humanos selecionaram raças para companhia e agora estejam privando os cães dessa mesma necessidade. Não é surpresa que tais cais apresentem problemas de comportamento. Como Gillie mesma explicou, eles nunca “aprendem a ser cães”.
Então o que pode ser feito a respeito do comércio? Enquanto especialistas se dividem ao discutir se as leis estão ou não adequadas, todos acreditam que o problema é urgente. Inspetores locais não têm o conhecimento necessário; eles não têm funcionários suficientes nem recursos necessários; é muito fácil para os criadores falsificar documentos.
Eu parei de olhar os classificados anos atrás e, como moradora de apartamento, ainda não estou pronta para realizar meu sonho de criança. Mas, quando estiver, ligarei para o Kennel Club ou visitarei um abrigo para animais. Fazendas de criação não são lugar para filhotinhos.
Fonte: Guardian UK