Os jumentos correm risco de desaparecer no Brasil, alertam cientistas. E campanhas têm sido realizadas no país com o objetivo de coibir a prática. Até a Câmara dos Depoutados recebeu uma iluminação especial com o objetivo de chamar a atenção para o problema. A espécie vem sofrendo nos últimos anos um aumento no número de mortes voltadas para exportação: comparando os períodos de 2010 a 2014 com 2015 a 2019, o crescimento foi de 8.000%. Qual a finalidade do massacre de jumentos? A pele e o couro do animal são produtos de alta demanda no mercado internacional.
A partir de dados do último Censo Agropecuário, feito em 2017 pelo IBGE, a população atual de jumentos no Brasil é estimada em 400 mil animais. Entre 2010 e 2014, foram realizados pouco mais de 1 mil abates em todo país. Já de 2015 a 2019, foram 91.645 mil animais mortos. Na estatística, entram somente os abates registrados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
A preocupação dos pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP) Adroaldo Zannella, Mariana Gameiro e Vanessa Teodoro Rezende, é de que o número seja ainda maior por causa do holocausto clandestino. “Mantido o ritmo atual de mortes, a existência da espécie está ameaçada, pois a taxa de reprodução dos animais não acontece na mesma velocidade”, afirmam os cientistas, que publicaram um artigo sobre o tema na revista científica Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science.
Produto de exportação
O estudo faz uma análise das mortes e das exportações de jumentos entre os anos de 2002 e 20129. Apresenta ainda estatísticas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) sobre as vendas externas de peles cruas e couros de jumentos, cavalos e mulas. No período, os principais destinos das exportações brasileiras eram Itália, Portugal, Hong Kong, Espanha e China.
“Entre 2002 e 2010, foram exportadas, em média, 7.354 toneladas de peles e couros por ano, a maior parte para atender à demanda de países europeus pela carne e couro de cavalos, mas uma proibição da União Europeia fez a média diminuir para 18,3 toneladas anuais entre 2011 e 2020”, apontam os autores do artigo.
Em 2019, as exportações totais foram de 98,8 toneladas, um aumento de 4.640% em relação a 2020. Já os dados mais atualizados do MDIC revelam que em 2021 foram mortos em matadouros legalizados 123.699 equídeos. Este número é quase o dobro dos 64.714 animais que foram para o matadouro em 2019. Os autores acreditam que esse crescimento pode estar relacionado ao aumento da morte de jumentos e da exportação de peles, principalmente para China, Hong Kong e Vietnã.
Da pele do jumento é extraído o ejiao, um tipo de gelatina utilizada como ingrediente em tônicos e cremes faciais antienvelhecimento e em medicamentos da medicina tradicional chinesa para tratar anemia, problemas circulatórios e reprodutivos, insônia, entre outros. Mas sem comprovação científica de eficácia. “O aumento da demanda teve sérias consequências para a população de jumentos na China, que diminuiu 75% entre 1994 e 2018, segundo dados de 2020 da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)”, afirmam Zanella e Gameiro.
Mortes ilegais
A maior preocupação dos cientistas é em relação à matança ilegal, em que não há controle de quantidade e qualidade. Segundo os pesquisadores brasileiros, há uma “ação predatória de captura de jumentos abandonados, roubos, compra de animais a preços irrisórios e transporte que atravessaram o Nordeste do Brasil sem as devidas comprovações de sanidade, colocando em risco a saúde animal e humana”.
O Estado da Bahia despontou como o principal centro de matadouros de jumentos. Pelos dados oficiais, entre 2017 e 2019 foram realizados 84.112 mortes legalizadas. Mas, de acordo com Zanella e Gameiro, o número real deve ser efetivamente maior, em função da ilegalidade.
De acordo com os pesquisadores da USP, não existe uma indústria de abate de jumentos visando à produção de carne ou peles. Assim, sistemas adotados para outras espécies são improvisados, o que pode acarretar no uso de práticas que não atentem para o bem-estar animal.
Fonte: Globo Rural