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DIFICULDADE DE ADAPTAÇÃO

Por que até aves comuns agora estão em risco por causa das mudanças climáticas

Novo estudo revela como a tolerância das aves ao clima afeta suas chances de sobrevivência.

15 de abril de 2025
5 min. de leitura
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Foto: Marton Berntsen/Wikimedia Commons

Você pode esperar que apenas aves raras ou exóticas estejam em risco por causa das mudanças climáticas. Mas uma nova pesquisa da Universidade de East Anglia (UEA), na Inglaterra, sugere que até mesmo as aves mais familiares – como o estorninho ou o pardal-comum – podem estar em perigo se não conseguirem lidar com as mudanças nos padrões climáticos.

O estudo, publicado no Journal of Biogeography, revela que as chances de sobrevivência de uma ave não dependem apenas de quão comum ela é ou do tamanho de seu território, mas sim de quantos tipos diferentes de clima ela consegue suportar – um fator que os cientistas chamam de amplitude de nicho climático. Quanto mais ampla essa amplitude, maior a resiliência provável da espécie.

Uma nova forma de identificar aves em risco

Os pesquisadores analisaram dados populacionais de longo prazo de 159 espécies de aves reprodutoras europeias em 29 países e combinaram essas informações com dados climáticos detalhados de um período de 30 anos. Ao mapear as condições climáticas que cada espécie normalmente experimenta, eles desenvolveram uma nova forma de medir quais aves estão mais expostas aos riscos das mudanças climáticas.

Karolina Zalewska, autora principal e pesquisadora de pós-graduação na Escola de Ciências Ambientais da UEA, explica:

“Espécies com um nicho climático estreito – ou seja, que só prosperam em uma pequena faixa de condições climáticas – tinham maior probabilidade de estar em declínio. Isso era verdade independentemente de a espécie ser rara ou amplamente distribuída. Mesmo aves que você vê todos os dias podem ser mais vulneráveis do que imaginamos.”

Isso significa que grupos de proteção precisam ir além do foco usual em espécies raras com territórios pequenos. Eles também devem considerar o quão flexíveis as aves são em relação ao clima. As que não conseguem se adaptar podem estar em maior risco à medida que o ambiente continua mudando.

Por que o clima importa mais do que nunca

As mudanças climáticas causadas pelos seres humanos são agora reconhecidas como uma das maiores ameaças à biodiversidade global. Mas o impacto não é sentido da mesma forma por todas as espécies. Aves que conseguem viver em uma variedade de condições – quentes ou frias, secas ou úmidas – têm mais chances de manter suas populações, mesmo com o aumento das temperaturas ou alterações no regime de chuvas.

Por outro lado, algumas aves que vivem em áreas extensas ainda podem enfrentar dificuldades se dependerem de condições muito específicas em cada local. É por isso que os pesquisadores focaram não apenas no tamanho do território da ave, mas em quanta variação climática ela consegue tolerar dentro desse espaço.

A coautora do estudo, professora Aldina Franco, da UEA, acrescenta:

“Com a aceleração das mudanças climáticas, precisamos identificar rapidamente quais espécies estão mais em risco. Este estudo nos dá uma ferramenta para isso, ao mostrar como é importante entender as condições climáticas às quais as aves estão acostumadas – e como isso afeta suas chances futuras.”

Aves de áreas agrícolas são as mais afetadas

Os pesquisadores descobriram que aves associadas a terras agrícolas – como a cotovia e o trigueirão – tinham mais probabilidade de estar em declínio, confirmando estudos anteriores. Essas aves geralmente dependem de condições climáticas estáveis e tipos específicos de paisagens, ambos afetados pelas mudanças nas práticas agrícolas e no clima.

Em contraste, aves que se adaptam bem a áreas urbanas, como melros e chapins-azuis, estão aumentando em número. Essas espécies generalistas lidam melhor com mudanças – sejam elas de temperatura ou de habitat.

Das 159 espécies estudadas, 58 apresentaram declínio de longo prazo, 68 estavam estáveis e 33 apresentaram crescimento populacional.

Mais do que apenas o clima

Embora o clima seja um fator importante, não é o único. O estudo também considerou outras características, como tamanho corporal, dieta, se as aves migram e os tipos de habitats que utilizam.

Por exemplo, aves migratórias de longa distância têm sofrido mais do que as migratórias de curta distância ou as que permanecem no mesmo local o ano todo. Um dos motivos é o descompasso temporal: quando as aves chegam na primavera, mas o pico da disponibilidade de alimento já passou por causa do aquecimento, elas perdem a oportunidade – o que prejudica o sucesso reprodutivo.

Ainda assim, o estudo deixa claro que a flexibilidade climática é um dos principais indicadores de como as aves irão se sair no futuro.

Resultados do Birdwatch da RSPB

Essas descobertas se alinham com os resultados recém-divulgados do Big Garden Birdwatch da RSPB deste ano, que registrou o menor número já visto de estorninhos nos jardins do Reino Unido. Uma vez a ave mais comum na contagem, o estorninho caiu para o quarto lugar no ranking nacional. Em Norfolk, onde mais de 13 mil pessoas participaram, os estorninhos nem sequer ficaram entre os três primeiros – que foram o chapim-azul, o pombo-torcaz e o pardal-comum.

Apesar de sua plumagem marcante e murmúrios hipnotizantes no inverno, os estorninhos sofreram um dos maiores declínios populacionais entre as aves do Reino Unido. Desde 1970, a população reprodutora no país caiu 82%. Embora ainda apareçam em grandes bandos no inverno, esses números são cada vez mais compostos por visitantes da Europa do Norte, e não por aves nascidas no Reino Unido.

O Birdwatch fornece uma amostra anual dos números de aves de jardim em todo o país e oferece uma comparação valiosa com modelos científicos como os do novo estudo da UEA. Os dados do mundo real reforçam o alerta: muitas das nossas espécies mais queridas estão desaparecendo silenciosamente, mesmo em locais familiares como jardins e parques.

Como os pesquisadores da UEA enfatizam, os esforços de proteção precisam ir além das terras agrícolas para ter sucesso. Um foco nos espaços intermediários – jardins, acostamentos de estradas, áreas verdes urbanas – pode ser igualmente crucial para frear o declínio dessas aves outrora comuns.

O que isso significa para a proteção

Zalewska acredita que essas descobertas podem mudar a forma como conservacionistas e formuladores de políticas trabalham:

“Nosso índice nos permite fazer avaliações mais rápidas e precisas de quais espécies estão em risco. Isso significa que podemos direcionar os esforços de forma mais eficaz – não apenas salvando as aves que já são raras, mas também evitando que as comuns se tornem a próxima crise.”

A pesquisa foi financiada pelo Natural Environment Research Council do Reino Unido e pela ARIES Doctoral Training Partnership.

Fonte: East Anglia Bylines

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