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Por que minimizar o sofrimento de animais não humanos em decorrência de causas naturais

7 de junho de 2016
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Um pássaro (Turdus pilaris) morto em um troco de árvore. Gravura de 1713 in "The natural history of Carolina, Florida and the Bahama Islands" de Mark Catesby.
Um pássaro (Turdus pilaris) morto em um troco de árvore. Gravura de 1713 in “The natural history of Carolina, Florida and the Bahama Islands” de Mark Catesby.

Refutando o argumento de que não há razão para minimizarmos o sofrimento que tem origem em processos naturais
Um dos argumentos que tenho escutado frequentemente como objeção à proposta de minimizar o sofrimento que os animais não humanos padecem em decorrência de causas naturais é o seguinte: “em relação ao sofrimento que surgem de práticas humanas, há a obrigação de minimizar esse sofrimento, e em relação ao sofrimento que tem origem em processos naturais, tal sofrimento não geraria nenhuma razão para ser minimizado”.
Esse argumento tem um problema grave. O problema aparece assim que perguntamos por que razão deveríamos minimizar o sofrimento que tem origem em práticas humanas. E, a razão só pode ser que o sofrimento é algo negativo (se não fosse assim, não teríamos como saber que devemos evitar causar sofrimento com nossas práticas, ao invés de, por exemplo, promovê-lo). Mas, se é o próprio teor negativo do sofrimento que oferece razões para não se causá-lo com nossas práticas, então isso oferece exatamente as mesmas razões para tentarmos minimizá-lo quando ele tem origem não em práticas humanas, mas, em processos naturais (porque a sua origem não tem influência alguma em seu desvalor: continua a ser uma experiência negativa, quer venha de práticas humanas, quer venha de processos naturais).
E mais: se as razões para minimizar o sofrimento surgem porque ele é algo negativo, então, quanto mais intenso o sofrimento, mais fortes as razões para se minimizá-lo. Mas, isso tem uma implicação muito importante: existem razões mais fortes para minimizar o sofrimento que tem origem em processos naturais toda vez que for mais intenso, em comparação à determinado sofrimento causado por práticas humanas.
Eu acho que, se os ativistas da causa animal reparassem nessa implicação, todo o ativismo da causa animal mudaria completamente.
Refutando o argumento de que sofrimento e morte “fazem parte da vida”
Outro argumento que é frequentemente utilizado por quem é contra minimizar os danos (por exemplo, sofrimento e morte) que os animais padecem em decorrência dos processos naturais é o seguinte; “sofrimento e morte fazem parte da vida, todo mundo que vive vai morrer, e todo mundo, de alguma maneira, sofre; logo, é errado impedir o sofrimento e a morte de causas naturais”.
Parece-me muito difícil defender que, porque algo faz parte da vida, então que daí decorre uma obrigação de não se tentar impedir esse algo. Eu conseguiria compreender esse apelo se tudo o que fizesse parte da vida fosse necessariamente bom. Mas, essas pessoas defendem que mesmo as coisas ruins que fazem parte da vida não deveriam ser impedidas de acontecer (simplesmente porque fazem parte da vida).
Mas, constatar que coisas ruins fazem parte da vida é somente constatar um fato. Só que, logo em seguida se dá um salto para um conclusão que é uma prescrição: “é errado impedir o que é de ruim e faz parte da vida”. Tem alguma premissa normativa oculta nesse raciocínio. Ou a pessoa acha que tudo o que faz parte da vida é bom (o que, como vimos acima, é falso), ou então a pessoa acha que temos uma obrigação de não impedir algo, mesmo reconhecendo que esse algo é ruim (o que é ainda mais difícil de se fundamentar).
E, tudo fica ainda mais estranho porque todo mundo (incluindo os proponentes daquele argumento) se empenha o tempo inteiro em tentar impedir/minimizar o seu próprio sofrimento e retardar a sua própria morte. E, o discurso de que “não devemos impedir sofrimento/morte porque fazem parte da vida” só surge quando se está a falar do sofrimento e morte de animais não humanos (mais notadamente, do sofrimento e morte que surgem de processos naturais). Então, me parece que na verdade o que está por trás dessa atitude é simplesmente especismo.
Refutando o argumento de que minimizar danos naturais que prejudicam animais não humanos é uma imposição antropocêntrica
A proposta de minimizar os danos (por exemplo, sofrimento e morte) que os animais não humanos padecem em decorrência dos processos naturais é frequentemente acusada de que tal impor para os animais valores que eles não compartilham (valores que seriam exclusivamente humanos). Segundo quem faz essa acusação, se deixássemos, ao invés, a natureza seguir o seu curso, isso estaria de acordo com os interesses dos animais, mesmo que isso implique em maximizar o seu sofrimento e o número de mortes.
É muito fácil de perceber o motivo pelo qual esse argumento não funciona. Perceber o sofrimento como negativo e o prazer como positivo não é algo exclusivo de humanos. É algo comum a todos os seres capazes de experimentar sofrimento e prazer (isto é, todos os seres sencientes). Isso é assim porque o sofrimento, devido às suas próprias características, é uma experiência negativa; e o prazer, também devido às suas próprias características, é uma experiência positiva.
Então, é simplesmente falso que ao minimizar o sofrimento de um animal não humano alguém estaria a impor um valor que o animal não compartilha. Para se afirmar que os animais não humanos não percebem o sofrimento como negativo teria de se supor o absurdo de que os animais não humanos gostam de (ou, pelo menos, são indiferentes a) terem o seu corpo todo queimado, serem desmembrados, ficarem doentes, morrerem de inanição, sofrerem a dor do câncer, etc.
Portanto, não faz sentido acusar proposta de minimizar os danos naturais de impor para os animais não humanos valores que eles não compartilham. Mas, pode-se dizer o mesmo da proposta de que devemos deixar a natureza deixar o seu curso, ou de que o que importa é a preservação das espécies, ecossistemas e equilíbrio ecológico, e não o bem-estar dos animais? Esses sim, são valores que apenas (alguns) humanos compartilham. Os animais não humanos não compartilham dos valores ecocêntricos. E, estes valores sim, são frequentemente impostos a eles (através de sofrimento e morte).
O mais curioso é que, se alguém defendesse a exploração humana sobre os animais não humanos alegando que “ah, os animais não se importam em sofrer e morrer”, tal afirmação seria vista como absurda pelos ativistas da causa animal. Mas, quando se trata de minimizar os danos naturais, muitas das pessoas que lutam para acabar com a exploração animal usam exatamente o mesmo argumento de que os animais não humanos não têm interesse em não sofrer e em continuarem vivos. Mas, se fosse assim, o que haveria então de errado com a exploração animal?
Ao que parece, a veneração irracional pelo que é natural faz com que os ativistas da causa animal ofereçam exatamente os mesmos argumentos que repudiam quando são utilizados para defender a exploração animal.
Para pensarmos essas questões com clareza, o primeiro ponto a ser percebido é que a máxima “deixemos a natureza seguir o seu curso” é uma prescrição contrária aos interesses dos animais (mesmo que os defensores dessa máxima invertam as coisas e retratem aqueles que querem ajudar os animais como “impositores de valores antropocêntricos”).

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