Provoca náuseas a leitura das páginas de agronegócios dos jornais. O desrespeito ao planeta e aos animais é tanto que políticos, economistas e empresários se submetem a protagonizar a ridícula dúvida sobre salvar os bancos ou o meio ambiente. É sórdido o descaso com a vida animal consolidado no falido modelo neoliberalista de agronegócios. Mas mesmo com a perspectiva da irreversibilidade da crise paradigmática em evidência pela situação dos mercados financeiros, percebe-se a insistência no modelo fracassado. Num olhar rápido pelas páginas econômicas destacam-se termos cruéis mas corriqueiros à balança comercial como a oferta de animais terminados, a estagnação das escalas de abate, a exportação de bois vivos e o preço da arroba – que em português traduzido quer dizer 15 kg de carne, em geral arrancada do animal ainda vivo.
As contas macabras dos atores do agronegócio passam por eventos como o encontro entre Brasil e União Europeia, que durou o dia todo em 13 de novembro, em Bruxelas, onde foi discutido um acordo sobre a distribuição das cotas para as exportações brasileiras de cortes de frango salgado. Segundo o jornal Valor Econômico, “entre janeiro e outubro, o país exportou U$ 1,6 bilhão do produto para os europeus, totalizando 554,6 toneladas”. Não, ninguém exibe números sobre as condições de vida destes animais, a quantidade de hormônios injetadas, o sofrimento a que são submetidos, o fator antiético de apropriação e reprodução de seres vivos para obtenção de lucro, a poluição ambiental resultante da criação, abate e acúmulo de resíduos, a contaminação dos mananciais aquíferos e o consumo de água e grãos que o país desperdiça no processo.
O agronegócio nos impõe seus números como realidade inata, geradora de lucros, necessária para manter elevado o PIB e esconde a “coisificação” animal, muito bem maquiada e solidificada em imagens publicitárias forjadas de alimento saudável e crescimento econômico do país. É devido a esta cultura de desconsideração aos animais que se vê a legitimação da barbárie cometida diariamente contra seres vivos que sente dor, medo, fome, frio e que não podem verbalizar seu igual direito a se integrar à proposta ecossistêmica, tão em foco na aparente tomada de consciência da onda de sustentabilidade que mobiliza teóricos no mundo inteiro.
O resultado do modelo econômico de exploração animal é mais um grande erro no modelo suicida de consumo que nossa civilização inventou. Sucumbimos a um mundo regido pela economia e é isso que precisamos urgentemente rever. Sob o parâmetro especista, julga-se que determinados seres vivos são úteis para a geração de lucro e podem ser enclausurados, explorados e devem fornecer bens físicos como ovos, pele, penas, lã, leite, mel ou a própria carne, além de serviços de tração, entretenimento, vigilância e “voluntariado” para experiências científicas em laboratórios. Em tempo: qualquer discurso sobre sustentabilidade e futuro do planeta passa pela eliminação do uso e consumo de animais. Sem isso não se pode falar em equilíbrio entre os ecossistemas.
O debate sobre os direitos animais passa pela economia política da sustentabilidade. Mas as teorias, especialmente as econômicas, ainda estão longe de excluir o especismo. Muito já se faz no setor para conscientizar sobre os direitos dos animais e cito um exemplo creditado ao PETA – People for Ethical treatment of Animals –, que nesta semana ganhou as páginas econômicas dos jornais. A prática de mulesing adotada por criadores australianos de ovelhas poderá levar ao boicote de toda a lã produzida naquele país se não for abolida. O mulesing é uma forma de mutilação da pele do traseiro das ovelhas, provocada para prevenir infecções causadas por larvas e insetos. Dizem os criadores que aplicam spray anestésico em cada animal, mas é desta forma cruel que os australianos estimam dominar atualmente cerca de 85% do mercado mundial de lã para confecções, segundo o jornal Valor Econômico. O prazo dado pelo PETA é para que até 2010 tal forma de exploração seja eliminada e faz campanhas comunicacionais em favor do boicote à lã daquele país.
Filosofia sustentável da boca pra fora
No campo das ideias para um planeta mais sustentável, Lester R. Brown – fundador do Wordwatch Institute e do Earth Policy Institute – é considerado um dos mais influentes intelectuais do mundo. Sua obra enfatiza o ponto de vista sistêmico de nossa existência no planeta, destacando a interdependência dos ecossistemas, em especial a conexão Terra-economia. Esta proposta foi, sob alguns aspectos, abordada de forma inovadora no livro Eco-economia, de 2003. Entre os temas específicos que tornaram a obra tão reconhecida foi seu convite para que a sociedade repense seu impacto no planeta e busque formas renováveis e limpas de geração energética e de combustíveis, transporte e destino de resíduos sólidos. Mas a sustentabilidade sempre vem acompanhada de ideias capitalistas que contribuem para a maximização do lucro e a eficiência produtiva, descartando a atenção aos direitos animais.
Para promover a integração ecológica, Brown evoca até o controle populacional para o equilíbiro do planeta: dois filhos por casal seria o ideal. Mas na questão dos direitos animais a sua eco-economia ainda é insustentável: não funciona da boca para dentro. Animais são considerados pelo autor como fonte de alimentação e a sugestão que faz para seu “uso” máximo é a criação em confinamento. Em momento algum o autor se desliga do especismo, mesmo consciente de que “se criou uma economia fora de sincronia com o ecossistema do qual ele depende”. Por esta razão evoco uma eco-economia animal, como uma forma de rever conceitos excluídos da eco-economia. Creio que “a economia global atual foi formada por forças de mercado e não por princípios de ecologia”, como diz Lester, e já passamos do momento de mudá-la.
Enquanto os eco-economistas insistem em explorar os animais acreditando que a lei da oferta e da procura deve ser perpetuada, percebo claramente movimentos sociais crescentes na contramão desta percepção estática, como o vegetarianismo, o veganismo e o ativismo em favor dos animais. Muito mais engajados do que aqueles que raciocinam o mundo pela via dos fluxos lineares da oferta, os grupos de apoio ao fim da exploração animal têm adotado estratégias competentes na etapa da demanda da lógica mercadológica. Estimulando, por exemplo, a eliminação do consumo de produtos que exploram animais, a oferta terá de ser revista. Enfim, a proposta para uma atitude de consumo seletivo e consciente, e que cresce a cada dia, pode afetar as condições de produção em todos os setores, do fim para o começo. Sem demanda, a oferta terá que ser revista. Lester Brown quase percebe isto. Ele reconhece que “para aquelas pessoas que vivem no nível alto da cadeia alimentícia, o deslocamento para um nível mais moderado melhoraria não apenas a sua saúde, mas também a saúde do planeta”. Apesar de ainda citar apenas a redução do consumo de carne para um nível médio num determinado segmento social, sem sugerir eliminá-lo completamente, o autor prevê que é fundamental diminuir o consumo de produtos animais, começando imediatamente pela alimentação.
Eco-economia animal
A eco-economia mostra que “os déficits econômicos são o que tomamos emprestados uns dos outros; os déficits ecológicos são o que retiramos das gerações futuras”. A pergunta é em que lugar desta teoria foi alocado o direito aos animais de não serem explorados e devorados para o prazer de consumo humano. Há que se estender o debate e a ação nas etapas de consumo para mostrarmos que queremos novos rumos para a sociedade, baseados numa nova proposta, a eco-economia animal. As futuras gerações de todas as espécies aguardam que mais pessoas possam atender a este convite. “A conversão de nossa economia numa eco-economia é uma tarefa gigantesca”, conclui Brown. E, reconhecidamente, começa com uma conversa sobre ética com os economistas.