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DECLÍNIO

Por que aves estão desaparecendo em áreas preservadas da Amazônia

27 de abril de 2025
Suzana Camargo
8 min. de leitura
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Mãe-de-taoca-de-garganta-vermelha (Gymnopithys rufigula). Foto: Hector Bottai, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Já faz algum tempo que cientistas sabem que vem ocorrendo uma queda na população de aves tropicais. A causa dessa redução era comumente atribuída à degradação e à fragmentação florestal. Entretanto, em 2020, um estudo apontou uma diminuição de certo tipo de aves também em áreas da Amazônia ainda não alteradas pela espécie humana.

Para investigar mais a fundo essa causa, cientistas de instituições brasileiras e norte-americanas analisaram o comportamento de aves insetívoras de sub-bosque, ou seja, aquelas que se alimentam de insetos e vivem mais próximas do solo, em uma área de floresta preservada a cerca de 80 km de Manaus.

pesquisa, divulgada recentemente, confirmou uma desconfiança dos pesquisadores: as mudanças climáticas estão transformando a vida das aves mesmo em áreas antes tidas como refúgios, com microclima mais estável, dossel da floresta intacto e boa oferta de alimentos.

Ao analisar dados de coletas de pássaros dos últimos 27 anos, o levantamento indicou a redução nos números de 24 das 29 espécies estudadas. A principal causa era o aumento do período de secas e a diminuição das chuvas nos últimos anos.

“Esse artigo associa, de maneira inequívoca, as mudanças no clima com a sobrevivência das aves. Até então era uma hipótese, mas essa análise confirma que elas são uma causa importante da morte de pássaros na Amazônia Central”, diz o biólogo Jared Wolfe, professor da Universidade Tecnológica de Michigan (EUA) e autor principal do estudo.

Uma previsão feita por Wolfe e seus colegas aponta que um aumento de 1°C na temperatura média da estação seca amazônica reduzirá a sobrevivência média da comunidade de aves em 63%. E esse pequeno salto no termômetro, que pode parecer mínimo para leigos, mas para animais não é, já foi registrado, de maneira generalizada na Amazônia Central, desde o começo deste século.

O alerta que o estudo traz não diz respeito apenas à diminuição da quantidade de pássaros na maior floresta tropical do mundo, mas também à possível extinção local de espécies e, em longo prazo, seu desaparecimento por completo em outras áreas.

“O que torna a Amazônia tão especial é que ela não foi impactada pelos eventos glaciais da Terra. Há florestas lá por milhões e milhões de anos e isso permitiu que aves evoluíssem ali, na ausência da extinção, fazendo coisas incríveis. É como um playground da evolução, com pássaros exibindo cores e comportamentos fantásticos, como as danças dos tangarás, por exemplo”, explica Wolfe.

Para ele, só foi possível ter esse nível de diversidade e evolução porque a Amazônia conseguiu oferecer estabilidade climática, e isso a fez ser realmente única globalmente. “Obviamente, ao longo desses milhões de anos, essas aves passaram por alterações de temperaturas de 1ºC ou 2ºC. Contudo, elas aconteceram lentamente e permitiram que essas espécies tivessem tempo de se adaptar. Agora estamos falando de transformações rápidas, em 10, 20 anos, e esses pássaros não possuem a capacidade de acompanhar essas mudanças. E isso é muito triste”, lamenta.

Estresse climático e menos alimentos

De acordo com os pesquisadores, existem duas hipóteses para o aumento da mortalidade de aves. “Primeiro, fisiologicamente, o clima mais seco faz com que seja mais difícil para elas sobreviverem. Se está muito quente ou chove menos, esses são efeitos diretos do clima”, diz David Luther, professor da Universidade George Mason (EUA) e um dos coautores do estudo. “Já um impacto indireto seria que há uma menor disponibilidade de alimentos, particularmente os insetos dos quais elas se alimentam.”

O pesquisador acredita, entretanto, que a segunda hipótese seja a mais provável causa para explicar o que acontece na Amazônia. Luther também participou de outro estudo, no Panamá, em que pássaros capturados na floresta eram expostos a temperaturas mais altas, e, para surpresa dos envolvidos, eles pareciam tolerar razoavelmente bem as variações.

O aumento da mortalidade dos pássaros amazônicos então seria parte de um efeito cascata produzido pelas mudanças climáticas. Populações de insetos seriam reduzidas em número e diversidade por não suportarem as temperaturas extremas e a maior aridez do solo, diminuindo, por sua vez, a oferta de alimento às aves.

Impacto é maior entre espécies que vivem mais

Todavia, há ainda um outro ponto levantado pelo estudo. Segundo Wolfe, a alteração no clima amazônico parece estar afetando especialmente aves com maior longevidade. Em geral, os pássaros de sub-bosques tropicais têm vidas mais longas e investem mais na própria sobrevivência do que na reprodução.

“Se há uma menor oferta de alimentos, essas aves provavelmente diminuirão ainda mais seus esforços de reprodução e desistirão por completo, por simplesmente não terão a capacidade energética para tal”, sugere o pesquisador.

O próximo passo dos biólogos é comparar os resultados obtidos agora com um novo estudo que avaliará o declínio de aves em trechos fragmentados de floresta e com um segundo projeto, já em andamento, em parceria com a Universidade Federal do Amazonas, em que uma área está sendo irrigada durante o período de seca para poder analisar a resposta dos pássaros a esse experimento.

“Estamos medindo os insetos, analisando o metabolismo de pássaros para saber quão bem alimentados eles estão e as condições de reprodução para entender como exatamente a temperatura afeta essas regiões de microclima”, ressalta Wolfe.

O que já se tem certeza, e não há mais necessidade de pesquisas futuras, é que, definitivamente, o aquecimento global está afetando a sobrevivência das aves da Amazônia.

“Se as altas temperaturas persistirem e os períodos de seca se tornarem mais intensos, a grande maioria das espécies continuará a diminuir até o momento em que elas não existirão mais”, alerta Luther. “E, à medida que se começa a perder mais e mais espécies, todo esse enorme e complexo ecossistema será impactado.”

Fonte: Ecoa

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