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FOME

Por que tantas baleias estão comendo sacolas plásticas?

9 de abril de 2025
6 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Para encontrar alimento na escuridão, as baleias que mergulham fundo contam com seu sonar embutido, que emite ondas sonoras em presas em potencial para revelar sua localização. Mas, para essas baleias, o lixo plástico que flutua no oceano também pode “soar” como uma deliciosa lula.

Um novo estudo sugere que os detritos plásticos, como sacolas de compras, apresentam “ecos” notavelmente semelhantes aos das lulas – provavelmente devido a alguma combinação de sua forma, tamanho, grau de intemperismo e composição química, escrevem os autores.

As estimativas variam, mas é provável que milhões de toneladas métricas de plástico entrem nos oceanos do mundo todos os anos, totalizando dezenas de trilhões de fragmentos de plástico.

À medida que permeia os ambientes oceânicos, também está aparecendo nas entranhas dos mamíferos marinhos em centenas de casos relatados, danificando seus tecidos estomacais e causando infecção, sufocamento e desnutrição até o ponto de morrer de fome.

Baleias em todo o mundo carregam dezenas de quilos de lixo plástico em seus estômagos, uma prova desse problema generalizado.

“Certos animais parecem ser quase incapazes de não comer plástico no oceano”, diz Matthew Savoca, explorador da National Geographic e biólogo marinho da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, que não participou do estudo, mas conhece o tema.

“Não é porque esses seres são estúpidos”, diz ele. “É porque o plástico deve ser muito confuso em um monte de canais sensoriais diferentes.”

Para animais como as tartarugas marinhas, estudos indicam que os sacos e filmes plásticos que se espalham na água podem simplesmente parecer semelhantes a alimentos como águas-vivas e lulas. Já outras pesquisas sugerem que tubarões e peixes também podem confundir plástico com presas devido a sinais visuais.

Mas essa teoria não funciona para baleias-bicudas, cachalotes – que estão listadas como vulneráveis pela União Internacional para a Conservação da Natureza – e outras espécies que caçam por ecolocalização a milhares de metros abaixo da superfície, onde é impossível ver qualquer coisa.

Assim, os cientistas começaram a descobrir por que eles também estão ingerindo tanto plástico.

“Elas sentem dor, estão morrendo de fome, mas acham que estão comendo, então não entendem o que está acontecendo”, pontua Matthew Savoca, explorador da National Geographic e biólogo marinho.

Como funciona o sonar das baleias

As chamadas baleias dentadas de mergulho profundo, ou odontocetos, vibram os lábios fônicos abaixo de seus espiráculos para gerar som e, em seguida, projetam-no por meio de um órgão gorduroso na testa chamado melão.

À medida que o som ricocheteia em objetos no escuro, as gorduras nas mandíbulas inferiores das baleias o direcionam para seus ouvidos internos, permitindo que elas localizem a presa a centenas de metros de distância.

“O som começa como um clique”, diz o líder do estudo Greg Merrill, estudante de doutorado em mamíferos marinhos da Duke University, nos Estados Unidos. Mas, à medida que a baleia se aproxima, os cliques “se tornam muito rápidos, a ponto de se misturarem e parecerem mais um zumbido”.

Para o estudo – publicado em outubro pela publicação científica “Marine Pollution Bulletin” – Merrill e seus colegas reuniram nove itens plásticos: sacolas, balões e outros lixos comuns encontrados nas entranhas das baleias nas praias do estado da Carolina do Norte, também nos Estados Unidos.

Trabalhando em seu navio de pesquisa em maio passado, a equipe amarrou os itens a um equipamento embaixo do barco e os atingiu com ondas sonoras em frequências que as baleias dentadas usam para caçar. Eles repetiram o processo em cinco corpos de lula mortos fornecidos pela Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, bem como em cinco bicos de lula retirados do estômago de um cachalote encalhado.

Sacos de plástico engolidos por sucção

Não se sabe se as baleias dentadas de mergulho profundo usam outros meios além da força do eco para distinguir o que é alimento do que não é – mas os especialistas duvidam disso. A sensação bucal certamente não é levada em conta.

“Quando se alimentam, as baleias realmente não mastigam e sentem o gosto como nós… é mais como sucção”, diz Laura Redaelli, estudante de doutorado em biologia marinha no Centro de Ciências Marinhas e Ambientais da Madeira, em Portugal, e principal autora do estudo de junho.

Portanto, quando itens não comestíveis entram em suas bocas, diz a especialista, “é um pouco tarde demais para eles perceberem”.

Mas, afinal, haveria como essas baleias notarem que se trata de um elemento estranho e não de alimento? Redaellli e seus colegas observam que, antes da existência do plástico, qualquer coisa que uma baleia encontrasse nas profundezas do oceano e que produzisse um eco forte o suficiente era provavelmente biológico –e, portanto, comestível.

“Elas não esperam ver nada na água que não seja comida”, diz Merrill, ‘então, se encontrarem algo com um sinal, elas irão atrás’.

Baleias que comem plástico passam pelo “pior tipo de sofrimento”
Savoca, que estuda o consumo de plástico por animais marinhos, há muito tempo suspeitava que o gosto das baleias dentadas por plástico estava ligado ao sonar. Mas, mesmo assim, ele diz: “A força com que [o plástico] imitava suas presas foi um pouco surpreendente para mim”.

Ele adverte que, como não podemos observar as baleias nas profundezas do oceano, os estudos podem não retratar perfeitamente como elas percebem os plásticos na realidade. Mas ele acha que os pesquisadores fizeram um trabalho admirável ao aproximar as condições reais com os meios disponíveis.

E é uma pesquisa importante, considerando a quantidade crescente de lixo no oceano e as consequências para os animais que o consomem.

“É o pior tipo de sofrimento”, diz Savoca. “Eles sentem dor, estão morrendo de fome, mas acham que estão comendo, então não entendem o que está acontecendo.”

Como solução para esse problema, os fabricantes de plásticos poderiam tentar projetar plásticos para que sejam menos semelhantes acusticamente às presas, diz Redaelli, mas ela também reconhece que isso pode facilitar o enredamento das baleias em itens como redes de plástico.

Outra solução seria trocar os plásticos existentes por materiais biodegradáveis que verdadeiramente se decompõem de forma rápida no oceano ou até mesmo no estômago das baleias.

Em primeiro lugar, todos os três especialistas concordam com a necessidade de reduzir a produção de plástico. A abordagem ideal, afirmam Savoca e Merrill, envolve mudanças nas políticas e o desvio de fluxos de resíduos do oceano, especialmente visando itens de uso único desnecessários.

“Talvez possamos esperar que, em algum momento, as baleias aprendam a diferença” entre o plástico e a presa, diz Redaelli. Mas até lá, “quanto mais plástico continuarmos colocando, mais animais morrerão”.

Fonte: National Geographic

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